24- Thiago

58 2 5
                                    

      - Fique parado, Thiago! - Patrícia me deu um beliscão. Revirou os olhos e continuou ajeitando minha roupa em mim, enquanto Luísa fazia a pintura facial, os últimos acabamentos. 

     - Maldade dela me deixar tão perto de você sem poder te tocar. - Falei baixinho, para que só ela ouvisse.

     Luísa parou por um instante, para me olhar nos olhos e sorrir, então prosseguiu fazendo sua pintura no meu rosto. Seus olhos atentos nem piscavam, suas mãos conheciam as cores certas que iria usar. Seu cabelo ruivo curto estava esganiçado, escapulindo do elástico que o prendia. Ela usava um macacão jeans largo, umas três numerações acima. Uma camisa ainda mais larga cheia de listras coloridas. E eu não poderia esquecer, seu inseparável tênis vermelho de cadarços brancos. Ainda não havia se aprontado para a dança. Seus braços nus sujavam aqui e ali de tinta, até mesmo seu rosto. As bochechas rosadas cheias, os lábios em formato de coração, quase vermelhos, os olhos grandes e azuis como o céu, os cílios espessos, o nariz pequeno, seu rosto ovalado, sua pele perolada com seu delicioso cheiro de cerejas maduras. Pura sinestesia. 

        Ela ficava linda fazendo biquinho, concentrada. As pontas dos dedos rosas pela firmeza de segurar os pincéis. O pescoço esguio e convidativo. Eu ia enlouquecer com aquela garota tão perto de mim daquele jeito. Nem mencionei a parte mais vergonhosa. Logo, logo você vai descobrir. 

       Graças ao meu "mal comportamento", Paty largara tudo para me vigiar de perto. Ela havia melhorado muito nas últimas semanas, estava sendo muito corajosa também. Graças à cirurgia, ela perdeu parte do cabelo, fora raspado. Fiquei surpreso quando ela simplesmente chegou em casa com um lado da cabeça quase totalmente raspado e com o comprimento do cabelo menor. Dava para ver a cicatriz da cirurgia, mas ela não parecia se importar com isso. 

       Minha irmã não parava nunca de me surpreender com sua coragem. Assim que viu que já podia fazer tudo sozinha, ela dispensou todos os cuidados da mãe e foi resolver seus problemas na escola. Patrícia é simplesmente um monstro do computador, seus dedos são ágeis e sua mente ainda mais rápida. Suspeito que ela teve ajuda com os trabalhos, porém não ousaria perguntar. Sendo honesto, é melhor deixar minha irmã no controle das coisas dela e não incomodar. Eu tenho bom senso. 

        Ela tinha força, era ousada, nunca abaixava a cabeça para ninguém, era criativa, cheia de ideias, não era só um rostinho bonito. Podia ser insuportável, chata, resmungona, briguenta, agressiva, grossa, rabugenta, mas ainda era de longe a garota mais incrível que eu conhecia. Não ouso falar de Luísa, sou suspeito para isso. Eu estava muito orgulhoso dela, bem como eu esperava, ela passou por cima de cada problema com seu nariz empinado. Sem nunca descer do salto. Caramba, eu estava rodeado de mulheres impressionantes. 

       Contudo, a mais importante de todas não estava lá. Minha mãe. Eu não gostava de pensar nela, me lembrava do medo que eu sentia quando criança. Das esperanças que ela havia me dado de que sobreviveria. Não estava em suas mãos, não é? Mesmo assim, parte de mim só queria ela viva, ao meu lado. Mamãe foi... A figura mais inesquecível da minha vida. Ela estava sempre bem, sempre cheia de vida, sempre sorrindo, sempre ajudando os outros. Eu preferia lembrar dela como a Mulher Maravilha que ela aparentava ser. Quando eu a visitava no hospital, ela segurava minhas mãos com firmeza, sorria e dizia "quando eu sair daqui, nós vamos tocar aquela música". 

       O piano. Fora um presente do meu avô, antes de morrer. Meu avô tinha quatro paixões quando era vivo: sua esposa, sua única filha, a joalheria e o piano. Mamãe me contava histórias sobre ele quando nos sentávamos com o piano à nossa frente, ela dizia que ele trabalhava na joalheria durante o dia e aos sábados, ele tocava em uma boate pelo simples prazer de ouvir as notas doces do instrumento. Em uma noite, ele a levou para lá, quando a noite ficava mais escura e o clima ia ficando mais calmo, era quando ele começava a tocar para os apaixonados que dançavam na pista. 

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: May 21, 2020 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

LULU?Onde histórias criam vida. Descubra agora