— Onde está indo? — A pergunta surgiu na escuridão do cômodo. Clarke acabara de abrir a porta do casebre silenciosamente para ir se encontrar o contato da polícia.
Ela parou e virou-se para encontrar Lincoln. Ele tinha os braços cruzados e uma expressão irritada no rosto. Clarke engoliu em seco. Geralmente, conseguia se livrar das pessoas com quem morava perguntando aonde ia na calada da noite, mas aparentemente hoje a sorte não estava ao seu lado.
— Eu... ahm... — gaguejou, tentando pensar rápido em uma desculpa. Ela tirou a bandana que usava para esconder seu rosto do pescoço antes que Lincoln ligasse a luz e a visse. — Preciso visitar o Pike. Ele tá me devendo uma grana.
Lincoln estreitou os olhos e se aproximou de Clarke. Ele podia sentir uma mentira há quilômetros de distância.
— Clarke, eu sei o que você faz à noite — sussurrou Lincoln. — Não precisa inventar histórias para mim. Seu estoque acabou há um mês, por aí, quando você disse que tinha tropeçado e caído em cima de um cachorro.
Clarke ficou quieta por um minuto inteiro, tentando digerir a fala dele. Ela sabia que não era muito boa em mentiras, mas todo mundo tinha acreditado nelas nos últimos meses. Era de se esperar que Lincoln também fizesse o mesmo — ou pelo menos tivesse a decência de fingir que acreditava.
— Você não pode contar para ninguém, Lincoln — murmurou Clarke após recuperar sua voz. Ela se aproximou do amigo e colocou suas mãos ao redor das dele. — As coisas estão perigosas. Se alguém descobrir que sou eu, vocês serão usados como isca. Não posso permitir isso.
Lincoln se desvencilhou gentilmente de Clarke e a englobou em um abraço caloroso. O peso do Beco da Perdição inteiro pareceu sair dos ombros da mulher. Ele tinha aquele poder, de fazer tudo parecer mínimo na sombra de um carinho.
— Vá pegá-los, Clarke — disse Lincoln. — Só não se machuque muito. Sabe como Raven fica quando você fica incapacitada para lutar.
Clarke riu baixinho. As lutas de Pike retornariam dali duas noites e ela não poderia perder, como da última vez, ou Raven a faria comer lama da parte baixa do Beco. Dando um último abraço em Lincoln, ela saiu porta afora, em direção à mais informações sobre o Assassino.
Ela colocou a bandana e subiu no cano de escoamento de seu casebre para navegar pelos telhados do Beco. Clarke avisara para o informante que encontraria ele na última rua do bairro. Ironicamente, o Beco ficava próximo de um bairro de classe alta de Washington, e a maioria dos que tinham empregos ali trabalhavam como capacho dos ricos da cidade.
O informante já estava esperando. A lua não brilhava no céu naquela noite, trazendo tranquilidade para os dois que não queriam ser identificados. A bandana cobria parte do rosto de Clarke e ela se sentiu encorajada a se aproximar mais do garoto. Quando estavam a três metros de distância, o informante falou.
— Pode ficar aí — disse, tentando utilizar a mesma técnica que Clarke usava para esconder sua voz. Contudo, ele era apenas um menino fingindo voz grossa.
Ele tirou da camisa que usava uma pasta e a empurrou para Clarke. Ela a pegou e folheou, tentando tirar ao máximo do que podia com a fraca luz que vinha dos postes do bairro rico embaixo deles.
— Não temos muita coisa no Assassino — explanou o garoto. — Sabemos o modus operandi e só. Ele gosta de fatiar as vítimas. Tirar seu sangue. A detetive não faz ideia do porquê.
Clarke virou de costas para o informante e acendeu o isqueiro que sempre carregava no bolso. As fotos do arquivo do Assassino eram arrepiantes. Os outros crimes tinham sido tão cruéis quanto os de Harper. O que o garoto falara também estava lá nos laudos: nenhum sangue e órgãos fatiados. Quem seria tão ruim para fazer tais atrocidades?
Virou a página do dossiê e se deparou com várias fotos em má qualidade de um mesmo símbolo. Eram três triângulos entrelaçados. Ela tinha visto aquele símbolo no corpo de Harper, dias antes. Parecia ter sido prensado contra o corpo dela, provavelmente deixando o local onde fora marcado em carne viva logo em seguida.
— O que sabem sobre o símbolo? — perguntou Clarke, ainda de costas para o garoto.
— Como já disse, não muito — respondeu ele, esgotado. Clarke continuou observando a página com os símbolos. Pelas fotos, os corpos eram marcados em lugares diferentes. — A detetive não consegue fazer a ligação entre os crimes e ele.
— Eu já vi esse símbolo, bem aqui no Beco — confessou a mulher, fechando o dossiê e virando-se para o informante. — Não lembro onde, mas vou encontrá-lo de novo.
Clarke devolveu a pasta da mesma forma que o garoto lhe tinha entregado. Ela estava assustada, pois não tinha feito a ligação antes. Ao ver o corpo de Harper em seu casebre, já tinha visto o símbolo do Assassino. Em algum outro lugar, mas no bairro onde morava. Precisava tirar um tempo para perambular pelo Beco. Só assim voltaria a esbarrar com aquele símbolo macabro.
— Vou passar o que disse para a detetive — disse o garoto. — Quando será o nosso próximo encontro?
— Sábado — revelou Clarke. — Perto do boticário.
A sombra do garoto balançou a cabeça, assentindo, e desceu o telhado, sem fazer nenhum barulho. Clarke ficou impressionada em como ele melhorara seus passos em tão pouco tempo. Ela ainda ficou por alguns instantes ali, ponderando tudo o que acontecera naquela noite.
Lincoln sabia seu segredo. Ele ficaria de boca fechada, tinha certeza, mas não deixava de ter medo pelo amigo. Se algum dos figurões do Beco soubessem que ele poderia ter uma pista que levasse a ela... Lincoln seria torturado antes que Clarke pensasse em ter a chance de salvá-lo. Não poderia viver sabendo que era o motivo da dor dele e de Octavia.
A tal da detetive Woods também não saía da sua cabeça. Queria poder vê-la novamente... Talvez no próximo encontro, ela aparecesse e não seu informante. Clarke duvidava disso, mas não poderia deixar de ter esperanças. Havia algo que a atraía àquela mulher e tinha quase certeza de que ela sentia o mesmo.
Agora, trabalhavam juntas sem realmente saber. Quanto tempo levaria até elas se encontrarem oficialmente, vigilante e detetive?
Clarke ouviu um barulho, tirando-a de seu devaneio. Ela apurou os ouvidos e pulou de teto em teto até se aproximar da confusão. Tinha que se preparar para voltar a lutar nas noites seguintes e nada melhor do que um treino batendo em potenciais estupradores e ladrões.
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Where the Light Won't Find Us
Fiksi PenggemarO Beco da Perdição é o bairro mais pobre de Washington, capital dos Estados Unidos. Vendo a população dele sofrer por conta da Recessão causada pela Crise de 29 e o aumento drástico de ladrões e estupradores, Clarke Griffin decide fazer justiça com...