Dois

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1 ° semana de 24, 6 meses; 09:56 da manhã.

Annie havia começado as quimioterapias novamente, ela não ia a algum lugar para isso, os médicos que iam até ela. O pai nesses momentos sentavá-se ao lado da filha e segurava uma de suas mãos, enquanto o braço era furado e o tubo injetado transferia para o corpo de Annie, uma substância nociva a todas as células, mas que tinha o objetivo de encontrar o câncer. Hoje a doutora Lu faria a visita a Annie, enquanto ela tocava a campainha da casa, Kevin do outro lado tentava ascender um cigarro, eram dez da manhã e ele estava de férias da faculdade, Cloé havia saído com umas amigas do colégio e ele aproveitou o silêncio para fumar o seu bom e velho gatilho, que o mataria qualquer dia.

— Você devia parar! — A doutora Lu falou alto. Kevin olhou para a entrada da casa dos vizinhos e tirou o cigarro da boca soprando a fumaça para o ar. Olhou a mulher de no mínimo 40 anos em sua frente, ele não precisava nem ter visto o jaleco branco para ter certeza de que era uma médica.

— Sabe, eu concordo com você! — disse ele, sério e retraído, quem o conhecia sabia que ele não sorria fácil.

— Ah, então vai parar com os cigarros?

— Não!

— Mesmo sabendo que eles podem matar? — Tinha desespero na voz da doutora.

Kevin soltou mais uma vez a fumaça pela boca e não evitou uma risada de escárnio

— E não é pra isso que nasci? Pra morrer?

— Com certeza não desse jeito, e ainda mais tão novo. Olha, todos os dias eu cuido de vários pacientes que se pudessem escolher, queriam estar no seu lugar agora, eles estão morrendo por causa dessas suas drogas! - a doutora se alterou no final.

— Ora, não me venha com essa, se está preocupada com seus pacientes não deveria estar aqui agora tomando de conta da minha vida! — A doutora Lu abriu a boca em um perfeito o. — E além do mais, os cigarros não são meus, eu os comprei no mercado do final da rua; só matam quem os usam!

— E não é isso o que você está fazendo? — falou furiosa. — Usando?

— É, talvez! — Kevin deu de ombros.

A doutora marchou para mais perto da entrada dos Smor e, dessa vez, não tocou a campainha, simplesmente bateu na porta com força e logo Miguel atendeu. Kevin de sua varanda revirou os olhos e caminhou até o outro lado da rua apagando seu cigarro agora nervoso. Alguém tinha que estragar o momento, pensou ele.

A tarde caiu e ele já havia feito o possível com o carro velho da garagem, era um Chevette que ele havia ganhado do primo por estar em péssimas condições, sujo de graxa ele decidira tomar um banho, já que Cloé podia chegar a qualquer momento com uma de suas amigas. Cloé não gostava muito das amigas, já que só tinham olhos para ele que era anos mais velho que elas.
E mesmo que Kevin tentasse não estar vigiando Cloé, era quase impossível, ela achava o irmão muito controlador em certos momentos.

Entrou no chuveiro e tomou um banho rápido, demorou poucos minutos para tirar o shampoo do cabelo, e saindo do chuveiro, enrolou uma toalha na cintura começando a fazer a barba diante do espelho. Ouviu um barulho de vidro caindo no chão do outro lado da porta e ficou alarmado, lavou o rosto tirando a loção pós barba e saiu do banheiro caminhando as pressas para o quarto do pai, ele estava capotado na cama e bêbado, muito bêbado. A garrafa de whisky caída ao lado da cama em cacos e o tapete branco molhado pelo restante do conteúdo do frasco. Kevin deixou os ombros caírem em reprovação, triste, ele recolheu os cacos do chão e retirou os sapatos do pai. Desceu até a cozinha e deixou o lixo lá, abriu a geladeira pronto para pegar uma garrafa d'água quando ouviu risos. Kevin olhou na mesma hora para a mesa na sala de jantar e viu quatro meninas e Cloé em pé, olhando pra ele.

— Oi, Kevin! — as meninas disseram em uníssono, e depois riram. Kevin escondeu o corpo que só estava coberto por uma toalha atrás da porta da geladeira, e então falou:

— Cloé! — disse aflito. — Você não me disse que vinham tantas... visitas!

— Eu disse sim! — falou brava e Kevin segurou a barra da toalha com mais força.

— É mesmo? Bom, acho que eu esqueci. — As meninas continuaram a rir com as mãos nos lábios e as bochechas vermelhas. Algumas sussurravam coisas como: olha os mamilos dele, a barriga malhada. Kevin nem podia acreditar que eram crianças de onze anos. — Meninas.

Ele falou com o tom de voz galante.

— Sim, Kevin! — disseram em coro.

— Por que não vão assistir TV? Vejo vocês depois!

Elas correram para sala enquanto Cloé olhava o irmão impaciente.

— Desculpe! — Foi o que ele disse saindo de trás da geladeira. Cloé não quis ouvir, saiu batendo o pé até a sala. Ele suspirou fundo enquanto subia para o quarto. Parabéns, Kevin, você chegou no seu limite, pensou ele.

Pra completar o dia, depois de se vestir entrou no Chevette velho na garagem e olhou para o volante.

— Você vai ligar! — Ordenou ao carro. Enfiou a chave na ignição e contou até três.

Um

Dois

Três

O carro não ligou.

Furioso ele saiu batendo a porta do Chevette de cor preta e pegou o taco de baseball no canto da garagem, caminhou até o fundo do quintal e com o taco, esmurrou a lata de lixo com toda a força que tinha, até sentir os músculos doerem. Segundo os psicanalistas da revista de Santa Bárbara, Califórnia, aquele tratamento era frustrante para o ser humano, era mais adequado que Kevin entrasse para o box, quem sabe.

Ele parou cansado, respirou fundo, e largou o taco depositando as mãos na cintura, o peito descendo e subindo numa velocidade absurda. Annie que estava sentada a beira da piscina tentava não olhar para os músculos agitados do vizinho, ela tinha os olhos arregalados e uma das mãos à boca, Kevin naquele momento pareceu perceber que não estava sozinho. Olhou à figura pequena e assustada no outro quintal e constrangido ele sorriu.

— Você devia tentar algum dia, é relaxante! — ele falou, com um sorriso amarelo.

— É, qualquer dia... — Annie se levantou da beira da piscina, aquela longa frase deixou Kevin surpreso, ela nunca falou tanto, Annie sempre o respondia com um oi, ou então um "bom dia" nada empolgado; aquilo era um avanço. Ele tentou não olhar para a barra do vestido molhado de Annie que pregava nas pernas, o vestido era meio branco, misturava-se com um meio azul e um amarelo, ele parecia o por do sol, Kevin pensou, ela quase nunca usava muitas cores, sempre um meio branco ou cinza, e aquele azul havia caído muito bem nela.

Nos segundos seguintes Annie caminhava as pressas para dentro da casa, segurando a barra do vestido molhado. Kevin piscou duas vezes para se concentrar em qualquer coisa, menos na vizinha, olhou o taco no chão, o pegou e partiu para dentro de casa.

No final do dia, ele fez o que sempre fazia. Ascendeu seu cigarro e apagou três tragadas depois, caminhou até o outro lado da rua o apagou e antes de atravessar a rua novamente, olhou o movimento, Annie da janela de seu quarto riu sem mostrar os dentes, olhava o vizinho como se fosse um quebra cabeça fascinante. E de alguma forma, Kevin achava o mesmo.

~❤️~

Quando Annie for Onde histórias criam vida. Descubra agora