– Mas nós não sabemos lutar! – fala-cantou Blinakris, chorosamente.
– Provavelmente foi lhes dito muitas vezes que os devanos não sabem lutar, mas isso não passa de um punhado de palavras bonitas. Não são a verdade – fala-cantou Ser Huitzilopokli. – Se nós fossemos atacados por um perigo destruidor, a quem recorreríamos e como nos defenderíamos se não possuíssemos esse conhecimento?
Ser Huitzilopokli explicou que devanos sabiam lutar, porém as técnicas de luta ficavam aprisionadas, tal como o poder recém-descoberto por Blinakris e Quetzal. Contudo, se necessário, os devanos nunca poderiam recorrer a esse material, uma vez que o conhecimento da luta corporal não vinha à tona espontaneamente, pois eram os Parasaurons que definiam se os devanos lutariam, ao darem uma única ordem.
– Kokopelli está vivo e precisa de lutadores para resgatá-lo. Vocês chegaram num ponto em que não podem mais viver das mentiras que lhes eram contadas. Se a vida persiste, são por lutas que os Parasaurons travaram, travam e sempre travarão para protegerem Devanea e seus habitantes. – Ser Huitzilopokli continuou explicando que o neuro-eixo hareha dos povos era, então, como um reservatório de dados ambulante que, contudo, não se encontrava acessível a todo instante. Para que os devanos pudessem acessá-lo, os Parasaurons necessitavam proferir tão somente algumas poucas e ligeiras palavras:
– Vocês sabem o que precisa ser feito! Nada os impede agora! Human masanke ekemiah hambare!
VVVV
"Acenda a bela centelha da fogo-fonte oculta no coração."
Quando Ser Huitzilopokli gritou as quatro palavras certeiras, com a força plena de seus pulmões, os olhos de Quetzal brilharam e ele lembrou-se de algo oculto em sua mente e, em poucos instantes, armou-se de valentia e força.
O mesmo ocorreu a Blinakris.
Ela, como Quetzal, agitou-se e imediatamente pôs-se em posição de combate.
Ser Huitzilopokli deu um salto no ar, girou e aterrou em posição de combate a dois passos dos dois. Farejou o ar, como se estivesse cheirando o seu próprio rastro. E estava.
Todas as penas dos jovens puseram-se em pé.
As luas estavam altas e uma semente de leicíope caiu em espiral quando Quetzal rangeu o bico, tomou impulso contra a terra e levantou-se ligeiramente. Num notável salto, atingiu Ser Huitzilopokli, porém este teve movimentos muito mais rápidos. Quetzal caiu com um dos joelhos com forte impacto, e a semente pousou no chão.
"Subiu e desceu em meio cronominion", pensou Blinakris. "Agora é minha vez."
Ser Huitzilopokli virou-se para Quetzal e gritou para que ele ficasse de pé. Nesse instante, sentiu passos ao redor. O vento suspirou atrás de si. Quando se virou para ver o que acontecia, admirou Blinakris trilhando um caminho majestoso no ar para, após, defender-se dos chutes que visavam seu rosto. As mãos-garras do Parasauron pareceram, neste momento, treinadas para lhe darem proteção absoluta, pois nenhum dos quatro chutes aplicados no ar por Blinakris atingiu-o.
Os golpes de Blinakris encontraram nos braços-asas de Ser Huitzilopokli uma muralha. Soaram a ele suaves como a queda de uma folha de uma gigante-primitiva taumask, mas não para ela, que sentiu como se estivesse chutando em sólidas barras de vitriol.
Blinakris atacou de novo, umas cinco vezes, fazendo com que Osso-Duro Huitzilopokli regredisse enquanto ela dava passos à frente. Eram golpes duros e realmente ricos em graça e leveza, mas insuficientemente lentos, pois não conseguiram furar o bloqueio de Ser Huitzilopokli em nenhuma das tentativas.
"Não. Não. Não-não-não!"
Antes de arriscar um novo golpe, ela saltou para trás em quatro cambalhotas fantásticas, tomando uma distância amiga do adversário para estudar o terreno, modificado pelos ventos oriundos da luta: as sementes de leicíope regozijavam-se no céu a cada instante. Nesse estado, Blinakris sentiu o ar entrando em seus pulmões e acalmou-se, pois cada respiração em luta era uma batalha de fôlegos fluindo em seu peito: "re, re, re, re".
Enquanto isso, os olhos de Ser Huitzilopokli, quietamente vivos em sua frente, pareceram ver tudo em todas as direções. Até quando Quetzal atacou pela sua segunda vez, Ser Huitzilopokli estava consciente e alerta, pronto para qualquer golpe que pudesse lhe atingir. Antes que o jovem pudesse surpreendê-lo pela retaguarda, Ser Huitzilopokli deu um salto de costas sem tomar impulso, voou por sobre Quetzal num rodopio mortal e caiu em pé atrás dele, quando este tentava o golpe. O Parasauron sorriu, satisfeito com a forma que havia o evitado.
Naquele momento, tudo na ilha-continente tornou-se um vazio: as sementes novamente pousaram no chão e, em meio às árvores manejadas mortas, um silêncio profundo abateu-se. Nem mesmo uma respiração ouviu-se: a concentração absorveu a todos.
Lutas, só na mente.
"Concentre a energia nas garras. Concentre a energia nas garras...."
E naquele silêncio vazio, Ser Anunnaki, próximo, observou tudo. Imaginou que Ser Huitzilopokli, fugindo assim, esperava desenvolver sua perícia perdida, ao mesmo tempo em que conservava a sua força, num arranca-rabo que poderia durar uma eternidade.
Blinakris e Quetzal, porém, não compreenderam. Ser Huitzilopokli fugiu dos golpes de uma maneira que era como se ele estivesse com medo de lutar. Não satisfeitos, ambos estreitaram os olhos, brandiram suas mãos-garras no ar, pelos braços-asas que as manejavam, e a ideia de vazio desapareceu.
A queda de uma semente foi o sinal. Quando ela tocou o chão, desse vazio absoluto desabrochou, maravilhosamente, o ato puro!
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Sopros de Deva v3: CLARÃO DA TEMPESTADE
FantasiaOnde os Sopros de Deva mostram o CLARÃO do dilúvio-de-fogo nos céus-pássaros. Blinakris, uma devana sensível em um mundo brutal, precisa sincronizar sua luta e seu voo com Quetzal, a fim de deter a quarta chuva de mil fogos que avança para Devanea. ...