Capítulo 14

3.2K 360 503
                                    

— Cheguei!

Tomada pelo susto, solto um grito estridente, que leva Vee a dar um pulo da cama e bater a cabeça fortemente contra o estrado madeirado do beliche. Acabo borrando a camada de vermelho cintilante sobre minhas unhas e sinto-me tentada a esganar Jordana por isso, ou obriga-la a refazer meu trabalho medíocre e sem vergonha. Droga, eu tinha acabado de pinta-las. Levei uma eternidade para deixa-las no máximo agradáveis de longe, contornando as bordas com palito e algodão mergulhado em acetona. Precisei ouvir também as reclamações de Vee sobre o cheiro forte do removedor. "Meus olhos estão lacrimejando. Guarda. Essa. Merda.", foi o que ela disse, quase me levando a ataca-la com o palito afiado entre meus dedos. O que eu usaria para limpar os cantos sujos de esmalte? Cuspe? Culpo devidamente meu mau-humor por ser tão idiota — mesmo que em pensamento –, mas essa manhã não foi uma das melhores, começando pelo fato de eu ter recebido uma mensagem um tanto estranha. Deixei esse assunto de lado por não saber como lidar e foquei em coisas básicas para o meu encontro, como pintar unhas.

Pacientemente, pedi a Vee a sugestão de algum produto para substituir a maldita acetona que enjoava até a mim. "Removedores naturais. Tem uma marca orgânica maravilhosa que, além de limpar, deixa a pele em volta bem macia e suave ao toque. Você sabe, Heyoon está me ajudando nesse processo de adaptação. Cosméticos, roupas, comida... vai ser uma mudança e tanto.", respondeu entusiasmada, contrariando seu comentário "Guarda. Esta. Merda". Tê-la como colega de quarto era saber sobre suas incontáveis variações de humor, então nem perdi meu tempo ficando ofendida ou algo assim. Abri um sorriso quase que de imediato e me permiti ser contagiada pelo seu entusiasmo.

Vee, há alguns dias, havia chegado no dormitório com um sorriso estampado no rosto, tagarelando sem parar sobre como queria virar vegana assim como Heyoon, sua professora de yoga. Seus olhos brilhavam enquanto ela narrava a conversa das duas e, sinceramente, os meus também, porque ela estava tão contente e ver Vee daquele jeito era um acalento, principalmente porque sua semana estava sendo tão merda quanto a minha. Não conhecia muito sobre o veganismo — ou até mesmo sobre o vegetarianismo —, mas fiquei tentada a fazer mil perguntas e até mesmo algumas anotações.

Ainda estava ouvindo sobre a diferença entre produtos orgânicos e veganos, quando o terceiro elemento enviado diretamente do inferno adentrou o quarto, gritando e me fazendo borrar a unha.

— Porra, olha o que você fez! — ergui o dedo médio a fim de mostrar o estrago, sem peso na consciência por acabar servindo de ofensa a Jordana. Recebi uma língua para fora como resposta.

Idiota.

Vee choraminga, fazendo a maior cena devido ao galo que provavelmente se formaria no topo de sua cabeça. Suas mãos acarinhavam a região na tentativa de espantar a dor.

— Desculpa por isso Vee, mas para você, Rivera, é bem feito.

E lá vamos nós...

— Jordana, já faz uma semana. Não acha que está na hora de virar a página? Eu já me desculpei.

— Não estou a fim. — sua carranca se intensifica, obrigando-me a rolar os olhos.

— Vee já me perdoou. — o que era uma meia-verdade, mas Jordana não precisava saber e Vee estava preocupada demais procurando algum sinal de sangue entre os fios do couro cabeludo.

— Vee é uma pessoa e eu sou outra. Por enquanto, vou continuar irada com você.

Dou de ombros, desistindo de relutar contra a teimosia em pessoa e me concentrei em consertar o vermelho borrado.

— Ele vai passar para te buscar? — grita Vee do banheiro.

— Não combinamos ainda. — de fato eu não tinha pensado nisso, o que me faz pegar o celular na mesinha de cabeceira e mandar uma mensagem breve para Alex.

HEARTLESSOnde histórias criam vida. Descubra agora