Capítulo 9

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Ao abrir os olhos, Júlia se virou na cama e olhou o relógio sobre o criado mudo: oito horas. A noite não tinha sido das melhores. Mas, vencida pelo cansaço, pegara no sono e enfim conseguira descansar um pouco. Sono agitado, alguns sonhos, mas nada daquele pesadelo de novo.
Depois de escovar os dentes, passou no quarto de Manuela para acordá-la. Aquela dorminhoca, se deixasse, hibernaria o fim de semana inteiro.
- Manu, oito horas.
- Hummm... - ouviu-se um resmungo sonolento.
- Vem tomar um café comigo.
- Hummm... - não adiantava, ia ter que apelar mesmo, Júlia pensou, já puxando o edredon de cima da irmã.
- Ei, sua preguiço... AAAAAHHHHH!!! O que é isso?? - O grito de Júlia por fim acordou Manu, que não estava sozinha. Deitado na cama da irmã, um rapaz moreno, na casa dos dezoito anos só de cueca boxer. Deitado não, ele já estava em pé e tentava desesperadamente vestir o jeans enquanto Júlia olhava da cara de um para o outro, buscando se recuperar do susto.
- Ok. Estou esperando na cozinha. Acho que vamos ter que conversar. - disse e saiu do quarto.

Enquanto coava o café e esperava a irmã e o rapaz aparecerem, Júlia teve que rir da situação. O menino estava muito assustado por ter sido pego no flagra, e, também né, ser acordado com um grito de susto não é exatamente o plano de ninguém.
Mas Manu tinha que se explicar. Júlia não sabia nem que ela estava namorando, quanto mais que estava dormindo com alguém, e em sua própria casa, sem avisar? Nossa, será que eu estou tão envolvida com meus problemas que não consegui ver o que estava acontecendo aqui em casa, na minha frente o tempo todo? Bem, talvez não o tempo todo, mas pelo menos naquele momento sim: o casalzinho estava parado na porta da cozinha, olhando apreensivo para a moça que distraidamente sorria sozinha enquanto olhava para o café que estava coando.
- Muito bem. Sentem-se os dois. Manu, pode começar a me explicar. Sou toda ouvidos.
Sentaram-se os três ao redor da mesa e uma Manuela bem vermelha começou a falar:
- Ju, este é o Otávio. Nós estudamos juntos. A gente já está ficando desde o começo do ano. Daí na verdade começamos a namorar e...
- Tá, começaram a namorar - interrompeu Júlia - quando? Porque não me contou?
- Fazem três meses já... eu ia te contar Ju...
- Três meses! E desde quando ele está dormindo aqui em casa? – Júlia estava se sentindo bem estranha agora. Moravam na mesma casa e não tinha percebido nada, não tinha visto nada.
- Essa foi a segunda vez, juro!
- Verdade Júlia - era o rapaz que falava agora - é a segunda vez que eu durmo aqui. Eu disse pra Manu pra gente falar com você, mas ela pediu pra esperar, que você tá cheia de problemas...
- Sim, sim... tenho muitos problemas. E um dos meus problemas é esconderem as coisas de mim, Otávio. Poxa vida, Manu. Eu pensei que além de irmãs, fossemos amigas!
- Ju, você é minha melhor amiga. Eu só não contei porque percebi que você não está muito bem ultimamente, o Gustavo aprontando, daí agora tem mais essa do André... não achei que era o momento certo.
- Manu, todo momento é o momento certo para nós conversarmos, sobre tudo e sobre qualquer coisa. Sabe que eu sou a responsável por você. Eu me preocupo com você.
- Eu sei maninha. Me desculpa. Eu não queria te chatear e acabei fazendo exatamente isso... Parece que vivo fazendo isso... - e lá vinham aquelas duas safiras brilhantes se enchendo de lágrimas...
- Tá... olha: que tal me contar agora? Aproveitem que estão os dois juntos. Vamos conversar enquanto tomamos um café da manhã... - também, não era o fim do mundo, pensou, e não queria ver Manu chorando por isso.

Otávio foi comprar pão e os três tomaram café da manhã juntos. Ele parecia ser um bom garoto. Já trabalhava meio expediente na loja de ferramentas dos pais, era educado e gostava de Manu. E ela se derretia por ele, Júlia já percebera sem que dissesse nada. Eles estavam bem felizes. Falaram sobre os planos de fazerem faculdade juntos, queriam o mesmo curso: Direito. Nossa, a irmã então já era adulta. Havia notado que Manu estava mais quieta, sem querer sair tanto, agora entendia o porquê.
Ainda estavam na mesa quando o telefone tocou. Manu se levantou para atender e quando ouviu quem era, Júlia gelou. Tia Vera avisando que o tio Carlos estava a caminho para buscá-las para o almoço, porque o André tinha chegado e o Márcio viria também e enfim, queriam todos juntos no fim de semana.
Quando desligou o telefone, Manu se vira pra Júlia e fala seriamente:
- Você não pode ir. Olha o seu estado! Vou ligar de volta e dizer que estou passando mal, dar uma desculpa e...
- Não, Manu. Dizer que tem alguém passando mal só vai fazer com que todos venham para cá. Eu tenho que ir.
- Ju, você não tem condições de passar por isso na frente de toda a família. Eu sei que é inevitável, mas é melhor que estejam sozinhos.
Otávio olhava para as duas sem entender nada. Manu fez um sinal para que ele as deixasse sozinhas, que foi entendido e cumprido instantaneamente.
- Maninha, se você quer que tudo o que aconteceu continue em segredo, você não pode ir. Sabe disso.
- Sei Manu... mas tia Vera não vai me perdoar se eu não for. Eles são tão especiais, não quero magoá-los.
- Sei que não quer magoar ninguém. E não vai. Vamos dar um jeito... Cadê o seu celular?
- Deve estar no quarto... mas o que foi Manu? O que vai fazer? - Júlia caminhava atrás da irmã em direção ao quarto.
- O Gustavo. Sei que ele tem te trazido para casa, tem estado por perto. Vou ligar para ele te tirar daqui antes do tio chegar. - estava procurando o número dele na agenda do celular.
- Manu, não. Não vou usar o Gustavo para isso. Ele tem sido um bom amigo e... - tentava puxar o aparelho das mãos de Manuela, sem conseguir.
- Ju, por isso mesmo. Vai ser um melhor amigo agora, quando salvar sua vida. - ergueu a mão quando alguém atendeu do outro lado.
- Júlia?! O que foi, aconteceu alguma coisa? - a voz parecia aflita
- Oi, Gustavo. É a Manu... então... a Ju não sabe que eu estou te ligando... ela está no banho.
- Manu? Aconteceu alguma coisa com a Júlia?
- Não, Gustavo, não aconteceu nada... eu que pensei se você podia me ajudar a fazer ela descansar na marra sabe... - Júlia ouvia aquela conversa sem pé nem cabeça fuzilando a irmã com o olhar.
- Como assim? - Gustavo parecia entender menos a cada frase.
- Gustavo, quero que você rapte a Júlia e a leve pra fazenda dos seus pais e só traga amanhã à noite. Eu prometo que escondo o notebook dela, assim ela não terá outra opção a não ser descansar.
- Manu, a Júlia não concordaria com isso... - parecia indeciso.
- Gustavo, deixa comigo. Ela vai. Você pode vir agora?
- Claro! Em quinze minutos estou aí... Manu?
- Oi Gustavo
- Ela vai mesmo?
- Sim, ela vai... prometo – ela afirma lançando um olhar triunfante para a irmã.
- Isso é loucura! - Júlia esbravejava enquanto Manuela enchia uma mochila com roupas, shampoo, escova de dentes, andando de um lado para outro sem se perturbar.
- Ju, para com isso. Você sempre cuidou de mim. Deixa eu fazer isso por você agora. Eu vou para a casa do tio Carlos, Otávio vai comigo. Digo a eles que quando ligaram você já havia saído, que foi inesperado, invento qualquer coisa.
- Não vai dar certo... - já estava sem forças para discordar. Sabia que a irmã tinha razão. Se fosse para a casa dos tios e se encontrasse com André diante de todos, tudo iria por água abaixo e seu segredo, guardado a sete chaves, seria exposto...
- Vai dar certo sim... imprevistos acontecem. Eles ficarão um pouco chateados mas sobreviverão. Depois que você se encontrar com o André e conversarem, existirão mais oportunidades de fins de semana em família! - ninguém convenceria Manu do contrário.
Ouviram batidas na porta. As duas se olharam, assustadas. Tomara que seja o Gustavo. Otávio atendeu a porta e quase foi atropelado por uma Júlia que resolutamente marchou porta afora. Depois do susto ao pensar que poderia ser tio Carlos, tomara a decisão e era melhor que fossem embora logo. Ela saiu puxando um sorridente Gustavo pela mão e se despedindo de Manu, gritando, já de longe:
- Se cuidem, juízo! Manda beijo para tia Vera! Amanhã a gente se vê.
Entraram na caminhonete e tinham acabado de virar a esquina quando o sedan do tio Carlos estacionou na porta. Mas não era o tio quem dirigia.

A Lei do Amor (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora