Clarke imaginou que seu segundo interrogatório seria mais fácil de lidar do que o primeiro, uma vez que era a vítima e não a acusada, mas foi tão cansativo quanto. Lexa não estava presente, como ela prometera no dia anterior. Titus se irritava facilmente com suas repostas sarcásticas às perguntas óbvias e, no fim, ela teve certeza de que o chefe da polícia só não mandou prendê-la de novo por conta do carinho que tinha por Lexa.
Ele foi embora, agradecendo com a cabeça tudo o que Clarke disse. Assim que o homem saiu do quarto, ela sentiu um peso enorme sair de suas costas. Ela escondera sua dor através das piadas, mas a noite em que esfaqueara Pike ainda assombrava seus sonhos. Dormir no quarto do melhor hospital da cidade não fazia nada por sua sanidade mental. Ela queria voltar para sua casa, para o Beco, mesmo sabendo que nada mais voltaria ao normal.
Um pouco depois de Titus ir embora, Lexa entrou no quarto, trajando seu terninho preto tradicional. O coração de Clarke deu cambalhotas dentro do peito. Sentia vontade de levantar-se da cama e abraçar Lexa e enchê-la de beijos. Ainda não contara a Lexa que apenas sobrevivera pela vontade de encontrá-la de novo.
— Por que você não esteve aqui com Titus? — Foi a primeira coisa que ela perguntou para a mulher, embora quisesse falar tantas outras.
Lexa parecia impaciente. Ela ainda não se sentara na cadeira de visitantes do quarto, rodeando a porta de entrada, parecendo ter medo de se aproximar de Clarke. Ela ficou curiosa com o comportamento dela. Nunca a vira se comportar daquela forma.
— Titus sequer mencionou seu nome — disse Clarke, tentando manter uma conversa com Lexa. A detetive parecia não escutar. — Aconteceu algo?
— Fuiexoneradadocargo — falou Lexa, tão rápido que Clarke teve que pedir para que ela repetisse a frase. Lexa respirou fundo e, mais calma, disse: — Eu fui exonerada do meu cargo.
Clarke buscou algo na expressão devastada de Lexa que dissesse que era mentira o que acabara de falar. Com muita força de vontade, Clarke sentou-se na cama do hospital e fitou a mulher de boca aberta.
— Mas... mas... — ela tentou formular uma frase, indignada. — Você pegou o Assassino! Pôs um fim em seu reino de terror no Beco! Você deveria ter ganho no mínimo um aumento!
Lexa parou de andar pelo quarto e finalmente sentou-se na cadeira. Ela e Clarke se encararam por alguns segundos.
— Eu não contei ontem, mas... — Lexa respirou fundo e pegou as mãos de Clarke entre as suas — as pessoas meio que descobriram sua identidade. Acredito que tenha ficado óbvio quando eu e os policiais te encontramos na casa de Pike. Ao investigarem a casa, encontraram sua bandana lá.
Clarke soltou um suspiro, decepcionada consigo mesma. Ela sabia que esse dia chegaria, mas não imaginaria que seria tão rápido. Era a Vigilante há quanto tempo? Quase um ano? Tinha sido um ano bom. Um ano cheio de aprendizado e muitos socos no nariz. Era triste que tudo acabaria assim que saísse do hospital.
— Eu sinto muito — disse Lexa alguns minutos depois. Ela ainda segurava as mãos de Clarke.
— Sente pelo que? — questionou Clarke, sendo honesta. — Foi eu a burra que deixou a bandana para trás na hora da luta. Deveria ter prestado atenção.
Clarke soltou-se das mãos de Lexa e esfregou o rosto, sentindo o curativo do seu nariz permanentemente quebrado. A enfermeira tinha mostrado como ela ficaria no dia a dia, e Clarke não sabia o que sentir. Não fazia muita diferença de longe, mas chegar mais perto dela causaria uma espantosa primeira impressão.
Mesmo se sua identidade não tivesse sido descoberta, ela teria que desistir das lutas e das noites acordadas como Vigilante. Por baixo da bandana, seu nariz retorcido seria facilmente reconhecido, para não mencionar seu crânio afundado na parte de trás do seu couro cabeludo. Clarke tinha que admitir: seus dias de luta tinham acabado.
— Mas o que descobrir sobre a Vigilante tem a ver com seu emprego? — ela questionou a Lexa.
— O prefeito viu com maus olhos nossa... hm... relação. — As bochechas de Lexa atingiram um tom leve de rosa. — Titus tentou convencê-lo de que sou uma boa detetive apesar de tudo, mas nada adiantou. A exoneração saiu no diário da prefeitura hoje. Uma pequena nota foi enviada a imprensa. Tenho que fingir que estou saindo por boa vontade, "para me encontrar em novos lugares".
— Filho da puta — Clarke xingou entredentes.
— É, nem me fale. Mas eu andei pensando. Não preciso parar de trabalhar. Nem você precisa parar de ser a Vigilante.
O rosto de Lexa brilhava de emoção. Clarke não entendeu o que a mulher quis dizer.
— Podemos abrir nossa própria agência de investigação — disse Lexa. Ela sorria para uma Clarke confusa. — Temos experiência na área. Não vai ser difícil encontrar casos para resolver. Casos esquecidos pela polícia.
Lexa deu alguns minutos para que Clarke pudesse absorver sua ideia. Ela se recostou na cama do hospital, refletindo. Vivera na clandestinidade por tanto tempo que não sabia mais como o mundo normal funcionava. O mundo de Lexa. Sendo honesta consigo mesma, estava mais do que na hora de iniciar uma nova fase na sua vida.
— Nós podemos começar pequeno, atendendo as pessoas na lanchonete da Anya — sugeriu Lexa, depois que ela viu que Clarke não faria objeções à ideia. — Se der certo, a gente aluga um lugar próprio. Nosso escritório. E...
Clarke lançou um olhar curioso à Lexa. A detetive raramente hesitava. As mãos de Lexa se contorceram no seu colo e ela parecia vivamente interessada nas cortinas do quarto.
— Você poderia morar comigo. — O rosto de Lexa ficou tão vermelho como o sangue que Clarke costumava tirar de seus oponentes. — Sabe, enquanto a gente faz isso. Eu sei que você gosta de morar no Beco com seus amigos, mas... — Lexa puxou uma quantidade grande de ar em um suspiro e voltou a olhar para Clarke, dessa vez mais confiante. — Clarke, você é bem maior que aquele lugar.
Foi a vez de Clarke ficar com o rosto rosado de vergonha. Ela nunca tinha escutado alguém falar dela assim antes. Claro, Octavia e Raven a apoiavam tudo o que ela fazia, mas ouvir aquelas palavras de Lexa... tinha um gosto diferente. A mulher percebeu a sinceridade no tom de Lexa e sorriu francamente a ela.
— É uma ideia — disse Clarke, por fim. — Combatentes do crime durante o dia e colegas de quarto à noite? Eu ficaria lisonjeada de dividir isso com você.
Pela segunda vez em menos de 24 horas, a enfermeira responsável por Clarke as interrompeu. Ela ralhou com Lexa por ficar tanto tempo no quarto de alguém que acabara de acordar de um coma, mas Clarke não se importava. Ela ficou surpresa quando Lexa roubou um beijo seu enquanto a enfermeira arrumava algo no banheiro. Achou engraçado quando Lexa foi enxotada do seu quarto, dando um aceno alegre antes de sair.
Clarke pensou na oferta de Lexa. Sair do Beco, trabalhar legalmente... era demais para uma órfã que se apoiara metade da vida adulta em um assassino em série. Nunca imaginara que alguém como Lexa — bonita, inteligente, organizada, perfeita em todos os sentidos possíveis — pudesse acontecer com ela.
Murmurando apenas "sim" ou "não" às perguntas rotineiras da enfermeira, Clarke deixou sua imaginação viajar com as novas possibilidades do seu futuro ao lado da mulher que amava.
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Where the Light Won't Find Us
FanfictionO Beco da Perdição é o bairro mais pobre de Washington, capital dos Estados Unidos. Vendo a população dele sofrer por conta da Recessão causada pela Crise de 29 e o aumento drástico de ladrões e estupradores, Clarke Griffin decide fazer justiça com...