Estão contados os grãos de areia que compõem a minha vida. É aqui que devo tombar. É aqui que ela há de acabar.
Shakespeare, Henrique V, Ato IEis que vi um cavalo amarelo, e quem o montava, era a morte.
São João, Apocalipse
Durante três dias, foi Cirino rigorosamente espreitado pelo noivo de Inocência.
Com a cautela própria dos seus hábitos esquivos, soube Manecão acompanhar-lhe todos os passos sem ser pressentido.
Assim notou que o rival montava a cavalo e ia até certo ponto da estrada como que esperar por alguém que não chegava. Na ida, mostrava impaciência e inquietação; na volta vinha melancólico e curvado sobre si mesmo, absorto em fundo meditar.
Ia o infeliz mancebo ao encontro de Cesário; mas este não aparecia.
Estava quase expirado o prazo combinado, e prestes a soar a hora do completo desengano.
Oh! Se ele pudera!... Agarraria com forças de Josué esse sol que lhe marcava os dias e o deixaria imóvel, até que o seu salvador se resolvesse a estender-lhe a mão.
E já ia findando a semana!...
Completo o círculo de horas, se Cesário não aparecesse, começava a imperar o juramento que dera, irrevogável, implacável!
– Matar-me-ei – dizia Cirino –, ficarão sabendo que não menti às minhas palavras.
Nessa firme resolução saiu da vila; passou o Rio Paranaíba e, como costumava, caminhou pela estrada de São Francisco de Sales, talvez três léguas. Contava pousar por aqueles sítios de modo que alongava o seu passeio.
Claro era o dia; lindo.
Por toda parte cantavam mil pássaros. Gritavam as gralhas nos cerrados; piavam as perdizes no relvoso chão.
Cirino ia multo agitado. Nada ouvia; os seus olhos, fitos sempre na frente, buscavam na estrada, ansiosos, o vulto de um cavaleiro.
Soou-lhe de repente aos ouvidos o tropel de um animal.
Alguém vinha a galope.
Seu coração pulsou que parecia ter entrado também a galopar.
Mas o som partia de detrás.
Sem dúvida, algum viajante vindo da vila.
Continuou Cirino na vagarosa marcha.
O estrupido vinha indicando carreira folgada e que breve consigo estaria emparelhando, quem extravagantemente em hora tão imprópria corria à desfilada.
O mancebo de nada cuidava, tanto que mal reparou que alguém a trote largo passara por perto de si, quase a roçar animal contra animal.
Dali a pouco, novo galope se fez ouvir.
Parecia que o mesmo cavaleiro havia dado de rédeas, cortando o rumo que levava.
Dessa vez, porém, Cirino acordou do letargo, esporeou vigorosamente a sua cavalgadura e... esbarrou com Manecão.
Instintivamente empalideceu. O outro estava também muito descorado.
Estacaram eles os animais e fitaram-se alguns minutos, de um lado com desconfiança e pasmo, de outro com mal concentrado furor.
– Patrício – interpelou por fim o capataz em tom provocador –, que faz mecê por aqui?
– Eu? – perguntou Cirino.