9. Desconfiança

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 A rotina estabelecida entre o Mister Dalgliesh, seu filho e as babás italianas se encaixou durante a segunda semana em que Valentina di Fiore esteve na ilha

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 A rotina estabelecida entre o Mister Dalgliesh, seu filho e as babás italianas se encaixou durante a segunda semana em que Valentina di Fiore esteve na ilha.

Natália conseguia cumprir seus dias de meio expediente e Valentina cobria as folgas daquela e também as suas – ela não precisava sair dali pra nada, então, trocava com Natália que ficava nas nuvens por poder passar duas noites da semana com seu noivo.

Depois de passar pelo crivo do patrão numa entrevista constrangedora na quinta-feira – ele havia ditado as regras da casa com cara de poucos amigos e feito-a assinar mais papéis e formulários do que ela já tinha assinado na vida!, e demonstrou pouca curiosidade com o seu passado além do respondido nos formulários e não pediu referências além dos Shriver, pelo que ela ficou gratíssima.

Não pretendia mentir – ou queria mentir o mínimo possível, e quando ela lhe entregou seu passaporte e disse que teve todos os seus outros documentos roubados numa passagem pela Espanha, o que não era exatamente verdade, e ele apenas assentiu, sem demonstrar se aquilo era um problema, ela respirou com certo alívio.

Ao sair da estranha entrevista sua mente desconfiada que sempre procurava uma rota de fuga a cada cômodo em que ela entrava, lhe cochichou que naquele exato momento o Mister Dalgliesh poderia estar fazendo uma pesquisa minuciosa sobre o passado de Valentina di Fiore e descobrindo sobre seu estado civil e a declaração de desaparecida que já devia estar consolidada na Itália sobre o seu paradeiro.

Ela se perguntava se àquela altura, três anos depois, Mássimo Ferri já era dado como viúvo. Não tinha certeza, não queria nem saber, na verdade.

Ficou tensa por mais dois dias depois do ocorrido, mas ao perceber que sua presença parecia inexistir para o patrão que se dirigia principalmente a Natália – talvez por hábito, ela se tranquilizou.

Se ele iria denunciá-la por falsidade ideológica ou até mesmo notificar as autoridades italianas que ela estava ali viva e cada dia mais saudável, certamente não teria permitido que ela permanecesse ao lado de seu filho.

A rotina de horários estranhos entre pai e filho pareceu se estabelecer naqueles dias, ele saía de manhã depois de tomar café com uma criança mal humorada que tinha dormido pouco e era acordada sem dó nem piedade as sete da manhã todos os dias.

Sumia em seu helicóptero de última geração o dia todo. Retornada por volta das oito da noite, por vezes, nem jantava, trancando-se no escritório até por volta das dez.

Saía de lá e enfim dava um banho – as vezes o terceiro que o garoto tomava no dia, nunca na vida tinha visto criança mais limpa que aquela! – e conversava com o filho, acariciando-o e ouvindo suas histórias infantis até ele dormir.

Ela evitava ficar ouvindo ou atrapalhando a intimidade entre os dois, mas Natália a avisava que era bom sempre estar por perto, Henry nunca sabia direito onde as coisas estavam guardadas e se faltasse algo e ela não estivesse ali para suprir a falta, levaria uma bronca daquelas.

Então ela ficava no corredor como o espírito dos natais passados, vagando até que ele se retirava e ia para sua suíte sem dirigir-lhe a palavra.

"Mal educado, custava dar boa noite?!", foi o que ela pensou em todas as noites em que ela tinha sido a "guardiã do corredor", não Natália.

Justin parecia cada dia mais conformado que Natália iria embora para ter o seu "filhote" – ele agora estava mais interessado nos filhotinhos dos bichos do que nos bichos adultos.

O que Valentina ainda não sabia era que o patrão também tinha as suas desconfianças a respeito da babá misteriosa.

Não que ele tivesse mandado investigar sua vida pregressa como ela tanto temia (já tivera candidatas com passados dos mais ilibados, mas que se revelavam belas caçadores de herdeiros Dalgliesh assim que pisaram na Ilha, então ele não perderia o seu tempo!), mas ele investigava sim, tudo o que ela fazia dentro da mansão.

Observar a interação da babá e Justin se tornou seu novo vício. Volta e meia, Henry parava o que estava fazendo para entrar no sistema de vigilância da casa e observar a interação entre seu filho e aquela estranha que se vestia com roupas largas demais.

Ao contrário de todas as mulheres que trabalhavam na mansão e faziam cara feias para seus uniformes – até mesmo das faxineiras comandadas por Britany Richardson com quem ele não simpatizava nenhum pouco por saber que ela frequentava a cama de Darryl, mas era discreta o suficiente para não chamar mais atenção pra si do que o necessário, Valentina di Fiore tinha perguntado à Misses Robinson porque as babás não tinham um uniforme.

Disse que se sentiria muito mais a vontade se tivesse certeza que suas vestimentas não estavam destoando dos outros empregados e frequentadores da mansão.

Aquilo causou à Henry uma estranheza absurda. Era quase como se aquela italiana preferisse ser parte do mobília, do que receber qualquer tipo de atenção.

A exceção de suas interações com Justin, Natália e Misses Robinson, ela não puxava conversa com mais ninguém. Nunca tinha deixado a mansão desde que pisara lá, não tirava nem as folgas que lhe eram de direito, preferindo trocar com Natália.

Ela só podia imaginar que ela realmente precisasse do dinheiro – ninguém gostava de trabalhar tanto assim!

O casamento estava se aproximando e em breve ela poderia ganhar o mesmo que ele pagava à noiva da vez, com alguma correção, afinal, ele aprendeu com o pai que empregados bem pagos raramente traíam a confiança dos patrões.

Mas ele podia mesmo confiar seu filho àquela mulher estranha sem a senhorita Medina por perto?

Seus devaneios eram sempre interrompidos e naquela oportunidade não era diferente. Uma mensagem de Darryl dizia que os Dalgliesh já não tinham mais o que aproveitar de Ibiza, então, estavam retornando duas semanas antes do combinado.

Talvez fosse a prova que ele realmente precisava para confiar na babá Flor-coruja: se ela resistisse aos seus irmãos, poderia ficar mais tranquilo com relação ao quase um ano que Natália ficaria longe da ilha.

Ilha Dalgliesh - Livro 1 - O Senhor da Ilha (Degustação - 10 capítulos)Onde histórias criam vida. Descubra agora