TRÊS

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Sexta-feira. 52 dias para o fim do prazo

*Daniel

Quando pedi a Heloísa o endereço de Aurora, ela achou estranho. Precisei ouvi-la reforçar a parte do acordo que não afirmava não haver "contato físico" e eu fui obrigado a contar a ela o que tinha em mente. Contei sobre o nosso rápido encontro na Starbucks, omitindo a parte em que ela havia descoberto todo o nosso plano. Heloísa comemorou e rapidamente me passou o endereço, como eu havia pedido.

Eu nunca havia sido o melhor aluno de literatura, mas fiz o melhor possível para colocar numa carta o quanto apreciaria a companhia de Aurora em um encontro. Fiz questão de encher o envelope com selos que busquei no correio pela manhã, logo no dia seguinte, antes de ir para a Universidade. Eu já havia planejado todo o nosso primeiro encontro, mas antes precisava avisá-la disso.

Aurora aparentemente estava falando bem sério quando afirmou que não me responderia pelo Facebook. Eu já havia insistido, mandado mensagem durante todos os meus intervalos, e todas foram ignoradas. Eu havia mandado, inclusive, o dia e o horário que iria busca-la, mas ela ignorou essas também e elas nem mesmo foram recebidas.

Na sexta, bem no dia da minha folga semanal, eu reli a carta que havia feito no começo da semana. Pouco depois do almoço, quando cheguei da aula e da minha rotina na academia, comecei a me arrumar. Estava particularmente de bom humor naquele dia. Havia conseguido uma nota boa em um dos trabalhos, tinha fechado um trampo para o fim de semana e o dia estava realmente agradável.

Quando peguei as roupas de tricô, dei risada. Fazia um puta calor e sabendo o lugar para onde íamos, definitivamente eu passaria vergonha se usasse tricô. Também deixei o gel de lado e estava bem parecido comigo mesmo. Talvez uma versão um pouco mais cara, considerando que o valor daquela blusa havia sido o dobro do que eu costumava gastar em roupas de dia a dia. 

Salvei o endereço em uma nota no celular e antes de bloquear a tela, uma mensagem de Alice surgiu. No fundo eu quis demorar algum tempo para descobrir o que ela havia me enviado, mas falhei de um jeito terrível. No mesmo segundo eu já tinha aberto, cheio de expectativa.

Elas acabaram bem rápido também.

Preciso buscar as coisas que deixei na sua casa. Me avisa o dia que eu posso ir.

Li e reli a mensagem algumas vezes. Tentei encontrar algum traço ou alguma mensagem implícita que mostrasse que ela também sentia minha falta, mas as palavras eram diretas demais. Não consegui encontrar nada.

Aquela não era a primeira vez que nós terminávamos. Também já havíamos voltado tantas vezes que eu havia desistido de contar. Eu sabia que Alice só precisava de um tempo para lidar com o que quer que fosse e que logo estaríamos juntos novamente. Ainda assim, era uma situação que sempre me desanimava. Eu queria que ela pudesse ter confiança em mim para falar sobre o que quer que fosse, queria que ela pudesse contar comigo. Porém, todas as suas situações eram resolvidas sozinhas. Eu era deixado de lado, ela logo voltava ao normal e voltávamos ao nosso relacionamento, a rotina era sempre a mesma. Não era a melhor, mas era algo. Eu não sentia que a amava, mas havia algo. Alguma coisa que sempre nos fazia ficar juntos.

Como você está?

Alice era quase sete anos mais nova que eu. Havia acabado de começar na universidade e eu gostava de acreditar que aquela sua forma de lidar com o nosso relacionamento era por inexperiência. Julian já havia me dito um monte de vezes que ela só agia daquele jeito porque era bipolar e que eu só aceitava as manias dela porque tinha medo de perder mais um relacionamento, mas eu não acreditava nisso. Eu gostava de estar com ela.

Bem.

Simples assim.

Me sentei no sofá e encarei o celular por algum tempo, pensando no que dizer. Eu odiava sempre insistir no assunto quando claramente ela não estava a fim de conversar.

Todos os meus clichês (FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora