Capítulo 8

4.6K 404 711
                                    

Ainda recebendo seu toque delicado e viciante sobre a extensão da minha pele, fechei os olhos absorvendo aquele gesto delicado que me deixava nas nuvens. Seu dedo parou no meu quadril, alisando cuidadosamente os traços de tinta permanente.

— Sua tatuagem é linda. — seu hálito quente bateu em minha bochecha.

Olhei para ela lembrando-me do dia em que me decidi por fazê-la. O contorno das pequenas ondas ilustrava minha pele, fazendo meu coração acelerar devido a importância daquele pequeno símbolo.

Com 15 anos, minha vida estava desmoronando. A realidade dos problemas começou a pesar, trazendo o vislumbre de uma vida adulta antes da hora. Saía da escola direto para o emprego de meio turno, no qual eu recebia 10 dólares por semana, inicialmente. A rotina exaustiva era a melhor distração que eu poderia ter. Eu estava certa do meu objetivo: sair de San Diego.

Um ano se passou. Após contar o dinheiro, guardado embaixo do colchão, e ver que a quantia era o suficiente para minha passagem e meus gastos adicionais, entrei em pânico. Mesmo tendo a ajuda secreta da tia Laura, enquanto eu estivesse em solo californiano era eu por mim mesma. Todas as possibilidades de aquilo dar errado vieram a mente — junto com uma puta crise de pânico.

Naquela noite, mamãe não estava em casa. Seu trabalho tomava a maior parte de seu tempo, principalmente a noite. Sua carreira como radialista na rádio local de San Diego era a prioridade número 1 em sua vida — logo depois vinha eu, segundo ela.

Então, aproveitando sua ausência, corri até seu banheiro minúsculo compondo a suíte de seu quarto, abri o pequeno armário de remédios e os analisei. Olhei um por um verificando as cores das faixas. Quando a cor preta se destacou, senti meu estômago embrulhar instintivamente. Minutos se passaram até eu pegar o frasco e perceber que seu interior estava vazio.

Não havia nenhum comprimido.

O choro veio logo em seguida. Percebi o erro que eu estava prestes a cometer. Tomar várias pílulas tarja preta não iria dar fim a confusão em minha mente. Só iria jogar fora um ano de trabalho duro — já que eu provavelmente morreria.

Deixei que o choro lavasse minha alma. Até me senti melhor na hora seguinte a crise.

Reuni o dinheiro, meus pertences e meus sonhos. Fiz uma busca rápida na internet resolvendo a questão da passagem aérea. Saquei do meu bolso a identidade falsa, que havia me custado dois meses de trabalho, vislumbrando meu possível recomeço.

Antes de deixar para sempre San Diego, fui até o estúdio de tatuagem de um amigo a fim de me despedir. Não dele, mas daquilo de bom que vivi em todos aqueles anos. Seria pessimismo meu dar atenção só às partes ruins do período na Califórnia, então resolvi deixar marcado na pele o que me trouxe paz nos dias mais angustiantes: o mar.

Os traços dolorosos deixados pela máquina eram revigorantes. A leve ardência em meu quadril não foi o motivo das lágrimas que ameaçavam escapar, mas a sensação de vazio. Entrar naquele avião foi muito custoso, entretanto, sou grata por ter me agarrado no fio de esperança que ainda restava dentro de mim. Foi por ele que consegui chegar onde cheguei.

— Sim, ela é. — concordo minutos depois. Espanto as lembranças concentrando-me nos traços negros da tatuagem de Nick. Contive minha euforia, já que seria muito estranho se ele soubesse o quanto eu pensava naquela tatuagem.

Passo, lentamente, os dedos por cima dela apreciando o belo trabalho fixado em sua pele. Os detalhes da bússola eram fascinantes e, juro, que poderia ficar horas observando.

— A sua é extraordinária. — sustento aquele elogio com um meio sorriso — Tem ela há quanto tempo?

Seu olhar desce para seu próprio antebraço e percebo uma ruga se formar entre suas sobrancelhas.

HEARTLESSOnde histórias criam vida. Descubra agora