Capítulo 12

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A segunda-feira amanheceu cinzenta, um tempo abafado e sem vida. Igualzinho ao meu humor, pensou Júlia ao olhar pela janela e constatar que realmente não era uma chuva refrescante que viria, apenas o sol resolvera se ocultar por detrás de uma grossa camada de nuvens, poeira e sei lá mais o quê.
Acordara antes do despertador tocar. Aliás, mal dormira. O pouco que fechara os olhos fora depois de chorar até as lágrimas secarem. Lembrou-se da conversa que tivera com Manu na noite anterior e de tudo o que a irmã lhe contara sobre André. Já estava perturbada e certas revelações pioraram tudo.
Depois que chegaram, pediram pizza e ficaram conversando até mais tarde, ela, Manu e Otávio, Márcio e Gustavo. Gustavo foi o primeiro a se despedir e Otávio aproveitou a carona, deixando as irmãs apenas na companhia de Márcio.
- Márcio, que dia você volta para São Paulo? - Manu quis saber.
- Na terça, Manu. Vou aproveitar e visitar um cliente que é daqui amanhã.
- Poxa, pensei que ficaria mais tempo desta vez, Márcio. - Júlia fez um muxoxo.
- Hummm... e você por acaso queria me ver é? Fugiu de mim o fim de semana inteiro...
- Não era de você que eu estava fugindo! - ela se deu conta tarde demais que admitira a fuga. Olhou aflita para o amigo.
- Eu sei Júlia. Eu sei que estava fugindo do André. Não se preocupe, seu segredo está seguro comigo. – ele falou calmamente.
- Você sabe? O que exatamente você sabe, Márcio? - ela quis saber, precisava entender até que ponto André se abrira com o irmão sobre a história deles.
- Eu sei muita coisa. André é meu irmão, Ju. Ele me contou algumas coisas sobre vocês. Mas não sei tudo, pois até hoje eu não entendi o porquê de ele de repente resolver sair daqui e o porquê de agora você estar fugindo dele. Isso me diz que tem mesmo algo que eu não sei. – Márcio pareceu sincero, enquanto falava tomou as mãos de Júlia entre as suas, procurando nos olhos dela desvendar toda a verdade.
- Não há nada mais. Provavelmente você sabe tudo. É que terminamos de repente mesmo e eu diria que não foi um fim amigável. Eu não queria deixar transparecer nada para tia Vera e tio Carlos, por isso preferi não ir. – ela baixou os olhos para que ele não  percebesse que ainda ocultava informações. Não queria que ele soubesse tudo.

- Júlia, eu te conheço praticamente desde que nasceu. Assim como conheço o André. Sei que ele deve ter feito alguma coisa muito feia, por isso você está assim. Mas eu te digo, seja o que for, precisam conversar e se acertar. Não pode deixar isso interferir na amizade que sempre tivemos.
- Eu sei Márcio. Eu vou tentar. Ainda mais agora, que ele será meu chefe! - Júlia sorriu triste – Acho que agora todos já sabem, né?
- Sim, quando chegou, ele contou para nossos pais, eu já sabia e não entendi porque a demora em falar sobre isso com eles. Mas ele é profissional, pode ficar tranquila que nesse ponto, não te incomodará. Só não quero que você guarde mágoas, pois elas sempre nos devoram de dentro para fora, irmãzinha. – ele a olhava com carinho, seu olhar ainda perscrutador, buscando algo que sabia estar escondido ali.
- Márcio, não se preocupe, as coisas vão se acertar. Eu pretendo mesmo conversar com ele e acertar tudo. - falou, sem nenhuma convicção. Sabia que precisava, mas querer ou conseguir era outra história. E a sua mágoa, talvez ela já tivesse devorado tudo o que existe para ser devorado dentro de si mesma.
Conversaram mais um pouco e Márcio se despediu, dando abraços quebra-ossos nas duas e prometendo voltar para vê-las logo.
Mal fecharam a porta após a saída dele e Manu agarrou a mão de Júlia, puxando a irmã para o sofá.
- Ju, precisamos conversar. Eu já não estava mais aguentando de agonia. - o tom de Manu era aflito.
- Fala, Manu. Sei que é algo sobre o André, percebi quando cheguei, pelo seu olhar.
- Então... ele me chamou num canto para conversar comigo sobre você. – revelou Manu.
-Sobre mim? O que ele queria?
- Ele estava desesperado Júlia. Queria saber quem era o cara com quem você tinha viajado, se tinha algo mais, se você gostava dele... eu contei que não eram namorados, mas amigos.- Manu foi despejando sem pausa.
- O quê?! Ele é louco, Manu? - Júlia sentiu a raiva tomando volume dentro de si, levantou do sofá e começou a andar pela sala, arrumando as coisas. Era um tique nervoso, arrumar tudo, mesmo que já estivesse arrumado.
- Ju, calma. Ele parecia sinceramente aflito e.... – a irmã começou mas foi interrompida por uma Júlia com um dedo em riste determinado:
- Epa! Você é a única pessoa que não pode defender o André para mim Manu, a única! Você sabe tudo o que eu passei por causa dele, das atitudes dele. Você estava comigo.
- Eu sei sim. Sei tudo. Sei também de todas as vezes que ele tentou falar com você depois de ter ido e você não o atendeu. – a irmã a lembrou.
- Claro, o que ele teria para falar comigo depois de ter me deixado naquela situação, naquele momento? - os olhos de Júlia brilhavam de raiva. Lágrimas ameaçavam cair a qualquer momento. Ela sempre acabava chorando, que ódio que sentia de ser assim.
- Ju, eu sei e eu lembro de tudo. Eu não seria capaz de esquecer. Mas já pensou que ele pode ter se arrependido de ter ido embora daquela forma?- Manu olhava a irmã com uma expressão indecifrável no rosto. Estava irredutível na defesa de André, deixando Júlia confusa com aquela atitude.
- Arrependido? E porque não voltou? Ele ficou sem aparecer aqui por quase dois anos, Manuela. E estando tão próximo que em uma hora de voo ele estaria aqui - nada convenceria Júlia da inocência de André.
- Talvez ele realmente não pudesse, depois de ter aceitado. Você sabe que ele foi com bolsa, tudo pago. Talvez não pudesse mesmo, por um compromisso. – Júlia olhou descrente para a irmã. Que tipo de argumento era aquele? Abriu a boca para falar mais umas verdades, mas Manu não deixou que falasse, erguendo a mão, continuou - Realmente, Júlia, ele fugiu. Não dá para contestar isso. E não pôde ou não quis ou não conseguiu voltar antes e reparar o que fez. André ainda tem que defender a tese dele, vai ter que voltar para fazer isso. Sabe porque ele voltou agora, Ju? - Júlia não ousou perguntar, esperou a irmã completar o que queria dizer - Ele voltou para acertar as coisas com você. Ele voltou por você, porque te ama. Ele me disse isso com todas as letras. - Júlia abrira e fechara a boca várias vezes, pensando em algo para falar, para rebater aquela frase de Manu, mas o choque de ouvir aquela afirmação não a deixou articular qualquer palavra.

E assim terminara a conversa. Embora Júlia tentasse arrancar mais algumas coisas da irmã, Manu insistia que ela teria que conversar com André e pôr tudo em pratos limpos, porque depois disso, se não se acertassem, pelo menos poderiam seguir em frente, sem tantos enganos e mal-entendidos. Sobre essa frase da irmã Júlia ficou pensando por horas e horas. Será mesmo que André se arrependera de tê-la deixado? O único mal-entendido fora ela que tivera, ao acreditar que ele pudesse ser responsável, que pudesse amá-la como ela o amara e que tivesse a coragem de ficar ao seu lado. Pelo menos assim pensava.
O jeito agora era ir trabalhar, e enfrentar seu passado, que voltava com força total, arrastando-a num redemoinho de emoções que Júlia não sabia se estava pronta para enfrentar.

A Lei do Amor (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora