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Dulce

Eu abri os olhos sem entender muito bem o que acontecia. Estava debaixo d'água, mas não me lembrava de ter chegado até o mar. Minha última memória foi de ter sido atingida por algo afiado assim que pisei na areia. A dor foi tão forte que eu apaguei.

Mas eu não estava no oceano. Estava naquele aquário de novo, no laboratório que ficava no porão do oceanário. Meu ombro estava enfaixado no local onde eu havia sido acertada.

Olhando para mim do lado de fora, estavam Christopher, Maitê e Alfonso, que segurava um arpão com um pouco de sangue na ponta. Enfim, esse maldito conseguiu fazer o que sempre desejou: me ferir.

Eu não podia acreditar que eles iriam interferir em algo que eles acabaram de conhecer! Não sabiam nada sobre a Água ou sobre as sereias. Tudo o que viram estava em livros velhos de pessoas que eram consideradas loucas por saberem um pouco demais.

Nenhum deles podia entender o poder que corria em minhas veias e a minha necessidade de continuar me alimentando de almas. Era como um vício e eles me deixariam em abstinência se me prendessem aqui.

— Seu ombro ainda dói? — Christopher perguntou.

Eu rasguei as faixas do meu ombro e ali mesmo, diante dos olhos deles, eu fechei aquela ferida. Não precisava dos poderes da Água para me curar. Eu tinha tudo o que precisava dentro de mim.

Não aceitaria ficar presa naquela caixa de vidro, meu lugar era no oceano, junto com a Água, consumindo mais e mais almas, ficando cada vez mais poderosa e intocável.

Comecei a nadar contra o vidro, batendo nele com força. Da última vez, aquilo me machucou, mas agora era como tentar rasgar papel. Eu usava a minha cauda com toda a força no vidro, usando todas as minhas energias.

— Dulce, pare! — Christopher gritou. — Eu estou tentando te ajudar!

Ignorei seu pedido e continuei unindo forças para quebrar aquela parede. Gradativamente, meu corpo começou a mudar. Minha cauda rosa tornou a apresentar sua colocação negra, meus cabelos estavam pretos de novo, minhas garras voltaram e toda a vitalidade da minha pele sumiu, tornando-a pálida e com veias aparentes de novo.

Os três que assistiam me olharam espantados, os irmãos de Christopher se afastaram do aquário.

— O que está fazendo com você mesma? — ele me encarou com os olhos marejados.

Por um breve momento, eu travei e senti o peso daqueles olhos em mim. Christopher tinha uma grande capacidade de me influenciar. Ele era a única coisa que me deixava abalada, o único a me despertar sentimentos humanos tão puros, o único que me deixava fraca.

Ele era a minha única fraqueza e se ele não existisse, não haveria obstáculo nenhum para mim. Christopher precisava morrer.

E com esse pensamento sombrio, outra coisa mudou em mim. Meus olhos, que eram vazios e brancos, se tornaram um abismo escuro sem nenhuma luz.

Voltei a bater no vidro, que começou a criar rachaduras grandes, aumentando cada vez mais. E eu finalmente quebrei o aquário, sendo jogada junto com a água para o chão do laboratório, que foi completamente inundado.

Christopher conseguiu correr até a parede do fundo onde os outros estavam. Minhas pernas voltaram e eu fiquei de pé, com a água batendo nos joelhos.

Eles tentaram correr até mim, mas usei minhas novas habilidades para paralisa-los, com exceção de Christopher, o meu alvo.

Ele parecia mais triste do que com medo, me olhava como se estivesse decepcionado com tudo, e talvez ele estivesse mesmo.

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