XXX. Desenlace

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Estão contados os grãos de areia que compõem a minha vida. É aqui que devo tombar. É aqui que ela há de acabar.
Shakespeare, Henrique V, Ato I

 Eis que vi um cavalo amarelo, e quem o montava, era a morte. 
São João, Apocalipse



Durante três dias, foi Cirino rigorosamente espreitado pelo noivo de Inocência.

Com a cautela própria dos seus hábitos esquivos, soube Manecão acompanhar-lhe todos os passos sem ser pressentido.

Assim notou que o rival montava a cavalo e ia até certo ponto da estrada como que esperar por alguém que não chegava. Na ida, mostrava impaciência e inquietação; na volta vinha melancólico e curvado sobre si mesmo, absorto em fundo meditar.

Ia o infeliz mancebo ao encontro de Cesário; mas este não aparecia.

Estava quase expirado o prazo combinado, e prestes a soar a hora do completo desengano.

Oh! Se ele pudera!... Agarraria com forças de Josué esse sol que lhe marcava os dias e o deixaria imóvel, até que o seu salvador se resolvesse a estender-lhe a mão.

E já ia findando a semana!...

Completo o círculo de horas, se Cesário não aparecesse, começava a imperar o juramento que dera, irrevogável, implacável!

– Matar-me-ei – dizia Cirino –, ficarão sabendo que não menti às minhas palavras.

Nessa firme resolução saiu da vila; passou o Rio Paranaíba e, como costumava, caminhou pela estrada de São Francisco de Sales, talvez três léguas. Contava pousar por aqueles sítios de modo que alongava o seu passeio.

Claro era o dia; lindo.

Por toda parte cantavam mil pássaros. Gritavam as gralhas nos cerrados; piavam as perdizes no relvoso chão.

Cirino ia multo agitado. Nada ouvia; os seus olhos, fitos sempre na frente, buscavam na estrada, ansiosos, o vulto de um cavaleiro.

Soou-lhe de repente aos ouvidos o tropel de um animal.

Alguém vinha a galope.

Seu coração pulsou que parecia ter entrado também a galopar.

Mas o som partia de detrás.

Sem dúvida, algum viajante vindo da vila.

Continuou Cirino na vagarosa marcha.

O estrupido vinha indicando carreira folgada e que breve consigo estaria emparelhando, quem extravagantemente em hora tão imprópria corria à desfilada.

O mancebo de nada cuidava, tanto que mal reparou que alguém a trote largo passara por perto de si, quase a roçar animal contra animal.

Dali a pouco, novo galope se fez ouvir.

Parecia que o mesmo cavaleiro havia dado de rédeas, cortando o rumo que levava.

Dessa vez, porém, Cirino acordou do letargo, esporeou vigorosamente a sua cavalgadura e... esbarrou com Manecão.

Instintivamente empalideceu. O outro estava também muito descorado.

Estacaram eles os animais e fitaram-se alguns minutos, de um lado com desconfiança e pasmo, de outro com mal concentrado furor.

– Patrício – interpelou por fim o capataz em tom provocador –, que faz mecê por aqui?

– Eu? – perguntou Cirino.

Inocência (1872)Onde histórias criam vida. Descubra agora