NOVE

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Quarta-feira. 19 dias para o fim do prazo

*Daniel

Enquanto mexia no celular, uma mensagem de Alice chegou. Ela estava me contando sobre qual havia sido o pacote da vez que Jorge, seu gato, havia rasgado no armário.

-Da pra acreditar? Eu tirei quatro nessa matéria! – Aurora reclamou enquanto olhava frustrada e irritada para o celular, ao mesmo tempo concentrada em tomar todo o seu milkshake trincando de tão gelado.

Eu a observei e segurei o riso. Guardei o celular e voltei a curtir sua companhia, continuando a caminhar do seu lado. Ela já havia xingado o professor durante um bom tempo até aquele momento, mas ainda assim era extraordinário vê-la com raiva. Era diferente de tudo que eu podia imaginar para ela, porque até mesmo nos seus palavrões tinham um pouco de doçura.

Aurora reclamou que havia bebido rápido demais e fez uma careta, mas em seguida deu risada.

-Eu tenho um monte de livros com avaliação acima de quatro e meio na internet e tirei quatro numa prova de produção textual! – resmungou – Isso não faz o menor sentido!

-Vai ver você só estava em um dia ruim. – tentei. Ela bufou.

-Ou talvez eu seja uma farsa. – ela olhou de novo para o celular, indignada.

-Você tá falando sério? Não, né? – eu a observei. Ela deu de ombros e suspirou.

-Não, só tô fazendo drama. Mas tô chateada. Vou ter que me virar pra tirar uma nota boa na prova desse miserável desgraçado... – ela começou a repetir os xingamentos, até que desistiu de falar toda a lista.

-Relaxa. Quando entregar a segunda prova, aproveita e chama ele pro lançamento do seu livro novo. Duvido ele dar nota baixa.

Aurora sorriu pra mim e eu vi seu rosto corar um pouco, enquanto chutava algumas pedrinhas pelo caminho.

-Aliás, como anda o livro? – aproveitei para perguntar.

Ela sorriu ainda mais, animada. Aquele sorriso me animou também. Eu gostava quando Aurora sorria daquele jeito.

-Está andando! Já passei da metade da história e já tenho todo o restante do enredo pronto na minha mente. – contou empolgada.

-Isso é ótimo!

Eu não sabia dizer mais em que momento aquilo havia deixado de ser um acordo com Heloísa para ser uma forma de ajudar Aurora, mas, naquele momento ali, enquanto caminhávamos à beira da praia, já não era mais só sobre isso. Eu realmente gostava da sua companhia.

Eu torcia para que ela terminasse sua história, é claro, afinal tudo girava em torno disso, mas eu realmente gostava da sua companhia. Vínhamos nos encontrando cada vez com mais frequência. Mantínhamos contato diário, mesmo quando não nos encontrávamos ou quando eu estava atolado de serviço e matéria acumulada. Eu fazia questão da sua companhia e já não era mais por causa de acordo nenhum.

Nossos "encontros inspiracionais", como havíamos decidido chamar, demandavam certo tempo para serem planejados, mas sempre nos víamos entre uma troca ou outra de aula. As vezes tomávamos café (sem ser no Starbucks) na saída das aulas, as vezes passávamos o intervalo juntos, mesmo estudando em universidades diferentes. Gastávamos cada vez mais tempo com ligações para contar detalhes do nosso dia e praticamente todas as minhas figurinhas salvas haviam sido enviadas por ela. Não queria pensar em como seria quando aquelas semanas acabassem.

-Eu estive pensando em um clichê pra gente. – comentei distraído. Aurora me olhou de lado e eu fiquei sem graça porque percebi que tinha falado merda – Pra sua história! Não, um encontro! – me corrigi.

Todos os meus clichês (FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora