Os fins de tarde são tradicionalmente escuros. Pouco depois das quatro o sol se põe, resultando em noites mais extensas e que são o motivo de completa irritação à criança, que fica desgostosa e aborrecida carregando a boneca pelo braço.
Os dias de inverno por si só são considerados bastante tristes. A inevitável alteração na rotina causa uma espécie de chateação duradoura para Francis, que ama estar ao ar livre junto da filha ou passeando nos raros momentos em que a mesma se dispõe a sair de casa. A melancolia abate Rosalie também. Com a falta de alternativas, a menina acaba recusando a maioria das ofertas para cavalgar com Annis ou brincar com os amigos e vai dormir mais cedo que o habitual.
Mesmo com a constante insistência de Christopher, o melhor amigo que reside no final da estrada e sempre que possível a visita para conversar, ela se mostra sem paciência para brincar na neve. O garoto, um tanto rebelde aos olhos de Gavin, reside com tia Isobel, uma senhora baixinha e muito invocada que, apesar do bom coração, já havia posto o menino de castigo em razão de um atraso de doze minutos além do programado.
"Regras são regras e devem ser seguidas, porque do contrário surgirão orelhas em você e você será mandado para bem longe", afirma ela diariamente, como se aquele fosse um ritual.
Sem muitas alternativas, Francis acaba ocupando pouco mais de tempo com leitura, escrita, algumas reuniões necessárias e o trabalho com novos projetos. Vez que outra cria um boneco de madeira para a filha ou outra para a própria coleção, com base nos anseios do dia.
No escritório, que dispõe de prateleiras até o teto, onde todas estão repletas de livros, localiza-se, também, uma mesa de reuniões, um sofá em linho na cor creme e duas poltronas com as guardas em madeira maciça. Apesar do espaço não receber muitos visitantes com frequência, ele e Rosalie gostam de passar algum tempo ali, mesmo que seja para conversar sobre qualquer assunto que se passe na imaginação de menina, o que, nesse caso, acontece a todo o instante.
Apesar de afirmar odiar o inverno, Francis sente uma pontada de satisfação nos dias mais frios, que aproveita para aprimorar os próprios conhecimentos. No último ano deu início ao estudo de espanhol e, com o frequente empenho, afirma que até o final do próximo inverno já estará fluente na língua. Além do Gaélico e do Francês, Francis também fala Inglês e em breve se consolidará como um poliglota, tal qual o pai.
— Rosalie, preciso conversar com você.
Chamando-a da porta, ele havia utilizado um tom de voz que normalmente não empregava e arrependeu-se por isso, justamente porque sempre antecipava qualquer ocorrência que estava por vir. Reprimiu-se rapidamente pela forma com que chamou a menina, mas já era tarde.
Rosalie sabia da maioria dos acontecimentos que passavam e tinha clara mentalidade, inclusive com os assuntos mais complexos. Obviamente ele não expunha tudo, mas prezava por informar todo o possível ao alcance da compreensão dela. Aquele era o caminho que havia encontrado para reconectar-se às origens e ao sentimento de pertencimento. A plenitude encontrada na menina acalmava o coração dele que, muitas vezes aflito, se entregava ao descompasso das batidas perdidas em ansiedade, situação decorrente de um passado já distante. Era difícil assumir que ainda sentia a falta de Marie e de toda aquela bagunça que provocava na sala de artes, da voz chamando-o docemente ou de todas as vezes que cantava, enquanto assava biscoitos para toda a família.
— Aconteceu algo, papai? — Perguntou ela, apertando o nó do laço de fita de uma das tranças laterais que caíam sobre os ombros.
— Não, mas preciso conversar com você sobre algo.
— Bom?
— Acredito que você vá gostar. — Afirmou, sorrindo docemente.
— Você vai me dar um novo cavalo? Por favor, papai, diga que sim, você sabe o quanto eu quero um Percheron para ser amigo da Annis, ela vai amar também! Imagine! Eu, Annis e um novo amigo. Por favor, papai, diga que é isso. Gostaria tanto, mas tanto de um cavalo com crinas longas para escovar boa parte do dia. Para prender fitas nas tranças. Sim, nem sempre, é claro, mas fitas colorias por toda a crina e alguns laços também para deixá-lo bem enfeitado.
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Liberdade
FanfictionUma menina triste e solitária. Um homem dedicado e prudente. Uma mulher corajosa e cheia de sonhos. O que os três têm em comum? Baseada em As Aventuras de Poliana, Liberdade é uma fanfic onde os acontecimentos surgem para transformar os rumos dos p...