IV. A casa do mineiro

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Está a ceia na mesa. Torne o bom acolhimento desculpável o mau passadio.
 Walter Scott, Ivanhoé



Quando assomaram os dois viajantes à entrada do terreiro que rodeava a vivenda de Pereira, correram-lhes ao encontro quatro ou cinco cães altos e magros, que aos pulos saudaram o dono da casa com uma cainçada de alegria.

Puseram-se algumas galinhas a girar atarantadas, ao passo que vários galos, já empoleirados na cumeeira da morada, bradavam novidade e uns porcos e bacorinhos aqui e acolá se erguiam dentre palhas de milho e, estremunhados, olhavam para os recém-chegados com olhos pequenos e cheios de sono.

Do interior da habitação, não tardou a sair uma preta idosa mal vestida, trazendo atado à cabeça um pano branco de algodão, cujas pontes pendiam até ao meio das costas.

– Olá, Maria Conga – perguntou Pereira, que há de novo por cá?

– A bênção, meu senhor, pediu a escrava chegando-se com alguma lentidão.

– Deus te faça santa – respondeu o mineiro. Como vai a menina? Nocência?

– Nhã está com sezão.

– Isto sei eu, rapariga de Cristo; mas como passou ela de trasantontem para cá?

– Todo o dia, vindo a hora, nhã bate o queixo, nhor-sim.

– Está bem... É que o mal ainda não abrandou... Daqui a pouco, veremos. E a janta?... Está pronta? Venho varado de fome. Que diz, Sr. Cirino? – indagou, voltando-se para o companheiro.

– Não se me dava também de comer alguma coisa. Temos razão para...

– Pois, então – interrompeu Pereira –, ponha pé no chão e pise forte que o terreno é nosso. Minha casa, já lho disse, é pobre, mas bastante farta e a ninguém fica fechada.

Deu logo o exemplo e descavalgou do cavalinho zambro, o qual foi por si correndo em direção a uma dependência da casa com formas de tosca estrebaria.

Apeou-se igualmente Cirino, mas, ao penetrar numa espécie de alpendre de palha que ensombrada a frente toda, mostrou repentina e viva contrariedade no gesto e na fisionomia.

– Ora, Sr. Pereira – exclamou ele batendo com o tacão da bota num sabugo de milho –, só agora é que me lembro que as minhas cargas vão todas tomar caminho do Leal e aqui me deixam sem roupa, nem medicamentos. Que maçada! Devíamos ter esperado na boca da sua picada.

Respondeu-lhe o mineiro todo desfeito em expansivo riso:

– Olé, pois o doutor é tão novato assim em viagens? Então pensa que lá não deixei aviso seguro à sua gente? Não se lembra de um ramo verde que pus bem no meio da estrada real?

– É verdade – confirmou Cirino.

– E, então? Daqui a pouco a sua camaradagem está batendo o nosso rasto. Entremos, que a fome já vai apertando.

Consistia a morada de Pereira num casarão vasto e baixo, coberto de sapé, com uma porta larga entre duas janelas muito estreitas e mal abertas. Na parede da frente que, talvez com o peso da coberta, bojava sensivelmente fora da vertical, grandes rachas longitudinais mostravam a urgência de serias reparações em toda aquela obra feita de terra amassada e grandes paus-a-pique.

Ao oitão da direita existia encostado um grande paiol construído de troncos de palmeiras, por entre os quais iam rolando as espigas de milho, com o contínuo fossar dos porquinhos, que dali não arredavam pé.

Inocência (1872)Onde histórias criam vida. Descubra agora