Capítulo 25

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O Hospital está bem silencioso hoje. Supostamente eu deveria estar recebendo alta e poderia estar indo para casa, mas não me importo de ficar mais alguns dias aqui, principalmente se a mulher que eu amo não responde a nenhum estímulo externo. Isso tem me apertado o peito de tal jeito que não consigo sequer expressar. Eu havia estabelecido horários certos para escrever as cartas, assim funcionaria mais como um diário. Decidi que escreveria durante a noite, quando estivesse perto de dormir, ou quando passasse das 21h. A mãe da Vitória não demorou para voltar na noite passada. Eu disse que passaria a noite no hospital e que ela poderia dormir em casa, mas ela não me ouviu. Eu também não me ouviria, se a situação fosse oposta.

Um dos médicos que apareceram na sala para checar a Vitória disse que por mais que ela não responda a estímulos, poderíamos conversar com ela. De alguma forma, talvez, seu cérebro poderia interpretar informações e trazê-la de volta. Não sei se acredito nisso, de fato, mas faz sentido. Talvez ele esteja nos dando esperanças, que é o que se precisa em momentos como esse.

Olho para a janela, esperando algo de diferente acontecer, mas só o que vejo são pessoas andando pelo estacionamento e o céu movimentando-se vagarosamente. Sinto falta de tocar violão. Levanto do sofá e ando até onde minha mochila estava, abro-a e procuro por meus fones. Por sorte, estavam lá. Conecto meu celular ao spotify e seleciono uma playlist calma. Era um momento e tanto para fechar os olhos e viajar na letra das músicas, entretanto permaneço de olhos bem abertos, focando-os na Vitória.

Durante os turnos de checagem da Vitória, que ocorrem a cada 2h, eles trocam a bolsinha de urina, colocam um novo soro, se necessário, checam a pressão arterial, mesmo estando disposta no monitor ao lado e checam temperatura corporal. Tudo sempre dá normal. Urina na coloração normal, pressão normal, temperatura normal. As vezes recolhem cocô também, e é bem nojento. Ela é alimentada por uma sonda que está introduzida por seu nariz. Espero que no dia que ela acordar, tirem logo esse negocio dela, porque deve ser horrível.

No almoço, servem uma bandeja para cada pessoa que está no quarto. As vezes eu aceito, as vezes prefiro não comer. Bom, a comida lá não é das melhores. Não tem sal, não tem gosto de manteiga ou óleo. Sinto-me comendo isopor ou qualquer coisa que não tenha tempero. Por vezes eu compro comida na barraquinha que tem em frente ao hospital. Compro algum salgado como coxinha ou pastel e um refrigerante. Meu estômago deve ter uma relação de ódio e apenas ódio comigo.

A rotina do hospital é bem monótona no andar de cima, que é onde estamos. Os médicos vêm, checam os sinais vitais da Vitória e saem. 2h depois a mesma coisa. Almoço em bandejas servido. Outra visita médica a Vitória; e assim vai. Até que anoitece. É meu primeiro dia no hospital estando acordada e estou prestando atenção a tudo o que acontece. Ao fim do dia vem uma enfermeira fazer a troca do saquinho de urina da Vitória e troca o soro. Esse deve ficar até meia noite, que é quando virá outra enfermeira para trocar novamente. Essa foi a instrução passada. Já é cerca de 17h e o pai da Vitória chega para ver se tudo está bem. A Mãe dela já está de plantão, visto que agora eu posso ficar com ela no hospital. Mas não fazia muita diferença, já que o hospital em que estamos é o mesmo que a minha sogra trabalha. Ela é técnica em enfermagem.

Eu disse que ficaria durante a noite com ela e que eles poderiam ir para casa descansar. Foram relutantes, mas aceitaram a proposta. Coloquei o contato dos dois como emergência em meu celular, caso algo acontecesse.

Ao anoitecer, perco a paciência porque não tinha mais nada pra fazer ali. Estico-me apenas o suficiente para alcançar o caderno que estava do outro lado do sofá e abro-o uma página depois da carta anterior. Mordisco a tampa da caneta enquanto penso no que colocar. Olho a data de hoje na tela de meu telefone e inicio:

Sábado, 14 de dezembro de 2019

Querida Vitória,

Eu realmente deveria começar as cartas assim? Acho tão, sei lá. Enfim. O dia hoje foi bem monótono e tedioso. Primeiro de tudo: eu tô vendo as enfermeiras trocando teu xixi e cocô, e essa é uma intimidade que eu não esperava por agora. Segundo: a comida daqui é muito ruim, pelo amor de Deus, acorda logo pra gente comer uma pizza.

Seus pais foram dormir em casa. Fiquei hoje e, na verdade, não me importo de ficar com você, apesar dos pesares. Sua mãe estava bem cansada, mais que o normal. A rotina deve ser esgotante mesmo. O almoço hoje foi um tipo de sopa estranha que parecia macarrão cozido com água e servido exatamente assim, sem escorrer e sem carne. Tinha um tipo de gelatina num copinho pequeno, mas pelo amor de Deus, quem comeria aquilo? Provavelmente estou sendo a pior babaca do mundo, reclamando de barriga cheia.

Eu realmente vou te empurrar debaixo de um chuveiro quando você acordar. As vezes as enfermeiras passam um pano molhado por seu corpo, pra tirar suor e essas coisas, mas isso não pode ser chamado de banho.

Acho que que isso não deveria ser escrito assim. Mas sou péssima com esses textos melosos demais e eu tô anotando pra poder te contar com detalhes quando você acordar. Na verdade, tenho esperança que você acorde.

Com amor, Vênus.

Fecho o caderno e ando até a cama da Vitória. Ela estava exatamente igual ao dia anterior: pálida, imóvel, de olhos fechados e fedendo. Permito-me dar um sorrisinho ao lembrar dela sempre tão cheia de vida e, automaticamente, me bate um clima melancólico. Puxo uma cadeira e sento ao seu lado, segurando em sua mão e afagando sua testa com o dorso da outra.

- Acorda logo, meu amor. Eu preciso de você. Precisamos de você. Não desiste da vida, tá?

Sinto meus olhos marejando até que escorre uma lágrima por meu rosto. Começo a cantarolar algumas músicas e começo, baixinho, a cantar who knew. Aquilo me doía mais que eu esperava, na verdade. Após desistir das músicas, deposito um beijo em sua testa e volto a sentar na cadeira, abaixando a cabeça sobre a cama.

Acordo com a enfermeira vindo fazer a troca da meia noite e levanto, quase em disparada. Volto para o sofá, onde encolho minhas pernas até a altura de meu peito e me cubro com a manta que estava lá. Volto a adormecer.

Querida Vitória [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora