O soco acertou Clarke Griffin em cheio no nariz. Ela sentiu a cabeça zunir. O inchaço começou tão logo ela se afastou para recuperar o fôlego. Aquela briga não estava indo como esperava.
Clarke tinha esperanças de ganhar nos primeiros minutos, mas já se passava quase dez e o garoto com quem lutava não caíra nenhuma vez. Maldição, ela xingou em sua mente. Ele era magrelo, porém tinha uma força que nunca vira em nenhum dos ladrões que circulavam pelo Beco da Perdição. Se não reagisse logo, provavelmente iria perder a luta e então sua reputação estaria por um fio.
Ela esperou que o adversário se aproximasse. Ergueu as mãos em punhos e aguardou. Do lado de fora do ringue, ela ouvia gritos lhe apoiando e a incitando para avançar. A luta acontecia num local sem muita iluminação, por isso Clarke não conseguia enxergar o olhar de seu adversário. Presumia que queria espancá-la da mesma maneira que ela desejava.
De supetão, Clarke atacou. Lançou-se contra o magricelo e meteu-lhe um soco de direita, arrancando palmas da plateia. Ele cambaleou, mas o golpe não fez mais que isso. Clarke xingou em voz alta, provocando o adversário. Ele limpou o sangue que saía de seu lábio e sorriu com os dentes vermelhos.
Clarke engoliu em seco. É, ela perderia essa. O magrelo avançou para cima dela e socou seus braços levantados até conseguir uma brecha para acertar seu rosto. Clarke tentou aguentar o quanto pode, porém já estava fraca. Assim que olhou fundo nos olhos do adversário, ele deu-lhe um gancho de esquerda que fez seus braços fraquejarem. O magrelo aproveitou a vantagem e deu um soco no estômago de Clarke, seguido de outro golpe em seu maxilar. Clarke ajoelhou, gemendo, e seu adversário terminou a luta com uma cotovelada na parte de trás de seu pescoço.
Clarke caiu deitada no chão e aceitou a derrota como boa perdedora que era. Ela ficou no chão enquanto o juiz dava a vitória para o magrelo e a multidão ia à loucura.
Ninguém lhe ajudou a levantar. Ninguém se importaria se ela morresse ali mesmo. Era como as coisas aconteciam no Beco da Perdição. Clarke já deixara muitos oponentes no mesmo chão que agora deitava. Era a primeira derrota dela desde que se tornara a Vigilante do bairro. Talvez assim as suspeitas que o povo tinha de sua verdadeira identidade diminuísse.
Ela lutava mais pelo dinheiro do que pela suspeita. Pike, o dono do clube da luta, dava uma quantia boa para quem ganhasse mais de cinco lutas seguidas. Hoje, no entanto, ela provavelmente voltaria para o casebre que morava com nada. Clarke rezava que sua amiga Raven não tivesse apostado todas as suas economias nela.
— Sua inútil! — exclamou uma voz que Clarke conhecia bem. Lá estava os pés de Raven na sua frente. — Eu apostei 10 pratas em você e perdi tudo! Porra, Clarke!
— Raven, ela acabou de ser espancada. — Octavia, outra amiga de Clarke, tentou acalmá-la. — Vamos levantá-la e então contamos sobre o dinheiro.
Clarke agradeceu a bondade de Octavia com um olhar. Ela se levantou com dificuldade e viu que não havia mais ninguém no ringue a não ser as três. Podia ouvir a voz alta de Pike em seu escritório. O magrelo deveria estar recebendo seu prêmio naquele momento.
— Você foi bem até à quarta rodada — elogiou Octavia. Clarke se apoiava nela para sair do ringue. Raven rondava as duas e às vezes lançava olhares de ódio à Clarke. — Mas aquele garoto acabou com você. Sabe quem é?
— Não faço ideia.
— Seja quem for, vou apostar nele na próxima — comentou Raven, azeda.
— Você é uma péssima amiga, sabia? — Clarke contrapôs, apertando o local onde o magrelo lhe dera o soco na barriga.
Raven não respondeu. Clarke, Octavia e Raven eram companheiras de casebre, por assim dizer. Clarke morava na mesma casa com Raven, e Octavia vivia no andar de cima com seu irmão e marido. Os cinco trabalhavam duro para manter o lugar. Ninguém tinha dinheiro suficiente para sair do Beco da Perdição, então era melhor ficar com gente conhecida do que pessoas estranhas — e acredite, havia muita gente estranha circulando pelo bairro.
— Griffin! — Pike chamou quando Octavia levava Clarke para a porta de saída do clube. — Esqueceu do seu pagamento?
Charles Pike era um homem alto, careca e com um cavanhaque muito bem feito. Ele possuía cicatrizes nos braços por conta da sua participação na guerra e, apesar de suas histórias sempre parecerem divertidas, Clarke conseguia sentir a tristeza de seu relato toda vez que os descrevia. Ele tinha chegado a sargento major do exército dos Estados Unidos, um ato e tanto para um homem negro, e todo mundo no Beco o respeitava por isso. Porém, ao voltar da guerra, Pike não conseguiu arranjar nenhum emprego digno e começou a incentivar lutas no bairro, se tornando ilegalmente um pequeno empresário.
Clarke franziu o cenho.
— Mas eu perdi a última...
— Peculiaridades — interrompeu Pike, dando um sorriso amarelo. Ele entregou vinte dólares na mão machucada de Clarke. — Você é minha melhor lutadora. Só não deixe que os outros saibam disso.
O magrelo passou pelo grupo no exato momento que Pike terminou a frase. Ele encarou Clarke por alguns segundos antes de abrir a porta e sair noite afora. Clarke mordeu o lábio sangrando e fez uma expressão confusa.
— Quem é ele? — Ela apontou para a porta e direcionou a pergunta a Pike.
— Mais um garoto com sonhos. Disse que chegou a Washington tem pouco tempo e precisava de dinheiro para se manter. Derrotou todo mundo com muita facilidade.
— Não brinca — disse Raven, olhando de soslaio para Clarke.
— Valeu, Pike — disse Clarke antes que Raven pudesse falar outra coisa. Ela apertou a mão do homem e sentiu seus calos e anéis contra sua mão dolorida. — Nos vemos semana que vem.
— Ele parecia treinado — comentou Octavia baixinho. — O jeito que ele te deixou quase inconsciente no final... aquele golpe era do exército, já vi Bellamy praticando um dia.
— Mas ele é um moleque — retrucou Raven. — Não deve ter idade para entrar em exército nenhum. E se tivesse, duvido que iriam ensinar coisas de um tenente para um simples soldado.
Clarke ponderou. Dentro do ringue, os movimentos de Aden pareciam normais a ela. Contudo, também estranhava que um rapaz tão jovem e magrelo soubesse de golpes e artimanhas ensinadas no exército. Além disso, a história que Pike contara não cheirava muito bem para ela. Todo mundo procurava evitar o clube. Aden parecia jovem demais para se meter em confusões daquele tipo.
— Vou me preocupar com isso amanhã — Clarke disse de maneira resoluta. — Meu nariz está inchado demais para que eu pense em qualquer outra coisa.
— Lincoln vai deixar você inteira de novo — disse Octavia com um sorriso complacente. — Ninguém vai lembrar que um novato quebrou seu nariz.
Clarke forçou uma risada. Suas costelas arderam em dor.
— Assim eu espero.
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Where the Light Won't Find Us
Fiksi PenggemarO Beco da Perdição é o bairro mais pobre de Washington, capital dos Estados Unidos. Vendo a população dele sofrer por conta da Recessão causada pela Crise de 29 e o aumento drástico de ladrões e estupradores, Clarke Griffin decide fazer justiça com...