II

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Ok, talvez eu fosse um pouco trouxa por aquele cara.

Quem eu queria enganar? Eu simplesmente era muito trouxa. E não só por ele, mas sim qualquer ser humano que não me ignorasse.

A pequena caixa de cigarros jazia na minha mão, intocada. Eu já começava a sentir calafrios pelas minhas pernas por causa da quantidade de tempo fora de um local devidamente aquecido. Ok, talvez não fosse só por isso... Meus vasos sanguíneos pareciam pulsar e querer sair do meu corpo, de tamanho nervosismo que sentia. Talvez por isso não eu não havia congelado ainda. As pontas dos meus dedos adquiriam uma coloração diferente e percebi que definitivamente precisava de um local aquecido. Sendo assim, decidi entrar na padaria.

É, eu sei que deveria estar em casa e respeitar a quarentena, saindo apenas quando necessário. É, eu sei que não deveria estar me envolvendo com um médico que chega a ser um vírus ambulante.

Mas eu deveria compensar a perda dos cigarros dele ontem... Certo?

Olhava para a pequena caixa de câncer ambulante e percebi o quão certinho eu era, já que nunca havia colocado um desses na boca. Na verdade, o cheiro de cigarro sempre me deixava enjoado, já que era forte demais e parecia muito tóxico. Desde pequeno lidei com vícios dentro de casa, e minha mãe conseguir largar o cigarro sempre foi um exemplo pra mim, tanto de superação quanto de que aquele pequeno tubo branco fazia mal à saúde. Um pouco de curiosidade tomou conta de meu corpo e eu estava prestes a pegar um e acendê-lo com o isqueiro que também havia sido comprado, como compensação. Queria saber a sensação que tinha ao fumar um daqueles, essa sensação prazerosa que fazia um profissional da saúde, ciente dos malefícios que aquilo causaria, ficar grudado a uma caixa e fumar quando oportuno.

- O que faz aqui? – Estremeci e pulei da cadeira onde estava sentado, ao que meu celular caía no chão devido ao susto. Frank bufa e se abaixa, no intuito de pegar o aparelho, fazendo-me ter uma visão e um pensamento que definitivamente não queria. Não ali, e sim na minha cama, fazendo sexo casual com aquele tatuado. Argh, realmente fazia muito tempo.

Não pude deixar de ruborizar, envergonhado pelos meus pensamentos, pois Frank me olhava com uma expressão que, pelos olhos levemente reduzidos e sobrancelhas arqueadas, era definitivamente de nojo, mesmo com a máscara ocultando boa parte de seu rosto. A possibilidade de ele saber ler mentes e tê-la feito com a minha passou por instantes pela minha mente, assim como flashes da guerra do Vietnã e tal. Brincadeira. Logo descobriria que aquela era a habitual expressão de superioridade que ele tinha.

- Pensei em compensar o que... Ham... Fiz ontem. – Dei um sorriso simples, ocultado pela máscara, tentando cortar o silêncio estranho instaurado pela minha reação exagerada. Estendi o maço de cigarro e o isqueiro, dando-lhe a visão completa dos itens que tinha em mãos. Por um momento, vi o rosto de Frank relaxar, como que em um contentamento contido.

- O que você fez foi realmente gentil, mas me ajudaria, assim como todas as outras pessoas, ficando em casa. – Disse, voltando ao seu estado de espírito normal. "Caralho, será que não dá pra ser nem um pouco simpático?!", indaguei sozinho, esperando não ser escutado. Aparentemente, a audição dele era bem melhor que a minha, danificada pela música alta nos headphones desde a adolescência. – Eu estou sendo simpático, Gerard.

- Que nem um coice de mula. – Respondi, irritado. Ele ainda tinha a audácia de fingir que se interessava em ser educado?! Ok, talvez eu estivesse um pouco errado, mas eu tinha comprado um isqueiro com um estetoscópio! E, sendo bem sincero, nunca pensei que fogo seria tão caro na minha vida. O menor ri, observando melhor seus presentes.

quarantine • frerardOnde histórias criam vida. Descubra agora