EU JÁ ME apaixonei umas três vezes durante a minha vida. Acho que paixão não é bem a palavra certa, talvez eu esteja exagerando, mas eu realmente sentia o meu coração palpitar, as borboletas no estômago e todas as outras baboseiras. E, por incrível que pareça, até mesmo para mim, a primeira pessoa por quem me apaixonei foi um garoto.
Como eu disse, talvez eu esteja exagerando ao usar a palavra paixão. Porque, sabe, eu só tinha quatro anos, mas me lembro como se fosse ontem do dia em que ele me apresentou aos biscoitos sabor limão, o que mudou a minha vida para sempre (sem exageros dessa vez). Mas eu nem me lembro do coitado, nem do seu rosto ou do seu nome, só lembro de dividir uma mesma mesa no jardim da infância, e quando paro pra pensar nisso hoje, talvez todo o sentimento falso de paixão que eu nutrisse por ele na época não passasse de amor pelos seus deliciosos biscoitos (e também não exagero quando afirmo que na história da minha vida, foram eles os meus únicos amores verdadeiros).
A segunda pessoa por quem me apaixonei foi a Ariel. Talvez eu tenha desde sempre esse quê de garota emocionada e que ama dar significado a coisas insignificantes, porque a Eva de nove anos não conseguia acreditar em coincidências. Foi uma época da minha vida em que eu fui fissurada em A Pequena Sereia, e então essa garota surgiu, e não bastava ela compartilhar o nome da maldita princesa. Ela era Ruiva. E eu a conheci na aula de natação. Óbvio que as coisas saíram do controle, eu ficava tão nervosa perto dela que quase morri afogada umas oitenta e três vezes, mesmo sabendo nadar bem. Mamãe então decidiu me tirar das aulas e fim, nunca mais vi a menina barra sereia. E isso prova que a Eva de nove anos era tão atraída por garotas quanto a Eva de dezessete.
A última paixão foi há dois anos. E, obviamente, foi de novo por uma garota. O nome dela era Georgia e ela era linda da cabeça aos pés. Mas infelizmente hétero. E, infelizmente, as coisas não saíram muito bem quando acabei a beijando em uma festa da minha antiga escola. Não que ela tenha ficado puta da vida e contado pra todo mundo e tornado a minha vida um inferno nem nada parecido. Mas a gente parou de se falar, o que foi péssimo na época. Então, OK, meio que isso tornou mesmo a minha vida um inferno por um tempo.
Mas agora eu até que tô feliz por não estar apaixonada por alguém. Por enquanto.
Estou pensando nessa coisa de paixão porque quero provar pra mim mesma que nem tudo em mim é ódio. Certo que eu não tenho culpa por tudo nos últimos meses estarem uma verdadeira porcaria, mas eu não quero me atolar em pensamentos negativos nesse momento.
Não antes de cometer um assassinato.
Tá. Eu meio que ainda estou planejando todos os detalhes e é bem provável que, quando toda essa raiva passar, eu acabe desistindo de tudo — o que é uma pena. Mas nesse momento eu ativo meus olhos cinematográficos e vejo a câmera não focar em mim, mas em minha sombra, a tática usada para não capturar explicitamente a cena violenta que está por vir. Equipada com um objeto afiado (ainda estou tentando decidir qual), o sigo em silêncio pelo corredor e, quando ele menos espera, apunhalo o meu amado meio-irmão pelas costas, o sangue manchando as nossas sombras na parede.
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Todas as Coisas que Eu Não Odeio em Você
Teen Fiction[VENCEDOR DO PRÊMIO WATTYS 2021 na categoria YOUNG ADULT] Tem poucas coisas que Eva Aquário não odeia no mundo, e elas são: biscoitos sabor limão, matemática e garotas. De resto, ela faz questão de deixar claro o quanto não suporta. Eva não suporta...