Possuí-te do justo orgulho e coroem os louros de Apolo tua cabeça.
Horácio
No dia 18 de agosto de 1863, presenciava a cidade de Magdeburgo pomposo espetáculo, há muito anunciado no mundo científico da sabia Germânia.
Era uma sessão extraordinária e solene da Sociedade Geral Entomológica, a qual chamava a postos não só todos os seus membros efetivos, honorários, correspondentes, como muitos convidados de ocasião, a fim de acolher e levar ao capitólio da glória um dos seus mais distintos filhos, um dos mais infatigáveis investigadores dos segredos da natureza, intrépido viajante, ausente da pátria desde anos e de volta da América Meridional, em cujas regiões centrais por tal forma se embrenhara, que impossível havia sido seguir-lhe o roteiro, até nos mapas e cartas especiais do grande colecionador Simão Schropp.
Revestira-se de mil galas a ciência. Todos os sócios de casaca preta, gravata e luvas brancas alguns com discursos nos bolsos, enchiam a sala das sessões muito antes da hora marcada; a orquestra executava a sonata nº 26 de Ludwig van Beethoven, e senhoras ostentavam toaletes ricas e de aprimorado gosto.
De repente atroou um grito:
– Vivat Meyer! Hurrah! Vivat! Hoch! Hoch!...
E, ao passo que todos os pescoços se estiravam para ver quem entrava sacudiam-se no ar com entusiasmo lenços e chapéus.
Acalmada a ruidosa manifestação, levantou-se o presidente da Sociedade Entomológica, um presidente magro como um espeto e ornamentado de ruiva cabeleira que lhe dava o aspecto de um projeto de incêndio.
– Sim! – exclamou ele depois de ter bebido uns goles d'água açucarada e de haver preparado a garganta – Eis enfim, aqui, no meio de nós, o grande, o vencedor, o incomparável Guilherme Tembel Meyer!...
E neste gosto falou duas horas seguidas.
No dia seguinte, traziam as gazetas de Magdeburgo extensa relação da festa, transcreviam o discurso do presidente e, como apêndice às notas biográficas relativas a Meyer, enumeravam os prodígios entomológicos que havia recolhido em suas dilatadas peregrinações.
O que há de mais digno de admiração, dizia O Tempo (Die Zeit), em toda a imensa e preciosíssima coleção trazida pelo Dr. Meyer das suas viagens, é sem contestação uma borboleta, gênero completamente novo e de esplendor acima de qualquer concepção. É a Papilio Innocentia... (Seguia-se uma descrição de minuciosidade perfeitamente germânica).
O nome, acrescentava a folha, dado pelo eminente naturalista àquele soberbo espécime foi graciosa homenagem à beleza de uma donzela (Mädchen) dos desertos da Província de Mato Grosso (Brasil), criatura, segundo conta o Dr. Meyer, de fascinadora formosura. Vê-se, pois, que também os sábios possuem coração tangível e podem, por vezes, usar da ciência como meio de demonstrar impressões sentimentais de que muitos não os julgam suscetíveis.
Inocência, coitadinha...
Exatamente nesse dia fazia dois anos que o seu gentil corpo fora entregue à terra, no imenso sertão de Sant'Ana do Paranaíba, para aí dormir o sono da eternidade.
FIM