Rachel

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San Francisco, 2007.

Inesquecível, Dorothy

Hoje é o primeiro Mother's Day sem você, confesso que não está sendo fácil parecer feliz.

Estamos reunidos na casa da tia May como fazemos todos os anos, as crianças estão no quintal brincando de pega-pega, os maridos em frente à tv e as mulheres na cozinha.
Darcy está fazendo as mesmas reclamações: "nós que deveríamos estar na poltrona, segurando uma cerveja e assistindo o gostoso do Tom Cruise" dizia ela, mas nós sabemos que se deixássemos eles no comando colocariam fogo na cozinha como da última vez.

Tudo parece igual: as risadas quando a prima Darcy fala alguma besteira, as pequenas brigas entre tia May e tia Danna sobre como deve-se temperar o frango, as crianças invadindo a cozinha com fome perguntando quando tudo ficaria pronto, a garrafa de vinho pela metade, as fofocas sendo colocadas em dia... Você ficaria feliz em saber que Emily conseguiu engravidar.

Nada disso parece certo sem você, tudo ao meu redor te lembra e isso faz meu coração doer e a saudade bater, por vezes eu tive que segurar as lágrimas principalmente quando comecei a preparar a torta de limão.

Era pra ser você aqui misturando os ingredientes, triturando o biscoito, colocando para assar.
Era pra você estar apaziguando a discussão entre May e Danna, você era a irmã mais velha e líder daquela bagunça.

Uma vez ou outra percebia o olhar delas sobre mim, aquele olhar cheio de ternura e compreensão que eu não gosto porque se assemelham ao de pena, elas me perguntavam baixinho se eu estava bem, se queria deitar um pouco e me lembravam que estariam sempre ao meu lado se eu precisasse.

Eu respondia com um sorriso dizendo que estava tudo bem. Mas não era verdade, você saberia disso se estivesse aqui.

Não há ninguém no mundo que me conheça melhor que você.

Estou sendo forte, não só porque odeio  demostrar fraqueza, mas pela Emma.

Aliás, de manhã ela me acordou com uma bandeja de plástico, onde colocou uns biscoitos, um suco de caixinha sabor morango (que eu tinha comprado para ela ) e uma flor do jardim do vizinho.

Aquilo aqueceu meu coração.

Em seguida me entregou uma folha dobrada, ao abrir um nó se formou em minha garganta, os rabiscos infantis ilustravam duas mulheres e uma criança no meio delas, a da esquerda tinha um par de asas.

Chorei durante todo o banho.

Sinto sua falta a cada segundo do dia e sei que ela também sente.
Foi difícil para mim explica-la sobre a morte, então usei a mesma história que você usou comigo quando o papai se foi.

"Nós somos anjos que Deus deixa vir a terra para cumprir uma missão, cada um tem a sua e quando cumprimos a gente sobe ao céu nos tornando uma estrela"

Durante semanas Emma ia até o quintal antes de dormir, deitava no gramado e conversava com o céu como se estivesse falando contigo.

Quando você se foi eu perdi o ar, literalmente, o medo do que viria a partir dali me tomou , causando uma das minhas crises de ansiedade, eu não teria mais seu colo pra me acalmar e saber disso só piorou as coisas.

Você sempre foi o meu porto seguro, sempre me orientrou, arrancou o melhor de mim, apoiou minhas decisões, menos a de largar tudo (faculdade, curso de idiomas, minha casa, meus amigos)  para ficar com Robert,  naquela noite que te contei sobre a gravidez brigamos feio e por um momento achei que nosso laço havia se partido.

Eu estava enganada.

Depois de nove meses sem contato te liguei e você atendeu no primeiro toque. Eu desci do avião, com a pequena Emma recém nascida nos braços e você estava me esperando com um sorriso encorajador. Não me fez perguntas e nem gritou comigo, pelo contrário, esperou eu estar pronta para contar tudo que havia acontecido nos últimos nove meses, deitou do meu lado na cama atenta a cada palavra minha e chorou comigo como se também tivesse perdido uma parte de si.

Sempre ficou do meu lado me mostrando que o laço que une mãe e filha, não se rompe facilmente.

Eu sei que com o tempo essa dor vai diminuir, sei que aos poucos o tempo vai me fazer esquecer detalhes do seu rosto, do tom de sua voz, mas eu vou me lembrar da sorte que tive em te ter.

Espero me tornar metade da grande mulher que foi e que Emma tenha tanto orgulho em me ter como mãe como eu tinha em ter você.

Com amor,
Chel.

TROCA QUASE PERFEITAOnde histórias criam vida. Descubra agora