Capítulo O6

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Zahirah - Reino Ômega

          O grande astro solar manifestava-se na altura da linha do horizonte, germinando detrás do cume de uma cadeia de montanhas rochosas e nevadas; o cantar dos pássaros, o gorgolejar do líquido filtrado em café triturado e o aroma do orvalho amanhecido invadiam a atmosfera leve e gélida no interior da cabana de madeira. A garota, de aparência ébria, levantava da cama em passos ágeis e longos, no objetivo de evitar o contato prolongado com a superfície frígida do assoalho.

          Zahirah e Wallace deixaram seus respectivos quartos no mesmo momento, sentando lado a lado, debruçados na mesa; Wallace passou a hospedar-se na casa da família quando Tyron, seu pai, faleceu em uma expedição à Floresta das Bruxas; já sua mãe, fora enforcada por acusações de adultério meses após seu nascimento.

          Ninguém era sagaz o suficiente para desbravar as regiões remotas de Ômega, nem mesmo seus mais sábios habitantes. A fauna e a flora transmutavam a cada momento, criando e extinguindo novas espécies, tanto de animais quanto de vegetação, dia após dia. Por isso nenhuma criatura mística interfere na sociedade humana e nenhum humano na mística. Morriam antes mesmo de tentar.

          A escuridão púrpura sob seus olhos e os gemidos longínquos de cansaço denunciavam o repouso tardio, mais uma vez esfregando suas roupas de trabalho no tanque de cimento até tarde da madrugada. Beulah, ereta em frente a pia, preenchera dois fracos feitos a partir de barro com café quente e fresco, depositando-os em frente as crianças junto as xícaras de porcelanato translúcido – furtado certa vez em que servira como empregada da corte, por uma única quinzena –.

          Uma folha com enfeites no tom escarlate repousava sobre tábua de madeira, ao lado do vaso recheado por tulipas lilases e brotos de girassol. Zahirah espantou-se, encarando sua mãe na outra extremidade da mesa e em seguida o amigo ao lado. O folheto deixou a madeira e residiu agora dentre seus dedos ainda adormecidos. Era uma carta real. Não exatamente uma carta, com remetente ou destinatário específico, mas com certeza provinha da corte.

          A escrita escolástica do escriba real era pintada em letra angulosa e com linhas quebradas, quase ilegível por uma camponesa que possuía pouco conhecimento acadêmico, mesmo Beulah prezando por um futuro melhor para suas filhas.

          Margot deixou o terceiro quarto da casa, onde dormiam ela e a mãe. Sua destra esfregava o canto do globo ocular, enquanto a esquerda tomava rudemente a folha das mãos da irmã mais nova. Zahirah encarou-a com raiva e desprezo, porém decidiu cooperar pois sabia que a mais velha era melhor na arte de ler e interpretar.

          ─── Por que tem uma mensagem real em casa? ─── Sua voz falhou em meio ao bocejo longo, que instigou as crianças a fazeremo mesmo. Margot arremessou a folha de papiro de volta a mesa, que fora apanhada por Zahirah no mesmo instante. Suas pernas caminharam relutantes até a pia, onde segurou um bocado de água com as mãos juntas em formato de concha e lavou a face, retirando a saliva seca no canto da boca e as remelas áureas na extremidade do olho.


          ─── Ei! Não joga assim, Margot. ─── Disse Zahirah, de voz firme e sobrancelhas rígidas. Sua íris castanha direcionou-se ao teto de palha e seus lábios se curvaram horizontalmente, em um suspiro longo e esperançoso. ─── Vai que é um convite especial para uma noite de gala... Mamãe, nós vamos usar os vestidos sujos da roça? Não sei se alguém vai nos encarar com respeito nos vendo com... isso. ─── Sua aura encantada desapareceu e a feição de tristeza tomou conta, enquanto deslizava as digitais sobre o tecido de lã manchado, como se possuísse poeira, embora estivesse completamente limpo.

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