Capítulo 14

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Ela se prepara para revê-lo. Passara dias, semanas, trabalhando seus sentimentos para aquele momento. Tivera calmos diálogos imaginários, onde ela sempre conseguia demonstrar frieza ao cumprimentar seu novo-chefe-barra-ex-namorado-barra-ex-amigo-de-infância. Mas nada fazia o menor sentido naquele momento. Nada que pudesse ter imaginado sequer chegaria perto do que estava sentindo. Nada a prepara para aquilo. Seu auto controle falhava miseravelmente e Júlia sentia as pernas tremerem, ameaçando não sustentá-la em pé por muito mais tempo.
- Bom dia Dr. André. Seja bem-vindo novamente à Martins & Peres. Esperávamos ansiosos por sua chegada. - Era o puxa saco do Rios. Ele não ganhara o cargo mas não se magoara o suficiente para deixar de bajular o novo chefe.
- Tudo bem, Dr. Rios? É bom voltar para casa. Eu é quem estava ansioso para chegar. Você nem imagina o quanto. - André falava aquelas palavras e apesar de estar cumprimentando Rios com um aperto de mão, continuava com os olhos escuros fixos nela, que também não conseguia desviar o olhar. Era como se fossem dois imãs que a atraiam para si. Essa conexão forte, essa energia vibrante, como um fio invisível a amarrá-los um ao outro. Não havia outro meio de descrever. Estava presa nele, naquele olhar.
Os outros funcionários do setor também se levantaram para dar as boas-vindas. Propositalmente, Júlia se manteve no lugar enquanto todos foram se adiantando até onde André estava, assim, conseguiu ficar estrategicamente para o fim da fila de cumprimentos. Na verdade, naquele momento estava preferindo que o chão se abrisse, assim pularia dentro e depois poderia fingir que caíra. A equipe não era grande, mas foi o suficiente para retê-lo uns instantes, dando tempo para que ela conseguisse respirar novamente. Depois de cumprimentar um a um, André começou a andar em direção a ela, mas Ronald - bendito seja - atravessou na frente dele, para também cumprimentá-lo:
- Dr. André Malta. É um prazer conhecê-lo. Sua fama o precede. Eu sou Ronald, estagiário. - Ele falou com André e olhou de esguelha para ela. Estagiário e sem-noção, pensou Júlia. André desviou o olhar de Júlia e cumprimentou Ronald, que pareceu se desmanchar um pouquinho. "Ele pode talvez até nem saber, mas é gay, não tem outra explicação", ela pensava enquanto observava o amigo sorrindo amplamente ao apertar a mão de André.
- Olá, Dr.Ronald. Muito obrigado. - E continuou seu caminho até parar em frente a ela.
- Não vai me cumprimentar, Dra. Júlia? - seu tom era baixo e seu olhar se mantinha firmemente preso aos olhos de Júlia.
Ela só conseguia olhar para ele. Depois desse tempo sem vê-lo, ainda era como se fosse ontem. Estava ainda mais lindo do que se lembrava. Ele tinha modificado um pouco o corte de cabelo, deixado crescer até os fios negros e lisos encostarem no colarinho da camisa, as mechas por vezes caíam no rosto e ele de forma automática passava a mão e prendia os fios atrás da orelha. Os longos cílios ainda davam um ar doce, fazendo sombra naqueles olhos escuros como a noite. A pele estava mais clara e ele parecia estar mais magro do que se lembrava. André nunca tivera um tipo físico exagerado, sempre tivera músculos nos lugares certos, distribuídos por aqueles quase 1,90m de altura, era magro e atlético. " Para, sua idiota, de pensar essas coisas! Ele atlético e você patética." – se repreendeu mentalmente.
- Então, doutora? Passei na inspeção? - Ele continuava olhando para ela e então Júlia se deu conta de que todos no escritório observavam sua reação. Agora seria um bom momento para aquela grande cratera aparecer, pois se dava conta de que passara mais tempo do que o normal o encarando fixamente, perdida nos próprios pensamentos, enquanto ele mantinha a mão estendida, aguardando o cumprimento. Corou violentamente, abaixando os olhos e tentando se justificar:
- B-bom d-dia, Dr. André... eu... eu... - putz, se antes já estava difícil articular alguma coisa, o que faria agora que todo mundo estava olhando para ela? - Todos nós damos as boas-vindas. – apertou rapidamente a mão estendida, puxando com um solavanco quando o contato com a pele dele pareceu provocar um choque por todo o seu corpo.
Enfim, conseguira cuspir aquelas palavras e todos pareceram satisfeitos, porque parece que respiraram novamente e pararam um pouco de ficar prestando atenção aos dois, o que foi ótimo, pois o puxão que ela deu na mão despertaria mais estranheza do que o flagra da "inspeção", como ele chamara.
- Não vai me dar nenhum abraço Júlia? - André abriu os braços.
- Não acho que isso seja adequado, Dr. André. Eu sou apenas uma estagiária e o senhor é o chefe do escritório onde trabalho.
- Mas somos amigos de infância. Eu senti saudades. Você não? - o olhar que ele lhe dirigiu naquele instante foi estranho. Seria raiva o que ele transmitia?
- Na verdade, penso que não devemos misturar as coisas. – Sustentou o olhar duro dele. Não baixaria a guarda. Júlia sabia que só estava adiando. Tentando fugir do inevitável, eles teriam que conversar. Mas não naquele momento, não no estado emocional em que o choque de revê-lo a deixara.
André deixou os braços caírem ao longo do corpo e para surpresa de Júlia apenas disse:
- Tudo bem. No seu tempo então. - e aproximando a boca do ouvido de Julia, provocando arrepios, completou - Você está ainda mais linda do que eu me lembrava e não vai fugir de mim para sempre. – Então se afastou, entrando para sua nova sala e Júlia puxou a cadeira para se sentar. As pernas trêmulas precisavam de um descanso. Ronald sentou ao seu lado e sem perder tempo foi logo bombardeando:
- Lembro o que eu disse na nossa conversa um tempo atrás? Ele voltou por você. Se eu tivesse alguma dúvida, ela teria sido completamente dizimada agora! - ele falava baixo, evitando que os outros ouvissem.
- Como foi, eu dei muito na cara? - Júlia perguntou, aflita.
- Não, imagina... só faltou voar no pescoço dele. Sua boca disse uma coisa, mas tudo em você disse outra bem diferente. - o olhar dele se entristeceu - Você ainda gosta demais desse homem, Júlia.
- Ronald, por favor... – ela tentou argumentar, mas ele não deu trégua.
- Eu vi. E tem outra. Ele também é louco por você. O olhar dele mostra isso para quem quiser ver. – ele falou, com ares de sabedoria.
- Não, Ronald... ele não gosta é de ser contrariado. - ela sabia ser teimosa quando queria.
- Quer parar, por favor?! Eu sei o que eu vi e nada do que você disser me convencerá. Continue repetindo para si mesma... quem sabe um dia você acredita nisso! - e se levantou, indo para seu lugar, deixando Júlia com os próprios e inquietantes pensamentos.
Ela ainda sentia as pernas moles e coração não tinha normalizado. Se levantou e foi até o banheiro jogar uma água fria no rosto, tinha que se acalmar para conseguir trabalhar. Sair do mesmo ambiente em que André estava a deixou mais tranquila, respirou um pouco, se olhando no espelho, estava muito pálida. Após alguns minutos, achou que poderia voltar, porém quando abriu a porta quase teve outro infarto ao dar de cara com aquele par de olhos negros que a fitavam profundamente.

- Mudei de ideia. Nós temos que conversar e tem que ser agora. Não aguento mais isso! - e enquanto falava isso pegou Júlia pelo braço e saiu pelos corredores em direção ao elevador.

A Lei do Amor (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora