Prólogo

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A vibração do sol. O contraste das nuvens passageiras. Algumas vezes aquele lapso de consciência parecia surgir, assim como também desaparecia sem precisar conceder um aviso prévio. O simples andar do pincel caminhava além das poucas linhas de demarcação. Era confortável observar, mas extremamente angustiante carregar a dúvida da ação.

Os riscos dos pontos a seguir.

O meio do quadro.

As bordas em branco.

Aquela concentração inquietante.

Sendo guiado sem rumo, o pincel corria de cima para baixo, como o movimento das árvores balançadas pelo vento. Era o pincel que a conduzia. Ela podia ouvir o ir e voltar das cerdas e ver as cores ganhando forma. Conseguia imaginar o destino, mas sequer conseguia pensar no meio do caminho. Jogando a paleta de cores contra o chão, ela se recosta contra a parede e chora compulsivamente as memórias que haviam surgido novamente.

Entregou-se à angústia de ser quem jamais imaginou que seria.

DOR.

Num rabisco qualquer surgia um desenho. Noutra folha a perfeição das letras tentava se completar por conta própria. A imagem e a decência. A dúvida e a caridade. O anseio da dor que queria dar rumo ao que quer que ele quisesse dizer. Eram as palavras que o guiavam.

A condução para a lástima e o erro da falta da contemplação da memória. As palavras expressas de forma tortuosa, sem a exatidão desejada. Eram como fruto da guerra que tentava o amargurar, assim como a velha amiga escuridão. Os desenhos em paciência. A cedência à complacência. Talvez nenhuma daquelas palavras fosse o suficiente para expressar tudo aquilo que queria dizer.

E nem precisavam.

DOR.

Vez ou outra os vagalumes diziam para onde deveria seguir. O sentar sobre a grama úmida nas escapadas noturnas, a busca pela essência das flores que desabrocham na escuridão e aquela sensação de estar rumo ao infinito. Distante. Encontrada junto ao céu. Em meio às estrelas. Pontos brilhantes que serviam como uma bússola que não levaria para casa, porque casa talvez já não fosse aquilo que procurava.

A calmaria encontrada no olhar talvez fosse resultado do imaginável.

Os vagalumes no entorno eram a motivação para que abrisse os olhos que se fechavam rapidamente, porque queria escapar e enxergar o invisível. Os arrepios do vento gelado incentivaram que ela se lembrasse da realidade.

O céu escuro e os vagalumes.

DOR.

Por mais que tentassem seguir outros rumos, existia algo imperfeito. Exatamente como o solvente derramado erroneamente, sem um caminho certo a seguir. Um apagar rápido de letras e uma folha rasgada jogada contra uma lata de lixo ou aquele insistente apertar de olhos para buscar uma constelação que sequer aparecia entre as nuvens.

Qual a necessidade de um rumo?

Tal qual aquele quadro meio pintado, meio branco.
Um tanto pálido.
Sem sombra alguma.
Assim, meio sem jeito.

Mas existiam respingos pelo caminho.
Existiram letras.
E existiam vagalumes.

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