2. Três semanas depois

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A rotina que Valentina di Fiore estabeleceu com a família Shriver era confortável e monótona – tudo o que ela queria da vida no momento!

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A rotina que Valentina di Fiore estabeleceu com a família Shriver era confortável e monótona – tudo o que ela queria da vida no momento!

Os pais de Marcus possuíam um galpão de materiais de construção na parte continental do que parecia ser território dos Dalgliesh e ela sempre ficava fascinada ao notar que apesar de estarmos no século XXI, aquele pedacinho da Itália parecia ainda preso aos burgos da idade média.

Tudo era dos Dalgliesh – não havia propriedade privada para os moradores tanto da ilha, quanto do continente. Todos pagavam aluguéis à eles, mas os contratos datavam de gerações, cada inquilino tinha a sua função da pequena cidade, os negócios eram realizados com palavras de honra e não havia ninguém que parecesse querer concorrer com ninguém – cada um tinha o seu fundo de comércio e dele vivia, sem invadir a atividade do outro.

A família Shriver era a única a vender materiais de construção, assim como seus vizinhos, os Northumb, comandavam o supermercado e qualquer atividade que envolvesse vender alimentos no varejo, assim por diante.

Ela não chegou a atravessar para a Ilha, mas eles diziam que lá as coisas também funcionavam do mesmo jeito, as famílias que tinham direito a pescar e vender, as famílias que trabalhavam na mansão Dalgliesh ou nos inúmeros negócios que eles tinham, parecia que não havia ninguém num raio de quilômetros que não servisse à eles.

A sede dos negócios ocupava o único prédio de três andares da cidade, a fachada romântica, típica das vilas medievais, parecia ser a mesma há mais de três séculos.

Valentina já tinha passado por lá e ficado fascinada com a construção e suas floreiras em cada parapeito de madeira, mas o romantismo sonhador do local foi logo sobrepujado pelo helicóptero de aço brilhante que pairou e posou num acesso no telhado, este, com certeza, muito mais moderno do que o restante do vilarejo.

Era dali que o último herdeiro Dalgliesh no poder comandava tudo com mãos de ferro, pelo que ela tinha ouvido, fazia cinco anos que o velho Colton tinha partido desta para a melhor e seu filho mais velho, Henry, preparado a vida toda apara assumir o pequeno "burgo" e também o império Dalgliesh, assumira suas responsabilidades.

Era do filho dele que Natália cuidava e ela parecia adorar o garoto tanto quando o patrão. Em todas as conversas que tiveram ela jamais dissera nada em desabono do mesmo, ao contrário do que fazia com respeito aos seus irmãos e ele tinha quatro.

Nunca falou sobre a Misses Dalgliesh, Valentina também não perguntava – ela não perguntava nada, nunca, curiosidade não era mais uma de suas características, não quando perguntar sobre a vidas das pessoas parecia formar uma via de mão dupla para que as pessoas perguntassem sobre a sua vida e o antigo costume ainda se mantinha, mesmo a interlocutora sendo sua amiga Natália.

Ela foi acolhida por Miss Fiona e Mister Ray Shriver, pais de Marcus, que prontamente e sem fazer muitas perguntas – sabe-se lá Deus o que a maluquinha da nora deles tinha contado sobre sua antiga amiga de Messina, mas eles logo a acomodaram num quartinho anexo a garagem (pelo que ela ficou extremamente grata!) e lhe deram um emprego no armazém, atender o balcão junto com Fiona, limpar as coisas, organizar coisas leves no estoque.

Pagariam por semama, em dinheiro e a hospedagem era uma cortesia, mas ela fez questão de fazer alguma coisa a respeito disso, então, todos os dias, saía do galpão religiosamente as cinco e chegando na casa, deixava pronto o jantar do casal – eles adoravam comida italiana e ela era uma excelente cozinheira.

Natália só vinha mesmo uma vez por semana, como tinha dito, aos sábados, mas começou a usar o telefone da babá para ligar para o fixo da casa e do galpão, já que Valentina achou melhor jogar seu aparelho velho no lixo – nunca se sabia até onde os números pré-pagos eram seguros.

Então, apesar dos protestos de Valentina de que ambas tinham que trabalhar, elas acabavam conversando todos os dias, sempre assuntos leves, Natália era sempre bem humorada e seu riso era contagiante.

Na segunda semana, Valentina se pegou rindo de uma travessura do garotinho Justin de quem Natália cuidava e imediatamente seus ouvidos estranharam o som, seu rosto pareceu ficar dolorido com o movimento inusual.

Céus, devia mesmo fazer muito tempo que ela não tinha motivos para rir! Somente Natália para lhe trazer leveza e banalidades, coisas há tanto tempo desaparecidas da sua vida.

Graças aos céus a italianinha falante nunca mais tocou no assunto discutido quando da sua chegada. Parecia já certa de que Valentina permaneceria com eles para sempre e até já falava que ela que tocaria piano na cerimônia de seu casamento.

Piano... céus, será que Valentina ainda sabia tocar? Volta e meia pegava seus dedos se movimentando sozinhos no balcão sobre alguma partitura há muito armazenada em seu cérebro, depois que Natália comentou a respeito e agradecia aos céus pelo gosto musical de seus patrões.

A nostalgia de tocar uma boa composição causou nela a centelha de que não sentia há muitos anos: esperança.

Claro que ela criou expectativas quanto a fugir da sua prisão, a deixar seu inferno particular para trás, mas esperança, de verdade, não, isso Valentina di Fiore não chegou a sentir.

Era como se tudo o que viveu a tivesse quebrado, sem a possibilidade de reparação. Mas a esperança ressurgia, trazendo de volta a cola que iria remonta-la. Como qualquer cristal, ela sabia que o que surgiria após essa reconstrução seria feito e estranho, muito diferente do original. Mas quem sabe, ser feia e estranha não fosse assim tão ruim. Que tipo de bem a beleza tinha lhe trazido, afinal?

Ilha Dalgliesh - Livro 1 - O Senhor da Ilha (Degustação - 10 capítulos)Onde histórias criam vida. Descubra agora