1- Jorge

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Ser um rapaz numa família latina não é fácil, especialmente se seu papá está sempre atento a seus erros e te lembra todos os dias que você está longe de ser perfeito.
Acordo ao som dos gritos de mi papá. Não sei se está gritando comigo ou com uma de minhas irmãs. Desde que mi'ama partiu para cuidar de meus avós no Chile, há seis meses, ele ainda não descobriu que ter um chilique por qualquer coisinha não resolve nada.
Aprendi a ignorá-lo.
Esta manhã não é diferente.
Estou animado porque é o primeiro dia do meu último ano. Devo me formar em junho, mas não estou tão certo de que isso vá acontecer.
Note que não estou me gabando de ser um estudante mediano em todas as principais matérias, mas tenho orgulho de dizer que nunca fui reprovado. Recebi uma nota ruim em espanhol no semestre passado.
A señora Suarez esperava que eu fosse bem em suas aulas porque sou chileno. Ela não sabe que falo direitinho, mas, quanto à ortografia, não importa se inglês ou espanhol, definitivamente não é minha praia.
Na cozinha, minha irmã Estella está sentada à mesa lendo um livro enquanto come cereal. Seu cabelo castanho e comprido está preso num rabo de cavalo no alto da cabeça, e eu poderia jurar que ela passou seu jeans e sua camiseta. Estella é uma pessoa que supera todas as expectativas... e isso é um eufemismo.
Na maioria das vezes ela está tão ficada em agradar papá que não percebe o mundo a sua volta. Estella ainda não descobriu que é uma total perda de tempo tentar fazê-lo perceber que ela merece sua atenção.
Seria até engraçado de não fosse tão patético.
Papá entra intempestivamente na cozinha, de terno e gravata com seu fone de ouvido Bluetooth enfiado na orelha.
- Onde você estava ontem à noite? - pergunta para mim.
Eu poderia fingir não ter escutado, mas isso o deixaria ainda mais furioso. Passo por ele e olho o que tem na geladeira enquanto respondo:
- En la playa.
- Na praia? Jorge, olhe pra mim enquanto eu estiver falando com você. - Sua voz é áspera como palha de aço contra pele nua.
Paro e me viro para ele, ainda que preferisse ouvir Estella falar por horas sobre equações matemáticas ou sobre suas teorias a respeito do espaço e da matéria, a estar na presença dele.
Papá me olha e franze o cenho.
Quando eu era mais novo tinha medo dele. Na Little League de beisebol, ele me arrancava do jogo se eu errasse o lançamento ou a pegada. Quando eu comecei a jogar futebol, ele ficava furioso quando eu perdia um passe, e me jogava com força contra a parede ao chegarmos em casa, para que não me esquecesse de que eu era um fracasso e uma vergonha.
Para ele, ninguém nunca é bom o suficiente.
Não tenho mais medo dele, e ele sabe disso. Acho que isso o incomoda mais do que qualquer outra coisa. Algo mudou depois de um de seus ataques. Eu me afastei, e ele não conseguiu mais me segurar.
Posso sentir o cheiro do café misturado com o odor de nicotina em seu hálito quando fica bem diante de mim.
- Ouvi dizer que houve uma briga na praia na noite passada. ¿Participó? Você estava envolvido nisso?
Obviamente ele não viu os nós da minha mão em carne viva.
- Não - minto.
Ele da um passo para trás e ajeita o terno.
- Bueno. Não quero ouvir fofocas no escritório sobre meu filho ser um tipo de valentão. Nada de leitura na mesa da cozinha - Papá berra para minha irmã enquanto senta com uma cabeça de café fumegante.
Estella rapidamente fecha o livro e o põe de lado, e continua comento em silêncio.
Papá bebe o resto de seu café enquanto lê mensagens e e-mails no celular, então deixa sua caneca na pia e sai de casa sem dizer nada. Assim que se afasta, a tensão em meu pescoço desaparece.
Valentina, a gêmea de Estella, é a extrovertida da família; ela entra na cozinha usando uma camiseta justa, alguns números abaixo do seu, e um short tão curto que chega a lhe deixar a mostra metade da bunda. Balanço a cabeça em reprovação. Enquanto Estella se destaca na escola, Valen se destaca em gastar dinheiro e mostrar o corpo, o máximo que puder.
Normalmente não me meto, mas... é o primeiro dia de aula e mi'ama me fez prometer que tomaria conta das minhas irmãs. A última coisa de que preciso é ter que ameaçar metade dos caras da escola que quiserem olhar pra bunda da caloura, minha irmã.
- Valen, voce está de sacanagem? - pergunto.
Ela joga o cabelo ruivo e da de ombros.
- O que foi?
- Você não vai a escola usando isso.
Minha irmã revira os olhos e bufa.
- Sério, Jorge, você está ficando um culero. Me deixa em paz.
Lanço um olhar de irmão mais velho que significa que não vou recuar. Não sou um babaca. Por mais que Valentina queira parecer e agir como de tivesse dezoito anos, ela só tem catorze. Chamar atenção para seu corpo não vai acontecer durante o meu turno.
- Você não vai usar essa merda minúscula na escola. Não tem conversa.
Ela me olha com desprezo, mas já deveria saber que isso nunca cola comigo.
- Está bem. - Ela explode e corre escada acima, e aparece alguns minutos depois usando uma calça jeans mega- apertada e uma camiseta branca que não lhe cabe mais direito. É quase transparente, mais ainda sim é melhor do que a outra porcaria que estava vestindo antes.
- Está bom assim pra você? - Valentina pergunta, troçando de mim aí rodopiar como de estivesse desfilando.
- Serve. Que está bien... esta bom.
Ela pega uma barra de granola da despensa.
- Adiós. E antes que pergunte quem vai me levar para a escola, eu vou de carona com a Chi. - Ela me olha de soslaio. - Você lembra dela, Jorge, não lembra?
Ela não pode estar falando sério.
- Chiara Parravicini?
- É.
Que inferno! Posso ver pelo olhar sinistro em seu rosto que ela está falando sério.
- E porque você vai para escola com minha ex- namorada?
Valentina da uma mordida na barra de cereal.
- Primeiro porque ela tem idade para dirigir até a escola. Além disso, ela é popular e pode me apresentar a todas as pessoas legais. E, finalmente, porque ela me ofereceu uma carona. Precisa de mais alguma razão?
Chiara Parravicini e eu ficamos algumas vezes no início do ano passado. E terminamos de vez antes do verão. Ela tem o hábito irritante de postar um monte de merda sobre mim na internet. Não que ela me marque nas suas postagens, mas todo mundo da escola sabe que as postagens sobre termino de namoro são dirigidas à mim. Coisas como:
Se você tem medo de compromisso, não me merece.
Nenhuma garota de tratará tão bem quanto eu.
Eu te dei tudo e você não deu a mínima.
Estou melhor sozinha do que com você.

E a minha favorita...

Meu ex é um arrogante.

É, essa é a Chi. Me desdenha até decidir que quer voltar. Então meu celular fica cheio de mensagens dizendo o quanto ela sente minha falta. A última vez que terminamos, jurei que nunca mais ia voltar. Chiara é a versão infantil de uma rainha do drama. Eu não curto drama. Pelo menos, não mais.

His girl- jordannaOnde histórias criam vida. Descubra agora