CAPÍTULO XV

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Enquanto Hanna se vestia para a festa anual da cidade, ouvia Cale movendo-se mansamente pelo quarto. Teve o cuidado de não deixar seu olhar procurá-lo enquanto ele se vestia porque não precisava de nenhuma lembrança daquele corpo másculo, o qual percorrera por inteiro com suas mãos antes, a qualquer momento desejado. O sereno companheirismo e o imenso prazer partilhados tinham sido substituídos por uma existência tensa, na qual duas pessoas vivendo lado a lado tentavam não invadir o espaço particular uma da outra.
Por tantas vezes no decorrer dos dias anteriores, Hanna quisera estender a mão para tocar Cale, mas contivera-se no último instante. Por vezes demais acordara à noite para encontrar o braço ou a perna por cima dele e obrigara-se a se afastar cuidadosamente.
Não havia muito tempo ele fora seu amigo mais íntimo, seu amante. Agora, era um estranho que erguera uma barreira emocional para separá-los.
E, enquanto Cale a estivera afastando, Otis Pryor estivera se empenhando ao máximo para se aproximar mais e mais. Ele aparecera na noite anterior para levá-la para jantar e encontrara todos os tipos de pretextos para tocá-la. Hanna tolerara aquilo e até se comportara como se aprovasse tais atenções, mas tivera de se esforçar para não contrair o rosto, ou se esquivar.
Otis retornara novamente naquela manhã, insistindo que queria apresentá-la formalmente ao grupo de mulheres responsável por organizar o fandango e dispor as mesas de comida. Durante as apresentações, ele mantivera a mão nas costas dela de um jeito possessivo, ficando próximo demais. Estivera flertando com ela e atraindo os olhares especulativos das outras mulheres. Sem dúvida, queria que a notícia chegasse até Cale de que havia um rival disputando a afeição de sua esposa.
Otis fora persistente quanto a levar Hanna para conhecer sua casa de fazenda. E, naturalmente, insistira para que o acompanhasse numa refeição caseira preparada por seu cozinheiro. Ele a cercara antes que Hanna pudesse ter saído pela porta da frente e a encostara na parede.
— Você faz a mínima idéia do efeito que exerce em mim, doce Hanna? — murmurara junto ao pescoço dela.
Quando ela se dera conta do sexo rijo dele de encontro a sua coxa através das roupas, sentira-se como se tivesse traído as lembranças da paixão que partilhara com um único homem. Sua primeira reação fora a de empurrar Otis para longe, mas lembrara a si mesma de que era mais benéfico para a causa entrar no jogo.
Não quisera que o malfeitor a visse nem mesmo como a mais ínfima ameaça porque talvez chegasse a ocasião em que precisaria que ele confiasse nela a ponto de baixar a guarda. Apanhá-lo de surpresa no momento oportuno seria uma arma vital que precisaria ter ao seu dispor.
Quando Otis se inclinara para beijá-la, Hanna precisara reunir todo seu autocontrole para não lhe cuspir na cara. Ele lhe causava repulsa, enquanto Cale tinha o dom de fazê-la arder de desejo. Fora necessária uma tremenda habilidade para representar para que Hanna conseguisse fingir que gostara do beijo de Otis, quando na verdade, ansiara pelo sensual contato dos lábios de Cale nos seus.
— Podemos ir lá para cima — sussurrara Otis ao seu ouvido.
— Ainda sou casada, você sabe — lembrara-o ela, forçando-se a fitar aqueles olhos azuis carregados de luxúria.
— Alguns casamentos simplesmente não dão certo — dissera-lhe ele, rouco. — Quero você em minha cama. Posso colocar o mundo aos seus pés. Você deveria estar cercada de riqueza e luxo, não se acabando naquela loja na cidade, casada com um homem que não a aprecia totalmente.
— Sinto realmente falta da riqueza e do luxo com os quais cresci — respondera ela. Quando Otis tentara beijá-la de novo, Hanna passara por debaixo do braço dele e segurara a maçaneta da porta. — Eu preciso mesmo ir. Infelizmente, tenho responsabilidades na loja.
Para seu alívio, Otis cedera e, então, acompanhara-a de volta até a cidade. Embora Hanna não tivesse incentivado abertamente suas investidas, também não as desencorajara. Deixara-o pensando que estava considerando sua proposta. Pouco sabia o homem que ofertas de riqueza e posição social não a impressionava. Ela tivera o mundo ao alcance das mãos, mas deixar tudo para trás para ir em busca de seus sonhos... — Está pronta, Mags?
A pergunta de Cale fez Hanna voltar abruptamente ao presente. Ela lançou um último olhar ao espelho para se certificar de que a charmosa trança que enrolara e prendera no alto da cabeça estava firme e não se desmancharia enquanto estivesse dançando.
— Sim — murmurou, temendo outro encontro com Otis.
Cale curvou-se galantemente e, então, ofereceu-lhe o braço... como ela instruíra... mas não havia um sorriso em seu rosto de traços marcantes. Tinha uma expressão de espantosa intensidade.
— Você gostou do beijo desta tarde na fazenda de Pryor?
Hanna encarou-o, estupefata.
— Você estava lá? Como?
— Gostou? — persistiu ele, a expressão cuidadosamente desprovida de emoção agora.
Ela ergueu o queixo e sustentou-lhe o olhar. Outras mulheres podiam empregar ciúme para forçar um compromisso da parte do homem de seu interesse, mas ela se recusou a se rebaixar a tanto. Embora o interesse de Cale por ela tivesse acabado, não tinha intenção de punir o homem por magoá-la. Não era o culpado se não a amava. Afinal, não esperava outra coisa além de sinceridade dele e ofereceria o mesmo em troca.
— Beijar malfeitores detestáveis não é minha idéia de diversão — respondeu. — Mas, se chegar o momento em que eu puder usar a lascívia de Otis contra ele, então você pode ter absoluta certeza de que eu o farei. Ele é seu arquiinimigo e, portanto, o meu também. Isso responde sua pergunta satisfatoriamente?
— Não gostei de vê-lo beijando você — retrucou Cale, contrariado.
— Não gostei de beijá-lo tampouco. Ele é desprezível e repulsivo e, assim sendo, acho que eu e você tivemos uma tarde desagradável.
Um sorriso quase imperceptível curvou de leve os lábios de Cale quando inclinou a cabeça deliberadamente na direção da dela. Ah, que diferença o homem certo fazia na hora de um beijo, ponderou Hanna, enquanto ansiava para que os lábios dele tocassem os seus. Queria que ele apagasse a repugnante lembrança de ter beijado um réptil peçonhento, mas aqueles lábios sensuais apenas permaneceram próximos aos seus, sem tocá-los. Hanna sentiu-se tentada a agarrá-lo pelas lapelas do caro paletó preto e puxá-lo para si.
— O homem é um patife, sem dúvida — disse ele rouco, enquanto lhe observava os lábios rosados. — Mas possui o tipo de carisma que eu não tenho.
Hanna podia sentir o calor do corpo de Cale. Podia sentir sua própria reação.
— Você tem mais do que a sua merecida dose de carisma, caro marido — sussurrou, ansiando tanto ser beijada que quase podia sentir o gosto dos lábios de Cale. — Apenas se cansou de atirá-lo na minha direção.
— Mags, eu...
Hanna não o deixou terminar porque não tinha certeza de que queria ouvir o que ele tinha a dizer. Provavelmente, partiria seu coração.
— Apenas cale-se e beije-me uma última vez — exigiu, enquanto o puxava para si pelas lapelas do paletó, vencendo aquela distância mínima entre os lábios de ambos.
Ela o beijou com todo seu ardor, tomada pelo ímpeto e desespero de todas as vezes nos dias anteriores que quisera os beijos dele e não os tivera. Se aquele fosse o último beijo de ambos, então teria de lhe durar uma vida inteira, porque sabia que jamais deixaria outro homem chegar tão perto novamente.
O aroma, o calor e o gosto de Cale ficariam gravados para sempre na sua memória, em seu coração. Quando estava com ele, sentia-se como se fosse tudo aquilo que já esperara ser. E aquele homem por si só tinha o poder de magoá-la, ou fazê-la feliz. Podia levá-la até o mais extasiante ápice do enlevo, ou fazê-la mergulhar nas trevas do desespero. Ele tocara sua alma e a fizera sentir-se completa e viva, e jamais voltaria a ser a mesma novamente.
Sabia que Cale não correspondia aos seus mais profundos sentimentos, mas, tola como era, amava-o assim mesmo. Não havia como encontrar um meio de superar aquilo. Não importando quantas vezes Cale se retraísse e se transformasse no lobo solitário que fora quando haviam se conhecido, ela continuaria amando-o indefinidamente.
Quando ele enfim abandonou aquela exasperante reserva que demonstrara nos dias anteriores e a beijou voluptuosamente, Hanna soube o que era estar no paraíso sem ter morrido primeiro. Ele invadiu-lhe a maciez da boca com a língua e abraçou-a pela cintura, estreitando-a no calor de seu corpo. Beijava-a com sofreguidão, com quase desespero, e ela sentiu-lhe a rija masculinidade de encontro a si. Cale ainda a desejava. Ao menos ainda havia aquilo.
Mesmo sabendo que ele não a amava, Hanna saboreou aquele último beijo e deu tudo de si, esperando fazê-lo entender o que não tinha coragem de traduzir em palavras.
Quando não lhe restava mais ar nos pulmões, ela se viu obrigada a interromper o tórrido beijo. As favas com o fandango! Queria poder arrancar as roupas distintas de Cale e entregar-se com todo abandono a ele para que a possuísse uma última vez. Dançar com os cidadãos de Cromwell... e com Otis, sem dúvida... não seria nem de longe tão divertido quanto teria sido fazer amor com Cale.
Antes que ele pudesse voltar ao que tentara dizer... antes que ela o interrompesse com mais um beijo faminto... ela apanhou-lhe a mão e abriu a porta.
— Hanna...
— Para um homem que desaprova conversas que duram mais do que um minuto, você começou a falar demais — interrompeu-o ela, enquanto o puxava pela escada.
— Mags, eu...
— Cale-se, sim? — exigiu ela. — Há apenas duas coisas que impedem você de ser o marido perfeito. Você não sabe quando manter a boca fechada.
— E a segunda? — indagou ele com um riso.
— Vamos por partes, está bem? — respondeu Hanna, guiando-o até a rua.
Por várias vezes durante a tranquila caminhada de ambos até a praça da cidade, Cale pensou em parar Hanna e assegurar-lhe que não era falta de interesse que o levava a manter distância dela. A cada instante de seu dia, desejava-a, queria-a. Mas jamais sairia de Cromwell com seu coração intacto se não mantivesse aquele distanciamento emocional e a deixasse acreditar no pior.
Aquilo era para o bem de ambos, lembrou a si mesmo. O que teria a oferecer a Hanna depois que tivessem completado aquela missão pessoal? Dinheiro? Ela já o possuía de sobra. Um lar? Ele não tinha um lar para dividirem. Respeitabilidade? Diabo, ele não tinha aquilo tampouco. Desistira de todos os seus sonhos pessoais cinco anos antes para vingar a morte do irmão, mas os sonhos dela ainda se encontravam pela frente, reluzindo no horizonte a oeste. Teria de deixá-la ir, livre, quando aquela investigação estivesse concluída.
E estava bem próxima de sua conclusão agora.
Cale reunira as provas que precisava para confrontar Otis Pryor. Confiscara a escritura das terras e o testamento do antigo proprietário. Como presumira, não houvera negociação envolvendo dinheiro, nem tampouco transferências de títulos de propriedade indicando que Pryor obtivera as terras legalmente. Também não havia notas de venda das centenas de cabeças de gado das quais Pryor alegava ser o dono. Em suma, tudo que ele possuía fora roubado.
Na noite seguinte, enquanto os guardas estivessem dormindo em seus postos, Cale pretendia atrair aquele patife assassino para fora da casa, prendê-lo e, então, recolher seu pequeno exército. Tomara providências para escoltar Pryor e seu bando até Fort Smith para irem a julgamento.
Hanna estaria fora de perigo, porque ele já comprara uma passagem e pretendia colocá-la na diligência da manhã... esperneando e gritando, se aquela fosse a única maneira de ela ir. Mas estaria longe dali quando ele fizesse as prisões.
Música e risos pairavam no ar da noite quando ambos se aproximaram da praça. Lampiões pendiam de pontos estratégicos, iluminando as mesas de comida e bebida, a área de dança e o grupo de músicos locais.
Os cidadãos tinham comparecido em massa para celebrar a fundação de sua comunidade. As mulheres usavam suas melhores roupas, mas nenhuma se comparava nem de longe à beleza surpreendente de Hanna. Ela era a rainha do baile, como provavelmente costumara ser quando sociabilizara com a aristocracia em Nova Orleans.
Cale lançou-lhe um olhar, notando como seus cabelos reluziam feito raios de luar sob a luz. Ansiava soltar-lhe aquela trança sofisticada no alto da cabeça para poder correr os dedos pelas mechas sedosas. O medalhão que sempre usava em torno do pescoço como uma espécie de amuleto reluzia sob a luminosidade suave e chamava a atenção para seu colo acetinado. O vestido de cetim azul-claro realçava-lhe a silhueta perfeita, e ele sentia os dedos formigando com a vontade de lhe tocar as curvas bem-feitas.
Sem dúvida, Hanna era uma visão encantadora, e cada homem presente virava a cabeça para observá-la passar. Ora, ele quase pôde ouvir o suspiro coletivo de aprovação masculina quando ela se adiantou na direção da área de dança.
Cale nunca aprendera a dançar e não estava disposto a bancar o tolo na frente de sua esposa. Quando ela pegou sua mão, ele sacudiu a cabeça.
— Não sei dançar — admitiu.
— Você não sabe... — Hanna comprimiu os lábios e encarou-o. — Por que não me falou? Da maneira como você é ágil e competente, não teria sido necessário muito tempo para eu lhe ensinar. Céus, não é como se você não tivesse me ensinado uma coisa atrás da outra. Até coisas que eu gostaria de não ter aprendido... — Ela fechou a boca tão depressa que mordeu a ponta da língua. — Ai.
— Coisas como o quê? — indagou ele sem poder evitar quando lhe notou a expressão irônica no rosto.
— Esqueça — respondeu ela, desviando o olhar. — Bem, então acho que devemos nos misturar à multidão e provar a Comida.
— Que coisas? — persistiu Cale, recusando-se a se deixar distrair.
Hanna lançou-lhe um sorriso açucarado.
— Não é de sua conta. Ah, ali está a sra. Hensley. Eu a conheci hoje de manhã. Acho que vou trocar algumas palavras com ela. Com licença.
Quando Hanna se afastou, Cale olhou ao redor, incerto. Não poderia estar se sentindo mais deslocado! Não era do tipo que frequentava festas. Havia, no entanto, interrompido uma ou duas festas requintadas... oferecidas por criminosos que haviam transformado seu convidado de honra em vítima inocente... durante as missões que Parker lhe delegara. Mas tais festas não contavam.
Se nada mais, aquele fandango da comunidade reforçava sua convicção de que, não importando quanto gostasse da companhia de Hanna e de sua presença em sua vida, ambos não serviam um para o outro. Ele podia vestir as roupas distintas de um cavalheiro e proprietário de loja, mas ainda era um caçador de recompensas mestiço que estava mais bem adaptado à vida em regiões bravias do que na sociedade. Não sabia dançar. Não dominava a conversação... amena ou qualquer que fosse... e a única coisa que entendia sobre estilo de roupas era o que o alfaiate que lhe vendera aquele terno lhe dissera.
Sua linha de pensamento dispersou-se quando viu Otis Pryor. O fazendeiro estava vestido impecavelmente... a fachada de um distinto cavalheiro encobrindo um sórdido assassino. E as provas que Cale reunira certamente indicavam que ele cometera vários assassinatos desde sua chegada a Cromwell. E também estava assediando Hanna. Cale cerrou os dentes quando o patife bem-vestido pegou-lhe o braço e conduziu-a até a área de dança. Observar Otis estreitando-a em seus braços era tortura tão grande quanto fora vê-lo beijando-a naquela tarde. Seu estômago ficou em nós.
Com toda a certeza, Hanna embarcaria naquela diligência pela manhã, prometeu a si mesmo. Queria vê-la o mais longe possível de Otis. O homem a devorava com os olhos. Seu verniz de cavalheiro paciente por certo estava se deteriorando, notava Cale. Podia perceber a vontade do patife de levar aquela "amizade" com Hanna a um patamar mais íntimo. Somente por cima do seu cadáver! Estava tão absorto, observando Otis dançando com Hanna, que não notara vários dos comparsas do fazendeiro aproximando-se sorrateiramente por trás dele. De repente, sentiu o cano de um revólver apontado para suas costas, sentiu o cheiro de encrenca no ar.
— Calma, amigo — disse Sam Vickers atrás dele. Deu-lhe um tapinha nas costas e, então, meteu a mão sob o paletó de Cale para pegar-lhe a arma escondida. — Faça um único gesto para resistir e sua adorável esposa será nosso alvo. Recebi uma denúncia anônima de que seu estoque de armas é propriedade roubada. Terei de ver suas notas de compra e lhe fazer algumas perguntas.
A mesma velha ladainha, pensou Cale. De acordo com suas averiguações... e as úteis informações de Arliss Fenton... ex-proprietários de estabelecimentos tinham sido acusados de roubo antes de seus estoques terem sido confiscados e de eles próprios terem desaparecido misteriosamente. Cale tinha a nítida impressão de que não apenas Otis Pryor e seus comparsas queriam aumentar seu arsenal com as armas dele, mas o fazendeiro ainda decidira que apossar-se de Hanna seria muito mais fácil se o marido estivesse convenientemente fora do caminho.
Quando Sam Vickers agarrou seu braço, cada instinto em Cale impeliu-o a atacar, mas notou o revólver apontado diretamente para Hanna e contou dezenas de pessoas inocentes que poderiam ser feridas se o tiro fosse disparado. Com mil diabos!
—Vamos, McCloud. Você está preso — declarou Sam. — Andando.
Enquanto a banda tocava uma música animada e os moradores da cidade dançavam e conversavam, Cale deixou que o levassem para longe de Hanna e das demais pessoas e o ocultassem nas sombras da rua principal. Praguejou quando contou os homens que o escoltavam e notou que o pistoleiro que apontara para Hanna ficara para trás, a fim de assegurar a sua cooperação.
Cale esperou até que os homens o tivessem levado para longe o suficiente da área de dança para que o atirador em potencial não pudesse ver o que estava acontecendo. De repente, ele se virou, chutando o revólver de Sam para longe de sua mão e, ao mesmo tempo, arremessando seu punho de encontro ao maxilar mais próximo. Praguejamentos ecoaram a sua volta enquanto Cale atacava seus agressores com toda a fúria.
Subitamente, ouviu passos e viu vultos avançando do beco feito espectros surgindo das trevas. A abrupta pancada na parte de trás de sua cabeça o deixou cambaleante. Um punho cerrado, equipado com soco-inglês atingiu-o em cheio no estômago, e os joelhos dele ameaçaram dobrar.
Lembrara a si mesmo que fora agredido antes... por ser um mestiço, por ser um homem da lei que criminosos queriam fora de seu caminho. Podia levar um soco e suportar a dor.
Grunhindo, lançou-se em cima do homem diretamente a sua frente. Quando caíram no chão de terra batida, Cale já pegara o punhal escondido na manga de sua camisa e cortara o pulso do pistoleiro. O homem urrou de dor e tentou revidar, mas Cale rolou para o lado e colocou-se de pé.
— Diabo, quem é você? — indagou Sam de cenho franzido, enquanto se desviava do punhal afiado.
— A maldição de sua vida, Vickers — retrucou Cale. Movido apenas por pura força de vontade, manteve-se de pé para enfrentar os cinco homens que formavam um semicírculo a sua volta. Podia sentir o cheiro do sangue se esvaindo do ferimento na sua cabeça, mas recusou-se a se deixar distrair. — Chame seu atirador de volta, ou enfrente este punhal. A escolha é sua.
Vickers sorriu com escárnio, enquanto se colocava na frente de um dos outros homens.
— Ao que parece, você perdeu o juízo se não percebeu que não está dando as cartas aqui, McCloud. Apenas tente usar esse punhal e verá aonde isso o levará. — Fez um breve gesto de cabeça para o homem parado atrás dele. — Smitty, vá dizer a Harlan que mantenha a arma apontada para a encantadora esposa de McCloud até que eu lhe dê ordem em contrário.
Cale praguejou por entre os dentes enquanto o capanga a quem Vickers dera cobertura virou-se e afastou-se rapidamente. Olhou de modo discreto para o revólver que caíra da mão ensanguentada de sua vítima e agora, estava caído a cerca de um metro e meio. Droga, precisava realmente daquele revólver. Com certeza, tinha uma faca metida na bota, mas podia fazer muito mais estrago com um revólver carregado. E aqueles homens estavam tentando usar Hanna para se manterem em vantagem sobre ele. A vida dela, ou a sua, ameaçavam-no. Oh, não havia em absoluto escolha alguma a ser feita naquelas circunstâncias, mas duvidava que seus agressores entendessem a que extremos ele ousaria chegar para dar alguma chance a Hanna.
— Skeet! — chamou Cale de repente.
— Espera que aquele seu vira-lata venha em seu socorro? — Vickers riu, desdenhoso. — Lamento, McCloud. Não haverá ajuda desse lado. Acho que será apenas você contra todos nós. Isto tudo fica na dependência de você querer manter sua esposa viva, ou...
Cale desfechou um golpe rápido e certeiro com o punhal, notando a expressão de surpresa no rosto de Sam Vickers quando baixou os olhos até o ferimento letal em seu peito. O choque estampou-se no rosto dos outros capangas, imobilizando-os por uma fração de segundo. Foi todo o tempo que Cale precisou para mergulhar até o revólver largado e fazer dois disparos antes que os pistoleiros pudessem reagir.
Derrubou dois homens antes de sentir uma bala passando de raspão por seu ombro. Rolando no chão, fez outros dois rápidos disparos, e mais dois agressores caíram para frente na terra.
Gritos ecoaram da praça da cidade, e Cale fez uma prece silenciosa para que o atirador não conseguisse alvejar Hanna, enquanto as pessoas corriam em todas as direções. Esperava que ela tivesse a presença de espírito de correr para se salvar antes que Otis a pegasse. Esperava que se lembrasse dos truques do ramo que lhe ensinara...
Do meio do nada, outro golpe foi desfechado na parte detrás de sua cabeça. Droga, Otis colocara seus homens em cada canto da cidade, deduziu Cale, enquanto uma dor intensa explodia em sua cabeça. O estômago revirou-se e pontos de luz faiscaram diante de seus olhos. Ele cambaleou, esforçou-se para manter o equilíbrio e, então, virou-se abruptamente para dar um soco no rosto de seu agressor, mas suas forças iam se esgotando depressa.
A impressão era a de que o mundo estava desmoronando a sua volta. Os joelhos dobraram quando alguém o atingiu com um murro nas costelas, forçando-lhe o ar a sair numa lufada agonizante. Teve a inconfundível sensação de que sua vida estava prestes a terminar, mas fez mais uma prece fervorosa para que a de Hanna não estivesse. Nunca pedira nada ao Deus dos índios, ou ao dos homens brancos, mas estava certamente pedindo agora. Deixe Hanna sobreviver a esta provação para que possa ir em busca dos próprios sonhos!
Seu único arrependimento era o de não ter tido a coragem para lhe dizer que a amava quando tivera a chance. Não quisera admitir aquilo para si mesmo, não o agradara o fato de que o jovem Arliss Fenton tivesse enxergado diretamente até o coração dele quando comentara de seu amor e devoção por sua esposa. Era verdade que não quisera se apaixonar por Hanna, mas parecia que havia algumas coisas que um homem simplesmente não conseguia controlar. O coração, descobriu, tinha vontade própria.
Cale guardara seus sentimentos para si porque soubera que ela partiria eventualmente. Revelá-los em meio a uma separação tão iminente não teria ajudado a nenhum dos dois. Mas, agora, perguntava-se se talvez não tivesse sido um erro esconder seus sentimentos.
Talvez devesse ter-lhe contado a verdade. Afinal, a mulher sempre esperava e exigia sinceridade da parte dele. E, agora, jamais saberia sobre seu amor, e ele morreria naquela rua poeirenta em sua tentativa fracassada de ver o assassino de seu irmão levado à justiça.
Droga, pensou, angustiado, a vida não era justa. Sempre soubera daquilo, mas aquela foi a única vez em que realmente odiou estar certo.
A imagem do rosto de Hanna passou feito um clarão por sua mente atordoada. Ele não podia desistir! Não poderia deixar Hanna para lutar contra Pryor sozinha. Tinha de se pôr de pé novamente, mover-se. Fizera uma promessa para não deixar que nada lhe acontecesse.
— Diabo! O que é preciso para manter esse homem no chão?
A voz soou como se chegasse até ele através de um túnel sinuoso, e Cale apoiou-se com grande esforço nas mãos e nos joelhos para tentar se levantar. Antes de conseguir se erguer por completo, outro golpe o fez cair. A escuridão tragando-o, desabou na poeira do chão.

Caçador Do Amor( Concluido)Onde histórias criam vida. Descubra agora