Capítulo 04 - Estratégia de Guerra.

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Estava no jardim refletindo sobre minha vida. Havia poucas folhas nas arvores totalmente amareladas, algumas ainda persistiam em ficar em seus galhos, mas isso não deixava o jardim menos esplendoroso, era um local que me ajudava a pensar, principalmente sentindo o sol tocando a pele e o vento frio bagunçando meus cabelos. Já havia mudado meu estilo, as roupas, meus cabelos trançados e os brincos, os brincos eram uma tortura a minha vida porque lembravam o quanto gemi na presença do rei de Roham. Havia sido humilhante, mesmo assim quando lembrava do que havia ocorrido meu corpo esquentava, querendo ansiosamente por mais, ter meus pontos estimulados e tocados era um desejo que precisava sublimar. Era a promiscuidade que nunca cheguei a ter anteriormente. Já tive amantes, nada realmente sério, o amor era perda de tempo, apenas pessoas que saciassem o desejo normal de um jovem nos tempos de cio, mas agora estava em um período que não tinha porque sentir aquilo.
Yurick sabia aquela fraqueza vergonhosa, tendo aproveitado para colocar outros piercings no meu corpo que já cicatrizavam lentamente. O casamento não demoraria a ocorrer e era uma parte da minha vida que não queria registrar.

- Senhor, o Rei mandou que viesse até a sala de reuniões. – Lara avisou rapidamente com a mesma empolgação de sempre. Estava me habituando a menina, era baixa com cabelos trançados, tinha lábios grossos, bonitos e olhos brilhantes em um cinza raro, a pele negra era mais clara o que poderia indicar que seu sangue era mesclado, tinha cicatrizes de batalha e tatuagens, mesmo não parecendo ser forte, ser de um povo guerreiro significava que não poderia subestima-la.
Ergui meu corpo sem animação, ao menos agora poderia ter uma conversa séria sobre política com o Rei ao invés de me atentar em algo sexual quando havia problemas maiores. Esperava que Makal entregasse a carta ao meu avô o mais rápido possível. Minha mãe era a filha mais nova de três irmãs, então não tinha tanto poder político, temia que o rei de Akasia apenas ignorasse o pedido, se fechasse em si mesmo para não deixar que Yurick conseguisse seguir com seu exército. Fui andando ao lado de Laura, enquanto percebia alguns soldados que pareciam me encarar, franzi o cenho na direção dos mesmos que desviaram o olhar rapidamente. Aquilo não parecia ser um bom sinal, não gostava da forma que aquelas pessoas me encaravam. Bom, não iria reportar por enquanto, não tinha porque me exaltar com isso, não eram todos, apenas o mesmo grupo sempre, estavam me irritado, porém, não se atreveriam a fazer absolutamente nada.
Entrei na sala de reuniões. O local era amplo com alguns livros nas estantes, mapas pendurados nas paredes, um globo em pé próximo de uma mesa que era uma maquete com a posição de todos os países, era o mapa do continente de Millenia. A bandeira de Neopolita havia mudado para de Roham para simbolizar a conquista. Yurick conversava com sua general, comentando alguma estratégia para invadir Akasia, apesar de não conseguirem chegar à capital com facilidade por ficar na ponta do continente. Três cidades maiores depois da floresta de Amarintia, que seria um dos maiores problemas, e por último a cidade capital Urukiza, então começar a dominar pela capital não seria uma opção para o alfa.
- As cartas de rendição chegaram hoje. Estarei mandando meus representantes amanhã mesmo para regerem as cidades, mas não irei desmantelar totalmente os poderes locais, preciso de alguém que saiba como funciona as burocracias por lá. – O maior comentava ainda sem me encarar enquanto olhava alguns papeis. Mas voltou a atenção a sua chefe de guerra. – Pode ir, Arien. – A mulher apenas se retirou depois de me cumprimentar com o devido respeito.
- O que você quer? – Me aproximo mais do mapa, era nostálgico. A mesa de reuniões ficava ao redor da maquete, o espaço do rei e do príncipe estavam em seus devidos locais, ainda tinha características e cores da minha terra, mas sabia que não ficariam por muito tempo.
- A partir de amanhã vai me ensinar o idioma de Akasia. Teremos tempo já que iremos invadir pelo meio do inverno, quando estiver mais frio e quando os exércitos inimigos ficaram mais vulneráveis. Atacaremos a cidade de Alasthor e tomaremos os fortes de guerra. – Porque o alfa estava falando aquilo? Não imaginei que falasse sua estratégia de guerra, apesar de não ter todos os detalhes, poderia facilmente deduzir o que iria fazer a partir daquele ponto.
- Isso é loucura, seria suicídio. Sei que são treinandos em diversos terrenos, mas aguentar passar pela floresta, sobretudo no inverno, seria muito perigoso. – Afirmo por conhecer as histórias, por saber o quanto a floresta de Amarintia era uma proteção natural ao reinado. 
- E sabe como poderíamos contornar isso? – Yurick se aproxima de mim, segurando no meu ombro, puxando-me em sua direção, encostando nossos corpos. Fecho os olhos por alguns momentos. Desde quando o cheiro do outro parecia agradável? Exalava um odor forte de alguém dominante, mas isso nunca foi um problema para mim, agora estava interferindo na minha capacidade de pensamento coerentes.
- Porque crê que irei ajuda-lo? É o país de minha mãe, posso apenas te enviar para a morte se acreditar em minhas palavras. – Falava sério. Não tinha como o outro confiar tão facilmente em mim.
- Existem bons motivos para querer sua opinião. Primeiro que você conhece Akasia, sabe os caminhos que levam a capital, segundo que iremos casar, isso deveria dar algum sinal de confiança entre nós. Por último, você sabe e eu sei que dificilmente seu avô mandaria um resgate, não iria arriscar soldados no inverno para resgatar alguém sem nenhuma linhagem que não renderia nenhuma terra, riqueza, ou poder, então sabemos que mesmo que seu engajamento em me sabotar pudesse dar certo, aquela parte da sua família preferia te ver sucumbir. – O rei dizia de maneira dura as suas ultimas sentenças, aquilo foi mais doloroso do que imaginei, porque sabia que era descartável. Meu avô só viria até mim se visse que tinha alguma vantagem em me resgatar. Yurick tinha razão, mas não queria ajuda-lo. Encaro o mapa novamente, se falhasse morreria.
- A floresta é um labirinto natural, dizem ser protegida por faunos e dríades. Lendas bobas de crianças. Bom, existem alguns caminhos que podem ser usados para que os soldados não se percam. – Aponto na direção de uma área do mapa. – Aqui há uma passagem, mas ainda é necessário ter cuidado, durante o inverno o caminho se abre em uma ponte formada por um laga congelado, qualquer erro nessa área poderia resultar em morte por hipotermia e afogamento, mas se passarem com cuidado chegaram até a primeira cidade. – Recuo depois disso, me sentindo um traidor, mas era a estratégia que poderiam usar. O maior parecia refletir. Havia outros caminhos, outras maneiras menos perigosas de ter passagem, no entanto, não estava disposto a dar isso a Yurick.
- Preparei o exército, porém, mandarei uma equipe com batedor conferir se realmente é viável. Afinal, não confio em você. – Aquela conclusão era mais do que obvia, o maior não iria apenas entregar seu exército para morrer baseado nas palavras do seu inimigo mais velado naquele momento.
Meu avô era a pessoa mais difícil que conhecia, era um homem preconceituoso e cheio de manias, regia seu país com punhos de ferro, era conhecido pela falta de benevolência. Não aceitava estrangeiros, mas na época de crise que Akasia passou se viu obrigado a dar a filha mais nova para casar com o rei de Neopolita, apesar disso seu maior desejo era um futuro rei alfa, mas meu gênero não o agradou, deixando sempre exposta sua opinião em cada baile, jantar ou reunião que fazíamos entre os reinados "amigos", o homem era uma corja, quando sua filha retornou ao reinado, tomou como uma afronta e desfez os tratados de acordo comercial, se fechando novamente, visto que a crise havia passado.
Neopolita era o maior centro científico e médico dos cinco reinos, sua tecnologia estava além de qualquer compreensão, a líder de laboratório morava no castelo, Yurick decidiu mantê-la por não ter ninguém para substituir, mas lhe deu uma aprendiz igualmente capaz em termos de intelecto. Tínhamos balões que cortavam o céu, veículos de duas rodas que se mantinham em pé, agora a mulher fazia invenções com raios que caiam do céu em tempos de tempestade.
Por Neopolita ter a melhor medicina meu avô demonstrou interesse na época, o rei de Akasia passava por sua maior crise sanitária, da doença que passavam do mais plebe até a casta mais alta. Então se viram obrigados a fazer acordos para achar o remédio e mudar seu sistema de esgoto para algo mais moderno evitando jogar as fezes nos chãos por exemplo. Foram anos até a doença não existir mais, coincidentemente foi quando a rainha partiu. Penso em explicar aquilo ao nosso novo rei, porém, o mesmo não parecia interessado em história, estava tentando traçar uma rota pela passagem que havia indicado. Fui andando até os livros nas prateleiras, havia lido todos. Estratégias de guerra, história, antropologia, geografia. Eram assuntos que me deixavam mais seguro, não brandindo a espada, mas segurando o livro em mãos que parecia me trazer conforto. Perdia horas na biblioteca do castelo intercalando entre meus deveres reais.
Sabia lutar esgrima por ter sido obrigado a aprender, porém, estava longe de ser um bom espadachim.
- Qual acha que são nossas chances contra o reino de Ragnor e Phenicia? – O alfa estava mesmo concentrando em seus próprios devaneios de guerra. Fui me aproximando, encarando o mapa novamente. Eram os reinos extremos, estavam ao norte e ao sul respectivamente, seus climas lhe conferiam uma proteção natural que poderiam dificultar qualquer investida.
- Na sua atual condição, nenhuma. Seu exercito está dividido, você precisa proteger Roham, manter Neopolita sob controle e tomar o primeiro forte e a cidade de Alasthor em Akasia, mesmo que conte com a ajuda do nosso exercito não será fácil fazer essas pequenas tarefas. Se tiver no controle de Akasia, o que vai demandar recursos, baixas nas suas fileiras, não poderá atacar com cavalos que é sua principal força por causa da floresta, isso vai diminuir a pressão que poderá fazer até chegar na capital, que é onde está o problema, os muros são fortes e os arqueiros os melhores, tem arpões e contam com bombas movidas a pólvora, isso vai desgastar seu exército. Se quer mesmo pensar em Phenicia e Ragnor, sugiro que tenha em mente que isso pode demorar mais de três anos para ser concluído, é um tempo médio para a recuperação, principalmente burocrática. – Explico de maneira mais sucinta, seria complicado para Roham tomar a fortaleza de Akasia, seria sua ultima parada para subjugar o país, então teria que recuperar suas forças, tomar burocraticamente como estava fazendo em Neopolita, porém, como nos entregamos, a parte da burocracia se tornava mais fácil. Contudo, conhecendo aquele velho rei nunca iria se render até sua cabeça ser cortada pelo próprio Yurick.
- Você tem razão, três anos deve ser o suficiente. Iremos usar a tecnologia de Neopolita para atacar. – O maior se sentava na mesa de frente pra mim. – Usaremos bombas, utilizar de pólvora e outros. Quero conversar com a sua cientista, iremos fornecer matéria bruta para criar armamento e o que seja. – Logico que o alfa não compreendia a complexidade daquelas invenções, mas entendia sua importância na sua investida e ascensão ao poder. Apenas pondero com a cabeça. É quando uma ideia surge.
- Se conseguir dominar Akasia irá desposar uma das filhas do rei? – Indaguei com a sensação de algo afundando na minha garganta.
- Claro, é necessário para a dominação total do reino. – O maior dizia sem hesitar. Em Neopolita erámos monogâmicos, então aquilo feriu profundamente meu orgulho.
- Pensar que estava começando a te achar minimamente agradável e aceitável. – Soltei um enorme suspiro irritado.
- Seyrim, você mesmo disse que o casamento é um ato político que não implica em sentimentos. Estou fazendo minha jogada política. – O maio mostrava sua maneira petulante de sorrir, arrogante e nojenta.
- Um casamento é um ato político e sagrado que implica em acordo de duas partes para existir. Concordei em casar com você, mas não participar de um grande Harém. Não há necessidade de casar com cada parte dominada, isso se você conseguir passar daqui. Com exceção da minha mãe, todas as minhas tias são casadas. – Tentei manter a compostura que fui ensinado a minha vida inteira a sustentar.
- O que acha? – Yurick desfez seu sorriso para dar lugar ao semblante sério.
- Que você é o ser mais nojento que existe. Não creio que irá casar com minha própria mãe. Há várias formas de se dominar um território. Não é porque Roham fará do mundo seu domínio que precisa impor suas práticas culturais a outros, principalmente quando se trata de algo tão inflexível quanto o casório. Acha que as pessoas irão aceitar isso? Um casamento forte é sinônimo de força, um casamento fraco e dividido tem o fracasso como única escolha. – Não aceitava aquele tipo de situação. – Essa sua ideia é inaceitável, se me der licença. – Viro para caminhar até meus aposentos. Mas sinto a presença enorme do outro atrás de mim, colocando a mão na lateral para impedir que abra a porta do aposento. Pressionando com força, não me dando escolha além de virar na sua direção, o encarando da mesma maneira séria e raivosa.
- O que irá fazer para impedir que minha política poligâmica se concretize? – Yurick indaga com a raiva transparecendo entre dentes, mesmo querendo saber minha opinião.
- Você precisa de mim, sabe disso, mesmo que não seja de importância extrema ao ponto de não ser substituído. Se o povo estiver insatisfeito, será mais difícil que possa dominar Neopolita integralmente. Se o príncipe morrer ou algo acontecer, seus exércitos terão que conter o povo nas ruas, o que vai demandar tempo. Se as pessoas apenas falam e não fazem nada é porque estou no castelo seguro e bem, nós dois sabemos disso, com o casamento iriam se conformar por ser uma figura que estão habituados, por isso que sou necessário. – Toco no seu peito com a ponta do dedo. – E com o príncipe Seyrim morto o que irá acontecer? Gasto de recursos para conter possíveis rebeliões por meses, não acho que irá realmente perder contra o povo, logo iria conseguir conter os ânimos e dominar como um ditador. Mas, seu plano de dominação continental iria durar o que? Dez anos? Vinte? Ao invés de três. – Era essa a realidade, sabia que não estava vivo apenas por misericórdia, estava concordando com aquele plano pelo meu povo apesar de querer que Yurick recuasse e voltasse ao seu país, precisava daquela posição para não ter mais sangue e mortes nas ruas.
- Você é inteligente, aprecio isso. – O maior toca na minha orelha sensível. Ainda estava me curando por causa dos brincos, mordi o lábio inferior com força pelo arrepio que percorreu meu corpo com o toque. – Espero que consiga me satisfazer bem quando estivermos casados, terá que dar conta de alguém que está acostumado a amar ao menos três pessoas ao mesmo tempo.
- Se for necessário. – A respiração falhava, mesmo sabendo o que aquilo significava. – Não se pode amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo.
- Talvez para você que não consegue amar nem uma se quer seja impossível, mas para mim não é um problema. – O alfa se afasta finalmente. Seu cheiro estava me deixando tonto. Não tinha resposta sobre aquela questão. Amar era algo complexo que atrapalharia qualquer decisão que tinha no futuro, porque iria amar alguém? Era a política entre os reinos que importava.
- Não vou questionar suas emoções. Nós estamos mais do que conscientes o que esse casamento significa, então irei fazer minha parte e espero que faça a sua. – Era difícil não me alterar dado as circunstancias. Quando consegui sair da presença de Yurick foi como se alguém estivesse dando marteladas contra meu peito. O casamento não demoraria a acontecer, tinha certeza que não receberia ajuda do meu avô dado o conhecimento que tinha sobre aquele homem, então teria que lidar com isso da minha maneira, aguardar até uma brecha necessária para agir de alguma forma. O alfa não me contaria seus planos se não tivesse confiança de que nunca conseguia deixar os muros daquele castelo.
Apenas volto aos meus aposentos. Sexo não era o problema, apesar de Yurick saber de uma fraqueza inesperada minha. Mas, não poderia apenas deixar seus planos se concretizarem, por enquanto iria cooperar até conseguir ter uma brecha o suficiente para agir.

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Off: Ola. Essa foto é do reino de Neopolita.
Espero que gostem desse capítulo, o outro deve sair na próxima semana. Beijos.

O Peso da Coroa - A ascensão de Roham [Completa]Onde histórias criam vida. Descubra agora