Capítulo 15

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Zahirah - Reino Ômega

          "─── Amanhã nós vamos encarar qualquer desafio que estejam dispostos a nos atribuir. O que faz de mim uma sonhadora, quando eu mesma tenho medo de realizar os meus próprios sonhos?"

        Aquela fora a promessa proferida na noite anterior. Contudo, bastou apenas um minuto para que ela desaparecesse parcialmente. Um minuto em que a luz do sol brilhou diferente. Apenas mais um e, não só a palavra, mas nada mais importaria.

        Os pensamentos de Zahirah se sobressaiam. De repente um, de repente outro. O gosto amargo do ferro de seu próprio sangue preenchia toda a boca, como no inverno, quando precisara por diversas vezes comer a carne crua pela simples falta de uma fogueira.

     Wallace apertava-a como se o cadáver em campo não fosse o de George; como se aquele toque que proporcionava o contato carnal fosse-lhe o último. Como se o calor da pele de Zahirah estivesse se esvaecendo em uma viagem sem volta.

          A morena refugiou o rosto sobre seu peito, impedindo-se não só de trocar olhares com o capitão, mas também de presenciar a retirada da criança decapitada da arena. O coração dele pulsava três vezes mais rápido em sua bochecha, bombeando sangue como um poço esguicha água. Já o dela, também pulsava na mesma sintonia; rápido por quase morrer; tropeçando pelo pavor e, ao todo, dolorido por ser protegida por seu irmão mais novo, mas não o contrário.

          O torpor da coragem é combustível para palavras vazias e promissões sem fundamento. Zahirah dedicara a vida mais de uma vez em prol de causas praticamente perdidas: a igualdade social de Ômega e, agora, a promoção de ambos à guarda real. Mas, não é sábio prometer-lhe a vida quando sequer esteve perto de perdê-la.

             Aquela arena já não parecia mais uma. As mulheres sentadas e recolhidas como damas; os homens em pé e facilmente incrédulos; as crianças inquietas arriscando-se nos parapeitos. Todos em um silêncio absoluto, como nunca haviam ficado; sequer num enterro. George não era o motivo. Na verdade, era cerimonial assassinarem um sem-magia antes de qualquer evento em um lugar sagrado, era considerado um expurgo aos abortos da natureza que conseguiam sobreviver de alguma maneira.

          Estavam maravilhados pelo sangue que encobria a terra, mas chocados pela majestade ter-lhes privado de mais um show. O rei havia poupado uma plebeia. E o que isso significaria? Que amanhã ou depois sentariam-se à mesma mesa? Ou que, porventura, suas identidades seriam trocadas?

          Todos se recolheram, lado a lado e de rosto fechado, esperando pelo desfecho que aquilo era obrigado a lhes dar.

          ─── Ele já está morto. Não precisamos de mais uma morte sem necessidade. Deixe-a provar do sangue mais uma vez e demonstrar-me o que faz de todo esse furor em uma luta justa. ─── Prosseguira o rei, dando a ordem para que o torneio também prosseguisse, mas sem a morte precoce de uma das participantes. Ele repousou sobre o trono de ouro, em carícias com Rosalyn, na certeza de que Sir Dexter e o anunciante, Mestre Outren, tinham capacidade suficiente para ministrar aquele recrutamento em seu testemunho.

          Wallace e Zahirah se levantaram, em um abraço que se desfez imediatamente. A garota observou minuciosamente o rosto de Dexter, que deixara de vestir o elmo; cada mínima expressão facial, cada ruga, cada curva e cada pigmento de melanina. Os cabelos negros, as orbes acastanhadas e a barba rala. Ele retribuiu e ambos se encararam. Zahirah fizera mais uma promessa, talvez a última, mas dessa vez era para si mesma: mesmo que levasse meses, anos, décadas ou até mesmo um século, seu rosto seria o último que ele veria antes de morrer. Zahirah o afogaria com seu último suspiro e roubaria seu último batimento, aquilo por si e por George, pois sabia que se não fosse Andor, seria ele, ali, retirando a vida de mais um inocente.

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