Capítulo 8

80 15 0
                                    

Na sexta-feira Júlia pediu para sair mais cedo, logo depois do almoço, para poder ir na reunião com seu orientador na faculdade. Iria aproveitar para mostrar para ele mais umas anotações que fizera, então trouxera alguns livros, o notebook, além de outros materiais. Tinha sido complicado chegar até o escritório pela manhã e agora não seria diferente. Teria que tomar um táxi até a faculdade. Enquanto aguardava, em frente ao prédio, se sentiu observada e um arrepio percorreu sua espinha. Olhou em volta e não notou nada de estranho ou diferente, na pressa do dia a dia de uma cidade grande, aparentemente ninguém a notava ou observava.
"Deve ser coisa da minha mente perturbada", pensou consigo mesma. Desde o dia anterior, com a notícia da chegada do André, e a conversa que tivera com Ronald, estava com os nervos à flor da pele. "Essa ansiedade não pode fazer bem para mim", continuou a linha de pensamentos, "preciso tentar respirar e me acalmar, estou assustada à toa".
Mas a sensação não a abandonava. Deus graças quando entrou no táxi e disse ao motorista onde precisava ir.
Chegou à reunião na hora marcada e sentando-se com o orientador, começaram a discutir sobre as anotações que ela havia feito, o progresso do trabalho. Era tanta coisa para ver que o tempo voou. Enquanto terminava de anotar as últimas orientações para modificar um dos capítulos, Júlia observou que já eram dezoito e trinta.
- Nossa, professor, viu que horas são? Tomei sua tarde inteira. Não vi o tempo passar. – estava realmente surpresa em como conseguira se concentrar daquela forma, afinal já vinha a alguns dias tendo dificuldades para isso.
- De maneira alguma, Júlia. Minha tarde era totalmente sua. – Ele sorria diante do espanto dela. Como gostava daquele professor, fora uma alegria ele ter aceito ser seu orientador. Aos 60 anos, Daniel ainda atuava como advogado e além da formação tinha uma bela experiência na área que ela escolhera. E a estava ajudando muito. Júlia se sentia sortuda.
- Obrigada professor. O senhor terá alguma aula agora?
- Não, apenas as oito, Júlia.
- Então deixa eu oferecer ao menos um suco para o senhor, para compensar todas essas horas comigo.
- Claro! Vamos no bar aqui em frente ao campus mesmo. Quero aproveitar e comer alguma coisa bem gordurosa, e que minha mulher não saiba, ou ela me mata antes que o meu colesterol o faça! - Júlia riu alto e foram para o bar.
Àquela hora ainda estava relativamente vazio e puderam sentar e fazer seus pedidos sossegadamente.
Estavam discutindo os malefícios do bacon quando Júlia teve novamente aquela sensação de estar sendo observada. Olhou em volta, por todo o bar, nos carros estacionados próximos... nada. "Deve ser mesmo coisa da minha cabeça..." franziu o cenho.
Nesse instante chega o Gustavo, todo perfumado e sorridente:
- Boa noite!! Olá professor, oi Júlia - cumprimentou o professor com um aperto de mão e Júlia com um beijinho no rosto, se sentando em seguida.
- Chegando para a aula, Gustavo? - Júlia quis saber
- Sim, afinal, não dá pra faltar toda sexta... - sorriu sem graça
Nesse meio tempo o professor de Júlia pede licença, dizendo que tem algumas coisas para preparar antes da aula e se despede, deixando apenas os dois.
- O que você tem, Ju? Quando cheguei estava com a testa franzida e expressão preocupada.
- Nada de mais, Gustavo. Eu hoje estou meio esquisita.... imaginando coisas.
- Como assim imaginando coisas?- Gustavo a olhava atento
- Bobagem. É que à tarde, quando saí do escritório para vir aqui tive a impressão que havia alguém me observando. E agora de novo... - ela disse, e no momento em que dizia já se arrependeu.
- Nossa, mas aconteceu alguma coisa, viu alguém te seguindo? - Gustavo fazia o mesmo processo que ela havia feito, olhando em volta.
- Não... nada aconteceu. - Gustavo não sabia de André, da ida, da volta, enfim, de nada da história, e continuaria sem saber - Deve ser apenas cansaço.
- Pode ser isso sim... você está muito tensa com a conclusão do seu curso. Não anda tendo tempo para nada. Precisa se desligar um pouco.
- Eu sei, falta pouco agora. Hoje nem vou assistir aula. Vou pra casa mais cedo e descansar sim.
- Então eu vou te levar - disse Gustavo.
- De jeito nenhum! - protestou Júlia - Você não acabou de comentar que anda faltando muito às sextas? Não pode.
- Júlia, eu vou te levar em casa. Depois volto e assisto a última aula. - Ele falou, resoluto - Já terminou de comer? Quer ir agora?
-Gustavo...
- Sem direito a protestos. Como é que pode achar que eu vou deixar você pegar ônibus com toda essa tralha? - disse, apontando para o material todo empilhado em uma cadeira.
Júlia riu. Verdade, ia ser uma odisséia. Enfim, parou de fazer charme e aceitou a carona.
Gustavo vinha se mostrando um bom amigo. Estava sempre por perto, às vezes a trazia em casa, outras lanchavam juntos, às vezes apenas trocavam um oi pelo campus. Desde a conversa dias atrás ele vinha se comportando. Estava por perto mas não forçara a barra. Isso a deixava mais tranquila, apesar de uma vez ou outra sentir o olhar dele meio insistente.
Eram sete e quarenta quando Gustavo estacionou sua caminhonete em frente à casa de Júlia. Ela agradeceu e começou a sair, arrastando sua pequena mudança, quando Gustavo a deteve:
- Ju, eu ainda tenho esperança. Vou fazer você acreditar em mim de novo.
- Gus... eu nem sei... é... - começou a falar e o amigo a interrompeu:
- Eu sei que é cedo ainda. Mas era só para te lembrar. - ele sorriu abertamente
- Ok, recado super dado, senhor Gustavo. - e desceu do carro.
- Espera, eu te ajudo - Gustavo pegou os materiais de Júlia e a acompanhou até a porta.
Depois de guardar tudo, ela volta para dar boa noite.
- Volta pra aula, Gus. E vai para a aula mesmo! Obrigada pela carona.
- Para a aula, palavra de escoteiro! - ele sorriu, mostrando os dedos cruzados - Boa noite Júlia! - falou, se inclinando para dar um beijo no rosto dela e quando estava com a cabeça bem próxima, virou levemente o rosto, tocando o canto da boca de Júlia com seus lábios.
Se ela percebeu a manobra, não disse nada. Ficou na porta enquanto via a caminhonete se afastando. Então sentiu novamente. Aquele arrepio, aquela sensação. Olhou para o escuro e não conseguia ver nada. Fechou a porta rapidamente, temerosa. Podia não ser nada. E podia ser qualquer coisa, afinal.

A alguns metros, parado sob a sombra, o homem apertou fortemente as mãos, ao ver a despedida do casal. Ela afinal, seguira em frente. Seus olhos negros se estreitaram enquanto a via fechar a porta depois de olhar em sua direção e não ver nada. Parece que ela sentia sua presença. E agora ele viera para ficar. Júlia era dele. Sempre fora e sempre seria.

A Lei do Amor (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora