Não posso acreditar no que minha mãe está me dizendo. Apesar de conviver com ela há 25 anos e estar certa de que a conheço bem, Haidê Dias da Silva ainda tem o poder de me surpreender.
— Mãe, você pretende tirar todos os objetos pessoais e móveis da casa do meu avô e da minha avó, depois de amanhã, e JÁ colocar a casa à venda dois dias depois?!
— É exatamente isso. Você e Amora vão comigo, no sábado, para ajudar a tirar as roupas, as coisas da cozinha, da sala e do quarto do casal. O outro quarto já está vazio, ainda bem. Raul e o Dalton também vão ajudar com os móveis.
— E o que vocês vão fazer com todas as coisas? Os móveis, os enfeites, os objetos da cozinha, as roupas da vó Helena?
— O Exército da Salvação vai retirar. Amora deu a ideia de distribuir numa favela. Mas eu não aceitei. Essas favelas são cheias de marginais. Sei lá o que podem fazer com a gente se entrarmos no território deles. Os necessitados que corram atrás, se quiserem — ela continua a falar. A cobiça brilha em seus olhos. — Já falei também com uma imobiliária, e o corretor vai no sábado mesmo fazer uma vistoria para avaliar a casa. Seu avô deixou tudo em usufruto. Como sua avó morreu, podemos vender a casa na hora que a gente quiser para dividir a herança.
Mas o corpo de vó Helena nem esfriou! — quero gritar. Engulo cada palavra e digo:
— Não seria melhor esperar passar a missa de sétimo dia, pelo menos? Daí, poderemos, primeiro, analisar tudo com mais calma. Eles viveram ali por mais de 50 anos, mãe. Não acho legal desfazer de tudo em um dia.
Está certo que vô Getúlio não morou por todo esse tempo na casa. Lá se vão mais de dez anos desde que ele faleceu de infarto. Porém, eu estava pensando mais em minha avó. O que ela estaria sentindo se pudesse nos ver de onde está? Que somos insensíveis. E loucos por dinheiro!
— Não discuta comigo, Anabel. Já acertei tudo. Estou apenas te comunicando para que não invente nada para fazer no dia. — Afasta a cadeira da mesa, levanta e coloca o prato vazio dentro da pia.
— O que você pretende fazer com o dinheiro da venda, mãe? — Sinto cada célula de meu corpo ser preenchida com ansiedade, na expectativa da resposta.
— Bom, Raul andou pesquisando os preços de imóvel no bairro de sua avó. Ele disse que a casa vale em torno de R$ 150 mil. A casa é pequena, a última reforma foi antes de seu avô morrer... Além disso, aquele bairro não valorizou tanto nos últimos anos, porque o shopping e a estação de metrô não ficam tão perto. Se vendermos por esse valor, cada irmão vai receber por volta de R$ 45 mil, porque é preciso dar uma porcentagem para a imobiliária. E, bem — parece subitamente constrangida —, nossa casa já foi quitada faz um tempinho. Você tem carro e eu também. Apesar do Corsa não ser a oitava maravilha do mundo, não quero arcar com o IPVA de um carro mais caro. E nem seguro. Trocamos os móveis da cozinha recentemente (Com o meu dinheiro. Isso ela não diria, claro)...
— Você está pretendendo redecorar a sala? — Pela terceira vez! Seguro-me para não jogar na cara dela.
— Não, claro que não. Que ideia, Anabel! Troquei o sofá no ano passado. O rack e a mesinha de centro são de madeira maciça. Vão ainda durar um tempo.
— Então, como pretende usar o dinheiro? — A esperança decide fazer companhia à ansiedade. De repente, me pego, mais uma vez, acreditando que a morte de vó Helena possa mudar minha mãe.
— Você sabe que tenho um sonho há muitos anos, mas que com o nosso orçamento é impossível de realizar. Ainda mais com o preço exorbitante dos remédios do Alan (Que eu também pago, diga-se de passagem)...
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A missão de Anabel (DEGUSTAÇÃO)
Genç Kız EdebiyatıUma carta a conduziu à jornada mais transformadora de sua vida... e ao encontro do amor. Anabel desistiu de todos os seus sonhos quando o pai morreu há cinco anos. Na mesma época em que ela foi obrigada a assumir o posto de chefe da família e decidi...