Capítulo 3

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     Nem boas notícias, nem notícias ruins, o que já era uma bênção, a julgar pelo início do final de semana. E Júlia sempre se lembrava de uma frase que a mãe costumava falar "nenhuma notícia, já é notícia boa". De tanto ouvir isso a vida toda, acabara acreditando. Mas era estranho se sentir meio isolada do mundo, meio incomunicável. Àquela altura os celulares descarregados, notebook sem bateria. Estavam praticamente incomunicáveis mesmo.

     Passaram o sábado em casa, estudando. Ambas estavam nas retas finais dos seus respectivos estudos, uma no ensino médio, outra na faculdade. Sábado à noite Manu foi cuidar de Sarah, uma bebê de dois aninhos que era uma graça. Julia ficou sozinha no escuro e acabou dormindo cedo, pensando em como no século 21 ainda acontecia uma coisa daquelas. Precisava trabalhar no seu TCC, mas ficaria para a semana seguinte.

     No domingo, as duas decidiram que o melhor a fazer era saírem de casa um pouco e praticamente se convidaram para almoçar na casa do tio Carlos. Tio era como o chamavam, embora não fosse irmão do pai delas, mas um amigo de infância dele, que sempre esteve presente na vida da família desde sempre, em cada pequeno momento, e se mostrou leal àquela amizade até o fim, se fez presente no momento em que as meninas mais precisaram. Ele e a esposa, Vera, foram fundamentais para Julia e Manu na época do acidente. Foi na casa deles que ficaram nos primeiros meses após a morte dos pais, recebendo todo o amparo e carinho, enquanto enfrentavam o longo processo judicial para que não ficassem sob a tutela de parentes. Julia estava com quase dezoito anos e conseguiu manter a irmã sob sua guarda, mas sabia que isso só fora possível porque tio Carlos assumiu a responsabilidade por elas. E depois, quando retornaram para a casa que fora dos pais, era a tia Vera que sempre estava por perto, preparando uma comida, ajudando nas tarefas domésticas, fazendo companhia, tentando preencher o enorme vazio que a perda da mãe deixara na vida das meninas. Com o tio Carlos foi igual: mesmo fazendo a vontade delas de permanecerem na casa da família, sempre esteve por perto. Passava lá todos os dias e muitas vezes dormiu na casa para não deixá-las sozinhas.

     O casal tinha dois filhos, ambos mais velhos do que as meninas. O Márcio, hoje com trinta anos, que morava em São Paulo, estava construindo sua vida na capital paulista, dirigindo uma empresa de marketing, e o André, dois anos mais velho que Júlia, também formado em Direito, tinha ido fazer a especialização na USP e estava por lá há quase dois anos. Tio Carlos e Tia Vera sempre diziam que os quatro eram irmãos do coração e até cada um partir para viver sua própria história, aprontaram muito juntos. Por isso que quando as meninas apareciam para o almoço, sempre acontecia a sessão nostalgia. Os tios nunca se acostumaram com a distância e vê-las sempre trazia boas lembranças de quando todos eram pequenos.

- Olha só quem veio ver a gente, Carlos - grita a tia Vera assim que abre a porta.- Nossa, eu estava com muita saudade dessas lindezas! - vai dizendo e abraçando Julia e Manu. Em seguida é a vez do tio Carlos abraçar também, já perguntando porque demoravam tanto a aparecer, que eles tinham saudade e que elas deviam vir mais seguido ver os "velhos".

"Tem coisas que nunca mudam" pensa Julia " graças à Deus por isso". Aquela alegria espalhafatosa da tia Vera, a rabugice fingida do tio Carlos, tudo tão familiar! Nossa, como ela estava precisando daquilo, de se sentir no seu lugar no mundo, se sentir amada e protegida. Aquela casa, aquela família muitas e muitas vezes foram seu refúgio.

     O dia passou voando. Julia e Manu ajudaram na preparação do almoço, que aliás foi aquela maravilha de lasanha da tia Vera, depois se sentaram para conversar, recordar, falar dos planos para o futuro. Tio Carlos ainda se sentia responsável por elas e queria saber como andava tudo. Ficou uma fera ao descobrir sobre o corte da energia.

- Manuela, porque você não falou comigo? Onde já se viu, ficarem assim e não me procurar para ajudar? Sei que estão crescidinhas e querem se virar sozinhas, mas será que eu não conto para mais nada?- vociferou ele para Manu.

- Eu sei tio, fiz tudo errado. Prometo que se acontecer algo de novo o senhor vai ser o primeiro a saber.

- E por falar em novo, eu tenho uma novidade! - cantarola tia Vera- Sabem quem está voltando? O André! Até que enfim aquele desnaturado resolveu voltar, quase dois anos longe da gente, eu não me aguento mais de saudade. Todas as vezes que era para vir, inventava uma desculpa, sempre tinha coisas para ler e não vinha. Para dar um abraço naquele filho ingrato, tive que eu mesma ir lá, porque senão não o teria visto esse tempo todo.

     Ao ouvir a notícia assim de surpresa, Júlia mal consegue disfarçar o choque, arregala os olhos e engasga com o suco que estava bebendo.

-Nossa, querida, tudo bem? - a tia se preocupa.

-Sim, sim, tia, tudo bem. É só que me surpreendi. Ele não voltaria só no ano que vem? - Julia sabe que tem que ter cuidado com as palavras. Nem todos entenderiam o que acontecera e precisava manter seu segredo. Jamais faria algo para magoar aquelas pessoas tão queridas.

- Teria, mas agora ele disse que já finalizou e só volta para a apresentação da tese, daqui a uns meses. Me disse que tem assuntos pendentes e que precisa resolver. Ele foi tão sucinto que fiquei até com medo de perguntar. Não sei se é trabalho, se é amor... Bem que poderia ser o amor, heim?! – lançou os olhos para Júlia, de maneira sugestiva - Sempre achei estranho ele nunca ter voltado aqui depois que foi fazer o mestrado, parecia que estava fugindo de algo. O que você acha, Júlia?. – o olhar inquisidor da tia continuou sobre ela - Você sabe de alguma coisa? Seria o amor que o afastou e agora o amor o trás de volta?

    A tia continuava sem filtro, Júlia pensava enquanto tentava processar as palavras. A família não conhecia toda a história, ela não tinha como saber o quanto aquelas palavras a feriam. Porém, de tudo o que ela dissera, estava ainda presa na informação de que Ele estaria de volta, e que isso seria logo.

- Eu?? E-eu não sei nada não tia. Porque eu saberia? - Julia quase grita, engasgando de novo com o suco. Mantém o olhar baixo para não se denunciar. Percebe pelo canto dos olhos que a irmã a observa atentamente, com cara de pena. Começa a sentir o rosto queimar e faz um esforço para não começar a chorar. Depois de tanto tempo falar sobre ele ainda a abala demais e Manu sabe disso.

- Ué, porque vocês sempre foram muito próximos. Porque estavam namorando na época que ele viajou, tão apaixonados, era lindo de ver. - isso era verdade, lembrou Júlia com tristeza – Inclusive eu só soube que tinham terminado quando eu fui visita-lo, sabia? Você, mocinha, não me disse nada. – ela a acusou.

- Eu sei tia, é que não tinha muita coisa para contar. Ele indo ficar fora esse tempo, achamos melhor deixar assim, uma preocupação a menos, sabe. - Julia suspira, resignada. É preciso manter a expressão o mais neutra possível e fingir que ainda há chão sob seus pés, muito embora esteja se sentindo caindo em um precipício sem fim.

     E lá se vai seu domingo perfeito. No meio da tarde, elas se despedem e seguem no ônibus para casa, ambas em silêncio, cada uma absorta pelos próprios pensamentos.

" Era o que faltava para acabar com minha paz de espírito". Só em pensar que estaria novamente frente a frente com André, Júlia sentia o estômago revirar. Nervosa, apertava as mãos no colo, sem saber bem o que fazer com aquela informação. Sentiu o toque quente da irmã e olhou para a mão pousada sobre a sua. Virou seus olhos para Manu dando de cara com aquele sorriso sincero e cheio de amor.

- Vai ficar tudo bem, Ju. Eu sempre vou estar aqui para você. – sentindo as lágrimas que segurara enfim romperem a barreira e começarem a transbordar, se deixou abraçar pela caçula. Naquele momento precisava ser cuidada e ainda bem que tinha sua Manu.

A Lei do Amor (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora