Capítulo O2

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Zahirah - Reino Ômega

       Há centenas e centenas de anos, no pico do alvorejar, quando os pássaros acordavam em seus ninhos e as folhas emanavam o vapor do orvalho, uma luz esverdeada coloriu os céus. O fundo anil, acolchoado por nuvens brancas, cinzas e opacas, emitiu três grandes espirais de luz celestial, cada qual em seu respectivo reino; Alpha, Beta e Ômega. Todos os 8 planetas do sistema solar se alinharam perfeitamente, tornando a barreira que separava o mundo mortal do imortal completamente tênue. 3 pessoas, em um sorteio aleatório ministrado pelo destino, receberam em seus corpos os imponentes deuses regentes, e o fizeram de receptáculo para todo o conhecimento intergaláctico e incompreensível. Estas pessoas, minutos antes de terem seus corpos explodidos em labaredas sagradas, podiam realizar um único desejo. Um desejo que consumiria toda a sua existência e vitalidade. Desde então, este acontecimento se repetiu por gerações, de 100 em 100 anos, e fora nomeado como A Convergência Harmônica.

Os filetes cilíndricos e finos da luz solar penetravam a suavidade das nuvens cinzas e nevadas, que encobriam o céu cerúleo com pinceladas em púrpura e âmbar, proveniente dos feixes rasos de um final de tarde. Zahirah apalpava a terra úmida com ambas as mãos, que, embora brancas como o marfim, carregavam marcas, cortes e protuberância de uma pele surrada pelo trabalho; ajeitando e acomodando os grãos em um acolchoado que serviria para receber as posteriores sementes da safra.

Suas madeixas castanhas se juntavam acima da cabeça em uma amarração rígida, feita a partir de um fino broto de cipó selvagem, enquanto suas vestes cinzas, que se resumiam a um vestido longo e um trapo amarrado na cabeça, eram manchadas pela negritude do esterco, a medida em que a garota limpava as mãos de forma rude e sem devaneios. ─── Droga! Eu esqueci de novo! ─── Rangeu os dentes e resmungou, apreensiva na certeza de que iria lavar suas vestes até tarde da noite, pela terceira vez na mesma semana.

─── Você não tem jeito mesmo, Zahirah... ─── Repreendeu sua mãe, Beulah, à um carreiro de distância; seus olhos eram azulados como o céu, a pele esbranquiçada como a neve e as roupas completamente pretas. Sua mão deslizou sobre a coluna da filha e a endireitou, puxando-a pelo ombro. ─── Por Nashido, arrume a sua postura, senão vai acabar como a sua mãe, uma mulher velha e corcunda. E não me encare desse jeito!

A plebe era estritamente proibida de usar roupas que possuíssem colorações vivas – principalmente o anil e carmesim, que remetiam a realeza –, ou tingidas com as flores que brotavam na Floresta do Alvorecer, cultivada pelas fadas e consideradas ungidas pelas bençãos de Nashido. Inicialmente, os trajes dos camponeses possuíam a coloração original da lã de ovelha; branca com manchas áureas. Conquanto, o trabalho árduo no plantio enodava e maculava o tecido com tons escuros, representando uma hierarquia interna de acordo com o tempo de trabalho. As roupas brancas, amareladas ou acinzentadas representavam pouca experiência de campo, enquanto as completamente pretas ou amarronzadas, significavam que o camponês passou a vida toda em exercício da colheita.

Além das regras inexoráveis construídas pela elite da hierarquia social — em sua maioria, no objetivo de promover a diferenciação entre a ralé vil e a realeza empírea —, outra das obrigações da plebe camponesa era sempre manter-se viva e saudável. A morte era um pecado, até mesmo religioso. Baixas na classe trabalhadora e, praticamente, escrava, era uma perda significativa para a nobreza e para o clero, que tentava impor suas regalias em nome do deus Nashido. Se algum membro de qualquer família morresse de uma causa diferente da velhice, automaticamente toda a descendência tornava-se pecadora. Um sacrilégio. Em resumo: não existiam abençoados ou puros. O manuseio da vida e da morte era uma capacidade longínqua dos prazeres humanos. Todos, portanto, eram pútridos.

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