Capítulo Dois - Sonho e realidade.

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O salgadinho vagabundo que pegou no armário dedurava que não estava com a mínima vontade de abrir uma das gavetas, procurar por uma das panelas inox que seus pais haviam lhe dado quando alugou o pequeno apartamento no centro da 11éme e cozinhar algo que seria decente na visão social, ao invés de comer uma porcaria de milho industrializado e podre, como dizia sua mãe e seu pai concordava (mesmo que, as escondidas, dividisse um dos pacotes grandes com ela enquanto assistiam os filmes da Barbie)

O fato era que novamente havia sonhado com ele. Aquela mesma cena de quase dez anos atrás que nunca saiu de sua pequena cabeça-oca. Todas as suas tentativas em tentar esquece-lo eram em vão. Até mesmo Ivan Bruel, seu fiel psicólogo e marido de uma de suas mais velhas amigas do tempo de colégio, havia dito nunca ver algo do tipo.

"Talvez o Aka Ito esteja certo, e eu seja o Jacob. Tive um imprinting com aquele loiro de merda e ele não sai mais da minha mente" pensou, e riu da própria desgraça que era pensar nele.

Fazia tempo que não se viam. Há meses não ia para Lyon, e pelo que Chloe lhe dizia, ele também não aparecia. A ultima vez havia sido para visitar Emilie, uma semana após ela ter ido visitar os pais. Também acreditava que aquilo era o próprio carma batendo em sua cara e dizendo que havia sido um único encontro fofo com aquele grosso de carteirinha, e que morreria ali.

Ele já havia deixado claro que não queria nada com ela, e que não era o homem ideal para ela. Por que não aceitava aquilo e seguia sua vida, sem que seu nome ou seu rosto viessem em sua mente todo dia?!

Encostou a cabeça no travesseiro macio, com a infantil fronha de joaninhas que mantinha desde os doze anos. Se sua mãe a visse comendo deitada, por mais que tivesse seus vinte e sete anos, tomaria uma bronca, mas aquele era um dos pontos bons em morar sozinha: zero broncas.

Pelo menos por boa parte do dia, ou até o celular tocar.

Suspirou, olhando para o teto branco. O ventilador girava. Estava quente, e ela não podia negar. Largou o salgadinho sobre a cama, e amarrou os cabelos curtos em uma espécie de mini rabo de cavalo. Ficou olhando para o teto novamente, enquanto comia.

Ficou naquele estado até mesmo vegetativo até as seis da manhã, quando deveria se levantar e preparar-se para a aula.

Sempre que tinha aquele bendito sonho, nunca conseguia voltar a dormir.

Era como se aquele momento a perseguisse. Por todos os anos que se passaram, ela sempre se lembrava daquele momento. O jantar, o beijo na testa, e o fora que ele lhe dera. Mordeu o lábio inferior, enquanto voltava a pensar naquele momento. Quis gritar.

Respirou fundo antes de tomar um gole do café que havia preparado para si. Já havia se vestido, e só precisava pegar sua mochila e ir para a universidade. Não estava com tanta vontade, não havia dormido direito e sonhado com ele. Por que a vida teimava em ser tão cruel consigo?!

Espantou a murrinha com um menear de cabeça. Puxou toda a coragem de seu ser interior, prometendo a si mesma que seria um bom dia. Pegou a mochila jogada sobre o sofá pequeno da sala do apartamento, jogando a alça sobre um lado do ombro e pegou as chaves. Não demorou trancando a porta, mas demorou descendo as escadas.

O elevador havia, novamente, quebrado.

Respirou fundo novamente. Não deveria se irritar, eram coisas do cotidiano. Como poderia prever a quebra do elevador? Era uma fatalidade. Uma fatalidade fodida, mas fatalidade.

Coincidência, era a melhor palavra para caracterizar.

Colocou os fones de ouvido. Músicas aleatórias soavam em sua playlist do Spotify enquanto andava em direção ao enorme prédio onde cursava Moda. Adentrou-o ao chegar, e andou pelos corredores em busca de seu anjo ruivo, mais conhecido como Nathanael Kurtzberg. Achou-o no fim de um dos corredores, com sua clássica Balengiaca de couro enquanto parecia fingir falar ao telefone. Aproximou-se dele.

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