Capítulo 13

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Desde que soubera da volta de André e de que ele substituiria o Dr. Milton como seu chefe, Júlia fora jogada em um turbilhão de lembranças e sentimentos conflitantes. Naquela manhã tudo estava ainda mais intenso, chegara enfim o momento que temera por esses dois anos. A expectativa se elevara a mil e sem mais nem menos ela se perdeu em pensamentos, repassando toda sua história com André.
Ele sempre fora seu amigo, assim como o irmão, Márcio. Os pais deles se conheciam e devido à convivência das famílias, a amizade entre eles foi algo natural. Manu era bem mais nova que Júlia, então quase nunca acompanhava os três em suas aventuras e molecagens. Eram sempre Márcio, André e Júlia. Eles estudavam na mesma escola, se divertiam juntos, aprontavam juntos. Enfim eram quase como irmãos mesmo. Porém, quando entraram na adolescência, Júlia e André perceberam que havia algo mais, além da forte amizade que os conectava. Quando os hormônios começaram a despertar, notaram os pequenos choques quando se tocavam, o coração disparado ao ver o outro se aproximar, olhares furtivos de um e de outro lado. Porém, sem entender o que acontecia, eles fugiram do que estavam sentindo. Parecia errado pois a relação que sempre tiveram era de irmãos. Seria muito estranho. Assim, preferiram ignorar o que sentiam e ambos tiveram suas primeiras experiências românticas com outras pessoas. Naquela época, pequenos beijinhos, amassos escondidos atrás da escola, coisas adolescentes e despreocupadas. Era uma época em que a preocupação não existia na minha vida, pensou Júlia com um sorriso triste nos lábios. Os pais ainda estavam vivos e tudo era como devia ser.
Quando se viu orfã, Júlia teve o apoio de toda a família Malta. Tio Carlos, tia Vera, Márcio e principalmente, André. Foram dias difíceis, de dor, tristeza, fragilidade. E era com André que Júlia passava a maior parte do tempo. Ele já estava na faculdade, mas em todo o tempo livre, se dedicava a ela. E foi nessa época que se aproximaram ainda mais e enfim se renderam ao sentimento que sabiam compartilhar desde sempre, deram início a um namoro, no começo, escondido. Júlia tinha medo da reação dos pais de André. Do que eles achariam daquele envolvimento deles. Implorou para que ele mantivesse segredo e apesar de não concordar, ele fez a vontade dela. Namoraram escondido durante quase um ano. Como já estavam muito próximos desde a fatalidade que vitimou os pais dela, ninguém estranhava o tempo que passavam juntos. No mais, era tomar cuidado para ninguém flagrar um beijo ou um abraço não muito fraternal. Mas, como nada dura para sempre, um dia eles estavam na sala de Júlia dando o maior beijo quando Márcio entrou.
Até agora ela ainda se assusta ao se lembrar de como ele ficou bravo com André, acusando-o de estar se aproveitando dela. Isso porque André era mais velho e deveria ser o mais responsável, segundo Márcio. Ele convocou uma reunião da família e contou o que tinha presenciado. Daí não teve mais jeito. Tiveram que assumir o namoro e aguentar os sermões que se seguiram, sobre confiança, família, respeito e tudo o mais. André e Júlia foram firmes e enfrentaram os pais dele, disseram que se gostavam e que poderiam sim namorar. Agora que já estava tudo revelado, não havia mais sentido esconder como se sentiam. A princípio todos foram contra, mas com o tempo tudo se ajeitou e depois dos tempos de infância, aquela  foi a época mais feliz da vida dela. Era a calmaria depois daquela tempestade que havia enfrentado com a morte dos pais. Naquele ponto da lembrança, um sorriso bobo passou pelos lábios de Júlia. Aqueles foram bons momentos. André não dera seu primeiro beijo, mas foi o primeiro homem para quem se entregou. Depois de assumirem o namoro para a família, foram mais três anos juntos, anos em que se aproximaram mais, se apaixonaram mais. André se formou, Júlia entrou na faculdade e tudo estava tão perfeito, pareciam até aqueles casais de filmes românticos, daqueles que tem o 'felizes para sempre'. "Idiota!", ela pensou, poderia ter suspeitado que ia dar errado, afinal a vida real não é filme romântico. E sem aviso, vieram todos os acontecimentos que culminaram com a ida dele para São Paulo.

O sorriso sumira do rosto de Júlia e de repente, como se estivesse acordando de um transe hipnótico, voltou à realidade do seu dia. Sentia-se amarga e triste. Sempre era assim, tinha tantas lembranças bonitas, mas o final sempre a deixava arrasada, com gosto de fel na boca. Queria conseguir superar isso, para o próprio bem, mas nada do que tentara até agora surtira o efeito desejado.
Estava sentada em sua mesa de trabalho e tinha Ronald na sua frente, estalando os dedos e balançando as mãos, bem ao modo Ronald de ser, expansivo demais, tentando chamar sua atenção. "Será que o Ronaldo é gay?" Piscou para só então conseguir focar no colega.
- Ei, ei! Vai perder o espetáculo! Ainda bem que está mais arrumadinha hoje né?!
Júlia olhou torto para o amigo. Ronald e essa mania de achar que ela era muito "simples". Ela apenas preferia o conforto e a simplicidade. Mas naquele momento ele tinha razão, hoje ela precisara se sentir mais confiante, e o fez colocando um terninho creme com scarpins pretos e ousou usar uma leve maquiagem. Precisava esconder o sofrimento. - pensou com tristeza que se sentia bem dramática no momento.
- Hora de acordar, que o homem está chegando. Posso ouvir o zum-zum daqui! Anda, levanta, que lerda você! – ele chegou até onde estava sentada, pegou sua mão e praticamente a levantou. Graças à Deus por isso, porque achava que não teria forças.
O coração de Júlia parecia que ia saltar do peito, escapulir pela sua garganta e cair bem aos seus pés. As mãos estavam suadas e geladas e seu rosto estava branco como uma folha de papel quando vagarosamente se virou para a entrada do escritório, no exato momento em que um homem alto, de cabelos e olhos escuros contrastando com a pele clara, parava na soleira da porta e olhava diretamente para ela.
- Bom dia. - a voz forte e rouca ainda era a mesma. Não a ouvia havia um tempo, mas jamais se esqueceria de todas as promessas que ouvira daquela voz e que foram quebradas numa única atitude egoísta daquele homem que agora chegava de novo em sua vida.

A Lei do Amor (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora