CAPÍTULO V

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— Está indo a algum lugar, srta. Magnólia?
Hanna virou-se de repente ao som da voz familiar. Ficou boquiaberta, os olhos arregalados, enquanto examinava a versão nova e aprimorada do caçador de recompensas que conhecera no dia anterior. As calças surradas de couro tinham sumido, bem como o conjunto das armas que ficavam à mostra. Os cabelos um tanto compridos de Cale tinham sido bem aparados. Ele removera a barba escura e o bigode que lhe haviam escondido os contornos quadrados do maxilar, o furo no queixo e as maçãs do rosto salientes que denotavam sua herança indígena.
Pelos céus! Ela jamais imaginara que Cale Elliot fosse tão incrivelmente bonito, e ficava bastante desapontada consigo mesma por estar observando o homem de queixo caído, em puro fascínio.
Durante anos, desprezara seus frívolos pretendentes por terem se concentrado na aparência externa dela e em sua riqueza herdada. Agora, ali estava... a pior hipócrita do mundo... praticamente babando por causa do físico másculo de Cale envolto por roupas caras. A absoluta beleza de seu rosto viril a embevecia.
— Graças a Deus! — Aliviada, Hanna atirou-se nos braços dele, segurando-o com força. Iria se casar, afinal, e não ser capturada e arrastada de volta até o pai e o noivo indesejável. — Pensei que você... — Fechou a boca tão depressa que por pouco não mordeu a ponta da língua. — Tenho que dizer, você está decididamente elegante.
Cale lançou um olhar ao juiz Parker, que observava o peculiar comportamento de Sarah com um ar inquiridor, e tranquilizou-o com um sorriso. Sabia exatamente o que a mulher pensara quando parara atrás dela. Vira-a ficando tensa, olhando de maneira especulativa para a janela. Sua atitude dissera-lhe que ela não o reconhecera e que se preparara para uma rápida fuga pela janela.
Depois que James Jensen o informara que um detetive da Pinkerton andava investigando pela cidade, ele tomara providências para que Sarah fosse levada discretamente de carroça até o prédio do tribunal. O que desconhecia era o motivo para o detetive a estar procurando. Sendo desconfiado por natureza e hábito, não podia deixar de se perguntar a quem ela assassinara e se o dinheiro que carregava era roubado.
Ainda assim, havia uma inegável inocência em Sarah... ou quem quer que realmente fosse, algo que ele pretendia descobrir muito em breve. Uma inocência que fazia com que fosse difícil para ele acreditar que ela era capaz de matar e roubar. Embora achasse que a mulher o cobrira de mentiras brandas e meias verdades até aquela altura, era com perplexidade que Cale se dava conta de que confiava na honra e na integridade da doce srta. Magnólia. E era dizer muito, porque aprendera anos antes a não confiar em ninguém exceto em si mesmo.
Quando Sarah soltou um suspiro e lhe abriu um sorriso feliz, Cale esqueceu-se de respirar. Seu olhar pousou no decote do vestido dela, que lhe revelava parcialmente as curvas dos seios bem-feitos, e engoliu em seco com dificuldade. Não existiam palavras que fizessem jus a tamanha beleza. Ela era a fantasia secreta de qualquer homem tornando-se realidade.
E queria se casar com ele? A pergunta martelou na mente de Cale pela centésima vez. Por quê?
O juiz Parker limpou a garganta.
— Podemos começar?
— Claro — prontificou-se Sarah, segurando a mão de Cale e virando-se de frente para o juiz.
Parecia tão determinada que Cale teve de conter um sorriso.
— Por favor, não volte atrás pelo fato de haver um detetive da Pinkerton a minha procura — sussurrou-lhe. — Não há nada ilegal ou imoral em querer que este casamento aconteça. Preciso da proteção do seu nome e lhe explicarei por que depois. Por favor, não agora, está bem? Podemos levar adiante a cerimônia?
O juiz declarou com ar solene as palavras destinadas a uni-los legalmente. O tempo todo, perguntas fervilharam na mente de Cale, enquanto tentava entender do que Sarah estaria fugindo para ter um detetive da Pinkerton no seu encalço.
Levantou os olhos, sobressaltado, quando ela lhe deu uma cotovelada.
— Você aceita esta mulher? — perguntou o juiz Parker pela segunda vez.
— Sim — respondeu Cale, meneando a cabeça.
— E você... — O juiz franziu o cenho diante do nome que ela escrevera no pedaço de papel que lhe entregara e, então, encarou-a, boquiaberto. — Hanna Malloy?
— Malloy — repetiu Cale, incrédulo, enquanto olhava para sua noiva. — Minha nossa! — O famoso armador de Nova Orleans era o pai dela? Até Cale ouvira falar sobre o magnata e seu verdadeiro império da navegação, poderoso o bastante para praticamente comprar e vender o país inteiro!
O olhar suplicante que Hanna Malloy lhe dirigiu deixou-o sem fôlego. Ela o fitou como se todos os seus sonhos e esperanças dependessem dele, como se tivesse a resposta para todas as suas preces, a chave para seu futuro.
Oh, puxa, que homem podia fitar aqueles incríveis olhos azuis e desapontá-la? Nem mesmo ele. Não tinha um coração tão duro.
— Está certo, vá em frente, juiz — disse ele depois de limpar a garganta.
— Você aceita esse homem, Hanna? — perguntou o juiz Parker, ainda parecendo um tanto perplexo.
— Sim. — Hanna suspirou aliviada e sentiu os joelhos amolecendo quando o juiz finalmente os declarou marido e mulher.
Tinha, enfim, a sua liberdade.
— Beije sua noiva — disse o magistrado, sorrindo.
Hanna ergueu o rosto, esperando um beijo breve... e não demorou a pender a cabeça para trás quando Cale tomou posse de seus lábios. Uma instantânea onda de calor envolveu-a, o coração disparando no peito. Atônita, dominada por sensações novas e inebriantes, descobriu-se correspondendo ao beijo com o mesmo ardor e entusiasmo demonstrados por Cale. Céus, era como mergulhar vertiginosamente num mar de prazer, como se toda a sensatez que passara duas décadas cultivando se dissipasse num instante de sua mente, deixando apenas puro desejo no lugar.
E, então, de maneira tão repentina quanto quando a puxara para si, Cale soltou-a, interrompendo o beijo. Enlaçou-a com um braço pela cintura quando a viu um tanto cambaleante e, então, estendeu a mão para apertar a do juiz.
— Precisaremos de testemunhas — declarou o juiz Parker, adiantando-se até a porta. —Volto num minuto.
Atordoada, Hanna observou seu bonito marido, cujas roupas distintas não passavam de uma camada de verniz de civilização escondendo o homem sensual e espontâneo que a beijara voluptuosamente.
— Isso é o que você recebe por não ter me dito quem era — resmungou Cale. — E quem você teria matado para que um detetive da Pinkerton esteja a sua procura?
— Não matei ninguém — protestou ela. — Falo com toda a sinceridade.
A mente de Cale ainda girava feito um moinho depois daquele beijo avassalador. Além daquilo, não podia acreditar que se casara com a herdeira de um império do transporte marítimo e fluvial. Pelos céus, o que Hanna pudera estar pensando?
Ainda a fitava de cenho franzido e tentava se recobrar de seu acesso de luxúria quando James Jensen e a esposa entraram no gabinete para assinar os nomes nas três vias da certidão de casamento que Hanna solicitara. Ela confiscou os documentos quando a tinta ainda mal tivera tempo de secar, guardando-os em sua bolsa. Enquanto ela agradecia os Jensen e o juiz pela assistência, Cale guiou-a na direção da porta. Agora, ele obteria suas respostas, e era melhor que a srta. Magnólia lhe contasse toda a verdade, ou o veria em seu pior estado.


— Posso ver que está irritado — murmurou ela, enquanto ele a conduzia do prédio do tribunal e praticamente a arrastava até o beco mais próximo.
— Irritado? — repetiu ele e sacudiu a cabeça. — Dona, você nem imagina quanto! Hanna Malloy, com mil diabos!
Com Skeet seguindo-os, Cale foi conduzindo Hanna pelos becos e ruas mais recuadas, passando, enfim, por sua carroça, que tinha sido devolvida à saída dos fundos do hotel com a parelha, como pedira, seu cavalo baio já tendo sido amarrado à parte detrás do veículo. Quase esperou que o detetive da Pinkerton estivesse de guarda na porta do seu quarto no hotel. Para seu imenso alívio, não havia ninguém por perto.
— Acho que devemos partir imediatamente — insistiu Hanna, olhando, apreensiva, na direção da escada. — Uma vez que tivermos iniciado nossa jornada, prometo lhe contar tudo que quiser saber.
Cale encarou-a, mas não pôde sustentar sua raiva por muito tempo com aqueles olhos azuis fitando-o com tão intensa expressão de súplica.
— Está certo. Nós partiremos. — Adiantou-se pelo quarto para pegar as roupas de couro que comprara para ela. — Você usará isto. Não precisaremos de mais problemas do que os que já temos, Hanna — acrescentou num tom ressentido.
Ele desatou a gravata que quase o estivera sufocando durante a meia hora anterior e, então, retirou o caro paletó. Hanna entreabriu os lábios para retrucar em protesto àquele tom acusador, mas quando o viu desabotoando a camisa depressa e atirando-a de lado, ficou boquiaberta, os olhos arregalados.
— Oh, perdoe-me, princesa Malloy. Creio que a rica e paparicada herdeira do mais prestigiado armador da Louisiana não está acostumada a trocar de roupa com um homem no mesmo quarto. — Ele apontou para a porta de comunicação que dava para o outro cômodo da suíte. — Pode ir se trocar ali dentro e não demore.
Hanna observou-o por um longo e silencioso momento, confirmando com a expressão em seus olhos que era decididamente o primeiro homem seminu que já vira. Por alguma razão, aquilo agradou-o imensamente, apesar de estar aborrecido com ela. Aqueles olhos azuis percorreram seu peito demoradamente e, então, encontraram os seus, Hanna corando de imediato e retirando-se em seguida, levando as roupas novas de encontro a si.
Cale soltou um profundo suspiro, enquanto acabava de se trocar. Estava frustrado, impaciente para deixar a cidade antes que problemas fossem bater a sua porta. Além daquilo, o beijo que dera em Hanna deixara-o em brasa. Estivera determinado a desfrutar aquele beijo, uma vez que prometera abrir mão da tradicional noite de núpcias. Não esperara, porém, que Hanna correspondesse tão ardentemente quando lhe tomara os tentadores lábios com os seus.
Ele acabava de se munir de seu costumeiro arsenal quando a porta de comunicação se abriu abruptamente e Hanna apareceu na soleira, sua transformação hilariante nas roupas folgadas que lhe ocultavam os atributos femininos. Tinha uma expressão contrariada no rosto, os olhos azuis faiscando.
— Pensei que você fosse diferente — declarou, furiosa. — Você pareceu gostar de mim o bastante ontem e hoje de manhã, quando eu era Sarah Rawlins. Mas, no momento em que descobriu minha identidade, você mudou. Eu não. Sou exatamente a mesma pessoa que sempre fui e lhe agradecerei se não esquecer isso.
— Não, você não é mais a mesma pessoa — retrucou Cale. — Agora, é legalmente a minha esposa e deve saber de início que não sou do tipo que gosta de mentiras convenientes e surpresas de enormes proporções.
A resposta pareceu dissipar parte da raiva dela.
— Está certo. Lamento ter me alterado com você, mas passei metade da vida vendo essa mesma reação de aturdimento nos homens quando descobrem quem eu sou. Não gosto disso. Não tenho controle algum sobre minhas origens e não quero que meu nome defina quem eu sou. E é exatamente por esse motivo que Hanna Elliot estará indo para o Oeste, onde as regras da sociedade não são tão definidas e rigorosas e o nome Malloy não pesará sobre minha cabeça feito uma maldição.
Cale percebeu que Hanna se mostrava sensível e melindrada demais em relação as suas origens. O motivo para aquilo era mais um dos muitos mistérios envolvendo a mulher que ele certamente desvendaria em breve, prometeu a si mesmo.
Quando ouviu uma rápida batida à porta, levou a mão reflexivamente à arma no coldre, enquanto Skeet se punha de pé, as presas à mostra.
— Agente Elliot, eu gostaria de lhe falar. Meu nome é Richard Sykes e eu sou da Agência de Detetives Pinkerton.
Hanna gelou, o olhar alarmado encontrando o de Cale. Ele lhe deu instruções silenciosas para reunir o restante de seus pertences e jogá-los pela janela. Hanna obedeceu depressa e, depois, passou a perna pelo peitoril da janela.
— Vamos, Elliot, sei que está aí dentro — chamou a voz impaciente no corredor.
— Vá embora. Estou em minha lua-de-mel — respondeu Cale, enquanto recolhia suas roupas elegantes e as metia no alforje.
— É sobre o que quero lhe falar. Sobre isso e sua esposa. O pai e o noivo a querem de volta imediatamente. Haverá uma recompensa extremamente generosa para que anule seu casamento e entregue a srta. Malloy a mim.
Hanna fitou-o ansiosamente. A expressão de Cale não revelava nada. Ele apenas lhe fez um gesto para que saísse pela janela, atravessando o pequeno trecho de telhado e descendo até a carroça à espera. Ela não soube se ele queria ajudá-la a escapar rapidamente, ou se queria afastá-la o suficiente para poder negociar com o detetive.
Virando-se, Hanna pousou ambos os pés no telhado estreito de madeira e, então, cometeu o grande erro de olhar para baixo. Grudou a mão trêmula no beiral, desejando se mover, mas seus pés se recusaram a cooperar.
Ótimo momento para descobrir que tinha medo de altura. Droga, que outras fraquezas descobriria em si mesma quando estivesse tentando encontrar seus pontos fortes e talentos escondidos?
Ela respirou fundo para se acalmar e tentou descobrir como contorcer o corpo trêmulo para poder se agarrar na viga que sustentava o telhado estreito acima da saída dos fundos do hotel. Antes de reunir coragem para chegar até a viga escorregando pela beirada, onde uma queda de quatro metros e meio aguardava, uma mão tapou sua boca.
Droga! Cale a traíra por dinheiro! Ela se virou, esperando ver o detetive da Pinkerton. Para seu imenso alívio, foi com o rosto grave de Cale que deparou. Ele atirou as valises dela e seus alforjes na carroça abaixo.
— Segure-se bem em mim, srta. Mags. Resolveremos isto juntos — murmurou-lhe ao ouvido.
Hanna estava tão aliviada em saber que ele não a traíra e que não teria de enfrentar seu medo recém-descoberto sozinha que, de bom grado, abraçou-o pelo pescoço e cingiu-lhe os quadris com suas pernas.
Um sorriso sardônico curvou os lábios de Cale, uma sobrancelha negra arqueando-se, enquanto ela se estreitava de encontro a seu corpo como uma segunda pele.
— Não precisei de esforço para convencê-la — sussurrou, divertido.
— Acabei de descobrir que não lido muito bem com altura. Nunca desci de um telhado antes.
— Eu teria pensado de maneira diferente, uma vez que você esteve vivendo na torre de marfim de Malloy. Noivo, hein? Fiquei me perguntando onde arranjou aquele sofisticado vestido de noiva tão depressa. Deixou-o plantado no altar, não foi?
— Sim, ele era totalmente inadequado para mim, mas não consegui convencer meu pai disso... Oh, céus!
Hanna segurou-se com toda a força quando Cale escorregou feito uma serpente para descer pela beira do telhado e segurar-se à viga de sustentação abaixo. Acima de ambos, um grito irritado ecoou, seguido do latido alto de Skeet.
Hanna contraiu o rosto quando Cale, dependurado por um braço, passou o outro por sua cintura, balançou-a acima da parte de trás da carroça e soltou-a. Skeet começou a latir ferozmente quando o detetive jogou-se de encontro à porta, determinado a entrar no quarto.
Rapidamente, Cale caiu de pé ao lado de Hanna na parte detrás da carroça, segurou-a pelo colarinho da camisa e colocou-a no banco de madeira. Sentando-se depressa, ele apanhou as rédeas e instigou os cavalos.
Hanna agarrou-se ao braço dele para não cair para trás, enquanto a parelha saía a galope.
— Você não pode deixar Skeet para trás — falou.
— Skeet e eu já tivemos de nos separar antes. Várias vezes, na verdade. Ele está retardando o detetive. Mas nos encontrará. Tome, coloque este chapéu e encolha os ombros para disfarçar o fato óbvio de que é uma mulher — ordenou Cale.


Hanna seguiu as instruções. Quando chegaram ao rio, a balsa, lotada de carroças e cavalos, preparava-se para sair. A despeito do protesto de alguém, Cale guiou a carroça pela rampa de acesso até a balsa, forçando os outros cavalos e carroças a se moverem para prover espaço para o veículo extra.
— Vencemos a primeira etapa — comentou, enquanto ia até a parte traseira da carroça para ajeitar melhor os pertences de ambos. — E então, o que está achando, Mags? Já está se divertindo?
Curiosamente, Hanna estava tendo uma grande aventura, a adrenalina percorrendo-a. Olhou ao longo do rio na direção do território indígena. Talvez o perigo estivesse à espreita por toda à parte. Talvez o Oeste não fosse sua terra prometida que havia muito esperava. Mas sentia-se livre, viva e ansiosa para aceitar os desafios pela frente. Devia muito a Cale por sua liberdade e prometeu a si mesma fazer o que pudesse para manter sua parte do trato.
Seu respeito pelo homem aumentara ainda mais, sabendo que ele deixara de aceitar um vultoso suborno quando se recusara a entregá-la ao detetive da Pinkerton.
A travessia até o outro lado do rio foi breve e Cale não perdeu tempo a instigar os cavalos a novo galope tão logo desceram pela rampa de saída da balsa. Hanna sabia que ele queria obter respostas, mas parecia determinado a manter uma distância segura entre ambos e o detetive. Seguiram por horas por uma estrada tão precária que a carroça sacolejava sem parar, uma estrada que se tornou cada vez mais sinuosa ao pé das colinas e penetrou por densa floresta. Ela esperou que parassem para descansar quando o sol se pôs, mas Cale prosseguiu no escuro da noite, num ritmo constante, mantendo-se sempre alerta.
Exausta, Hanna acabou adormecendo de encontro ao ombro forte dele. Antes, porém, não deixou de lhe ocorrer que aquela era a primeira vez em sua vida que depositara sua confiança num homem... e ele não a desapontara.


Cale despertou com os primeiros raios do amanhecer que despontavam no céu e logo se deu conta de um peculiar peso em cima de seu corpo. Baixando os olhos, notou uma cabeleira loira esparramada sobre seu peito e um braço delicado curvado em torno de seu ombro.
Quando deitara Hanna com gentileza sobre um cobertor dobrado no chão e esticara-se a seu lado para amenizar o frio da noite, não esperara que ela acabasse abraçando-o daquele jeito em seu sono. Era algo agradável, na verdade, mas bastante desconcertante para alguém que sabia que tinha de manter o devido distanciamento entre ambos.
Sem poder resistir e cauteloso, a fim de não acordá-la, correu os dedos por aquelas mechas loiras, deliciando-se com sua sedosa textura. Sua esposa. Ainda não conseguia assimilar por completo o fato. Tendo sido criado numa cultura e vivendo em outra... uma que tinha mais contrastes do que semelhanças... não tinha certeza do que deveria estar sentindo, ou de como lidar com aquele casamento temporário.
Era um homem acostumado a se basear em lógica, reflexo e instinto. Nunca se deixava dominar pela emoção. Mas desde que conhecera aquela ora divertida, ora exasperante beldade sulista, uma necessidade de proteger e também sentimentos inéditos de posse andavam atormentando-o. Não sabia como lidar com a ternura que, às vezes, envolvia-o, em momentos inesperados como aquele.
Aquela mulher interferia em sua rotina e em seus pensamentos. Desejava-a como jamais desejara outra e sabia que teria de aprender a lidar com aquilo, porque consumar o casamento não era parte do trato. E era por aquela razão que pretendia manter o passo mais rápido possível ao longo do território. Voltaria a ser o mesmo quando chegassem ao Texas e poderia concentrar sua energia e pensamentos no plano de levar Otis Pryor à justiça.
Quando Hanna se mexeu e suspirou, seu hálito quente sussurrou de encontro ao pescoço dele, feito a carícia de uma amante. Cale cerrou os dentes quando uma onda de desejo proibido percorreu seu corpo. Precisava se levantar e estava prestes a fazê-lo quando aquelas pálpebras delicadas se moveram e se viu fitando incríveis olhos azuis. Ela abriu um sorriso sonolento, e nova onda de desejo percorreu-o.
— Bom dia — disse-lhe, rouca.
Sem poder evitar, Cale devolveu o sorriso.
— Bom dia, Flor de Magnólia.
Hanna tornou a suspirar, aninhando-se mais de encontro ao peito dele. De repente, deve ter-se dado conta de onde estava e a quem abraçava, pois arregalou os olhos e ergueu-se rapidamente, o rosto afogueado.
— Eu... — Correu os dedos pelos cabelos loiros depois que se sentou ao lado dele. — Desculpe. Eu não havia percebido que estava usando você como travesseiro.
Cale deu de ombros com um ar de indiferença que destoava do fogo do desejo que percorria suas veias. Levantou-se rapidamente.
— Temos de comer algo e rumar em direção sul — disse, seu desconforto tornando-o brusco. — Provavelmente teremos um detetive da Pinkerton no nosso rastro. Como se não tivéssemos problemas o bastante com que lidar nesta parte da floresta.
Hanna observou-o levantando acampamento metodicamente e atrelando os cavalos à carroça. Desconcertava-a o fato de ter-se aninhado junto a ele em seu sono como uma criança que confiava sem hesitação. Mas, afinal, passara a confiar totalmente em Cale depois de sua recusa em entregá-la ao detetive.
Apesar da reputação dele na sociedade, era um homem honrado. Fizera um trato com ela e parecia que pretendia cumpri-lo. Lembrou a si mesma que o homem era motivado por sua necessidade de vingar as mortes do irmão e da cunhada. Não era tanto um apego crescente que sentisse por ela, mas uma necessidade de vê-la desempenhando um papel que lhe daria acesso ao campo do inimigo. Ela simplesmente teria de aprender a contornar aquele inesperado fascínio pelo homem que agora era seu marido.
Além do mais, devia-lhe uma explicação, e o faria tão logo retomassem a jornada. Depois que se lavou num riacho próximo que ele lhe indicou e ambos comeram, ela franziu o cenho curiosamente quando teve tempo de inspecionar os suprimentos na parte detrás da carroça.
— Pensei que você tivesse ido comprar armas e munição.
— E comprei. Pedi ao ferreiro que fizesse um fundo falso na carroça para esconder o arsenal — explicou Cale, enquanto a ajudava a subir até o assento. — Seria estupidez atrair ladrões com nosso estoque de armas à mostra. — Ele ocupou seu lugar e sacudiu as rédeas, a parelha começando a trotar, seu baio seguindo atrás. — Agora, você ia me dizer por que uma herdeira, que provavelmente tinha tudo que a maioria das mulheres poderia querer ao seu fácil alcance, além de um noivo à espera no altar, decidiu adotar um nome falso e casar-se com um mestiço. Desembuche, Magnólia, e não omita nenhum detalhe.
— Precisamos realmente desenvolver o seu cavalheirismo. Desembuche não é um jeito nada elegante de se falar.
Cale lançou-lhe um olhar atravessado, indicando que não estava com a menor disposição para uma conversa sobre boas maneiras.
— Vamos ouvir sua história — ordenou num tom grave. — Você já ganhou tempo demais.

Caçador Do Amor( Concluido)Onde histórias criam vida. Descubra agora