2 - I'm a mess

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Bianca se arrastou lentamente até a ponta do sofá, sem forças nem mesmo para ficar em pé. Rafaella tinha saído apenas alguns minutos antes. A outra nem tinha chegado a se apresentar, mas ela sabia como se chamava, pois seu nome era uma presença muito forte na mente de Manoela Kalimann, e servia para mantê-la com um dos pés na realidade, enquanto seu sequestrador a levava cada vez mais para a beira da insanidade.

Ela conseguia sentir pena e entender as ações de Rafaella. Podia até perdoar o que ela tinha feito, mas jamais seria capaz de esquecer, e isso era o pior de tudo. As imagens e memórias do que ela viveu instantes antes ficariam gravadas permanentemente em sua cabeça. Lágrimas escorreram e deixaram uma trilha em seu rosto. Ela estava se sentindo oca... Nem parecia mais ser uma pessoa, pois mais uma vez sua humanidade lhe havia sido roubada. Ela se obrigou a levantar, lutando contra o horror e a dor que inundavam seu corpo, já que a conexão com Manoela não tinha se interrompido quando Rafa tirou a echarpe de suas mãos. Bia ainda estava bem ciente do que ela estava sofrendo. A ligação entre elas poderia durar ainda uma hora ou talvez um dia. Só rezava para que aquilo acabasse logo, ela precisava se apressar. Tinha de fugir para o mais longe que conseguisse e, daquela vez, era preciso garantir que ninguém a encontrasse, ou melhor, que Rafaella não a encontrasse. Porque se a outra a achasse novamente, então o homem que a perseguia também a encontraria, e ela não queria passar novamente pelo que tinha acabado de vivenciar. Bianca nem sabia se conseguiria se recuperar. Aquilo tinha sido demais para ela, e aconteceu cedo demais, rápido demais. Ela nem ao menos tinha se curado do que viveu da última vez em que localizou uma vítima, e agora foi obrigada a fazer aquilo de novo.

Caminhou vacilante e apática, como uma senhora idosa, até o pequeno quarto da cabana. Ela não conseguia odiar Rafaella pelo que ela tinha feito, já que entendia seu desespero. Ela já tinha vivenciado aquela sensação várias e várias vezes. Quem era ela para dizer que não faria a mesma coisa se a vida de um ente querido seu estivesse ameaçada? O problema é que ela não tinha nenhum ente querido.

Até determinada época, ela acreditava que seus pais estavam vivos em algum lugar, mas tinha sido abandonada quando ainda era apenas um bebê e acabou entrando para o circuito dos órfãos, sempre pulando de família em família, sem nunca criar raízes de verdade. Seus muitos pais adotivos se afastavam dela quando descobriam seus "poderes". Eles passavam a olhá-la com medo, como se ela não fosse um ser humano com sentimentos. E no último lar adotivo para onde ela foi enviada, tudo terminou em horror e violência. Bia viveu uma vida solitária desde então e nunca se permitiu confiar em alguém a ponto se envolver. Por isso, ficar isolada não a incomodava, e ela aceitava esse fato.

Exceto que... de vez em quando, ela sofria pelo que nunca teve e jamais teria: uma vida normal, amigos e família, todas essas coisas que a maioria das pessoas têm como certas e garantidas. E ela nunca cometeria esse erro: se algum dia viesse a ser abençoada com uma família e amigos, ela valorizaria cada dia e jamais levaria a vida como certa e garantida. Mas era meio impossível fazer isso depois de ter testemunhado a morte e horrores inimagináveis tantas e tantas vezes.

Para onde ela iria agora? Em que lugar ela teria a certeza de que ninguém seria capaz de encontrá-la? Ela queria desaparecer simplesmente, e dessa vez para sempre. Dessa vez, ela precisaria ser mais eficiente e apagar todos os rastros, escondendo-se bem para garantir que ninguém a encontrasse, porque ela sabia que morreria se o homem que estava dedicando toda a energia para destruí-la conseguisse achá-la. E não seria uma morte rápida e piedosa. Bianca teria uma morte agonizante e passaria seus últimos momentos rezando para que cada suspiro fosse o último.

O quão horrorizante isso poderia ser?

***

Assim que seu avião tocou o solo, Rafaella recebeu a informação de que Manu tinha de fato sido encontrada no local informado por Bianca. Sua amiga, Gizelly, com tristeza, atualizou-a sobre as condições de saúde de Manu e, embora Rafa já soubesse por meio de Bia exatamente o que tinha acontecido, ainda assim seu estômago se revirou quando soube de fato sobre os horrores sofridos pela irmã caçula nas mãos do sequestrador.

Modern Fairytale | RabiaOnde histórias criam vida. Descubra agora