My Sweeter Place | Beauany

6.

Junho, dia 12 de 2020

O dia amanheceu tempestuoso.

Acho que na minha vida anterior joguei pedrinhas na cruz ou cometi um ato desonroso como sambar no altar da catedral de Notre Dame. Por que definitivamente forças superiores estão aplicando uma punição severa à mim.

É sexta-feira, acordei mais disposta como nunca para iniciar meu dia. Estava tudo esquematizado tão perfeitamente e a tempestade surgiu como um tornado, assolando meus planos. A vontade de espernear e chorar até ficar desidratada foi atrativa, quase caí ao deleito das lamúrias. Todavia seria extremamente humilhante fazer isso com a casa "cheia". Especialmente humilhante se certo parasita de olhos azuis escutasse. Mesmo a bons metros de distância, com paredes nos mantendo seguramente separados, seria possível escutar sua risada prepotente e sentir seu ar superior que apodera o ambiente na mesma velocidade que a toxidade consumiu Chernobyl.

As estradas estão perigosas, repletas de névoas. Bailey não precisou avisar-me, o clima tratou de explicitar o recado. Ninguém sai hoje. Foi difícil sair do quarto, mas tive que descer para tomar a vitamina veneno, felizmente hoje é o último dia do castigo. Provavelmente hoje também não retornaremos a casa de vovó, com as estradas paradas, nenhum serviço virá.

De forma incomum, estou quieta, na verdade o silêncio é para esconder o estresse que esgotam até a última fibra do meu ser, consequências dos invariáveis picos de humor.

Se passar despercebida era minha intenção, definitivamente obtive o contrário. Todos na mesa encaram da forma que eu pareça um extraterrestre e quando digo todos, incluo o insurportável estatueta de ouro. Depois do breve ocorrido na sala de jogos, Josh e eu, falamos o essencial, ou seja, cumprimentos minimamente da "boa vizinhança", em excessão a troca indelicada de farpas simuladas em ironias.

Por que o dia tinha que dar errado? Eu só queria ir pro centro e passar a minha tarde mexendo no Twitter/Instagram, as redes sociais estão muito mais interessantes. Venho fazendo live, fui nota de matérias em vários sites, estou sendo notada por vários famosos e conquistando muito público. Quero me animar com tudo que vem acontecendo, mas sempre há um bloqueio. Esse sítio no meio do mato impossibilita todas as maneiras de trabalhar. Tenho medo de perder alguma oportunidade importante, por não ter tempo de responder uma mensagem, juro que infartaria.

Adquiri manias, meus dedos coçam o tempo inteira, pego o celular entro em todos os aplicativos com à esperança que por um milagre tenha sinal, mas o resultado sempre é o mesmo, nada carrega. Costumo andar de um lado para o outro ansiosa, quase fazendo um buraco fictício no chão. Amo minha vó, mas quero minha vida de cidade grande de volta, acho que já transbordei o limite da paciência para a vida no campo, seria menos detestável se tivesse internet. Perdi o interesse nos animais, tampouco separei um tempo para vê-los, a última vez que os vi foi quando tive de levar água para Josh e o encontrei brincando com os porquinhos, fora isso evito de pisar nos fundo do sítio. Não porque não gosto de animais, só tenho preguiça de cuidar e como descobri que Josh está sendo o responsável, não me preocupo com o trabalho.

O foco é não surtar com minha vó.  Ela não tem nada haver com meus planos de verão frustrados, acho que nem imagina que minha mãe obrigou-me a passar as férias no Kansas. Tenho certeza que vovó não se magoaria caso eu não viesse nessas férias, porém ficaria profundamente chateada se descobrisse que estou aqui a força. Dona Rosa odeia descaso. Por isso acredito veemente que minha mãe não contou, que minhas intenções não eram passar o verão no Kansas.

Apesar de estar crescendo bastante, estar no Kansas é um empecilho, se fosse em Nova York as oportunidades estariam multiplicadas. Mais chances de investimentos, propostas e visibilidade, aqui o máximo que consegui foi encontrar uma ex-celebridade que adquiriu fobia social. Grande sorte! É como ganhar na loteria e descobrir que terá de dividir o prêmio, pois outro também acertou os números. Eu sei que posso mais, sei que posso fazer um engajamento melhor e assim atrair mais público para meu conteúdo, mas se eu continuar perdendo tempo nesse buraco vou para a lista de "poucos minutos de fama". Definitivamente não quero poucos minutos de fama.