17- Jorge

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E daí? Perdi totalmente a cabeça no jogo da noite passada. Quando meu pai começou a berrar comigo das arquibancadas, e eu sabia que a Danna podia ouvir seus xingamentos, fiquei tão puto que não consegui controlar minha raiva. Descontei no time adversário, no Saak, nos meus amigos...
Controle é a única coisa que me resta, e agora estou perdendo isso também.
Esta manhã estou quase saindo de casa quando mi papá me para na porta e diz:
— Você é um idiota, Jorge.
— Obrigado, pai.
Deixo por conta de papá me lembrar constantemente que não chego nem perto de atender suas expectativas como filho.
— Estou atrasado para o trabalho. — digo, já esperando o próximo insulto, porque isso é o que ele faz de melhor.
Papá odeia meu trabalho. Ele também acha que futebol e ser um jogador, duas coisas que melhor me definem, são perda de tempo. Ele vai aos jogos para aparecer e para fazer com que todos pensem que ele é um pai que me apoia. A verdade é que papá preferia que eu tivesse entrado para o Futuros Empreendedores da América. O fato de eu não ter tentado uma vaga de estágio na Fortune 500 nesse último verão o aborrece.
Ele nunca fala com orgulho que seu filho é jogador de futebol no colégio estadual e trabalha numa oficina mecânica, sujando as mãos para ganhar um salário de merda.
Ele agita um dedo na minha cara.
— Sabe o que o filho de Jack Weigel fez neste verão? Trabalhou para uma financeira, no centro.
— Além de jogar futebol duas vezes por dia, eu arrumei um emprego.
Ele balança a cabeça, demonstrando desapontamento.
— Você chama aquela oficina caída de emprego?
— Sí, papá.
— Não se engane. Trabalhar numa oficina, é no melhor dos casos um passatempo, Jorge. Quanto a Isa te paga? Um salário mínimo?
Dou de ombros.
— As vezes um pouco menos.
— Quer ganhar um salário mínimo pelo resto de sua vida? — pergunta, desgostoso.— Sabe o que mais? Vou construir uma choza no quintal para que você possa experimentar como é viver com um salário mínimo.
— Ela é da família. — digo, na esperança de por um ponto final no assunto. É difícil, porque minhas veias estão queimando e meu corpo está ficando tenso. Por mais que eu diga para mim mesmo que o que ele diz não importa, meu corpo reage, descontrolado.
— Isa é um lixo. — Ele cospe, mostrando escárnio.
Aguenta Jorge, aguenta.
Passo por ele e saio de casa para o ar fresco.
Saio na moto velha e enferrujada que Isa me deu como pagamento pelo trabalho no verão passado. Pouco depois, passo pelas pistas e vou para Fairfield, a cidade da escola rival. Atravesso as ruas, totalmente consciente de que estou em território inimigo, mas ajo como se não me importasse. Bem, na verdade, não me importo mesmo. Se alguém quiser partir para me pegar, estou pronto. Digamos que nunca fugi de uma briga. E posso ter começado umas poucas.
Ou até mais. Porque não fico contando.
Não é que eu goste de usar os punhos, apenas estou acostumado a fazê-lo. Quando era mais novo, me acovardava quando alguém implicava comigo. Um dia, no casamento do meu primo, papá me puxou de lado depois que um pendejo me deu um empurrão. Papá me segurou pela camisa e me disse que precisava embrutecer se quisesse me tornar um homem de verdade.
Depois de algum tempo ele deixou de ser meu herói.
E me tornei um babaca.
— Está atrasado. — diz Isa, assim que piso na oficina.
— Me manda embora, então. — Visto o macacão azul que estava pendurado na parece no fundo do escritório.
Ela chicoteia um pano sujo em mim.
— Você sabe que não posso mandá-lo embora, pendejo. Você é o único que trabalha por um prato de comida quente, uns trocados para gasolina e uma moto velha que vale menos que a gasolina que você põe nela.
Isa parece durona com seu cabelo preso em um rabo de cavalo apertado e um macacão que certamente foi feito para alguém com o dobro de seu tamanho. Isso, além das tatuagens de Sangue Latino que fez quando estava no colegial, faz com que ela pareça uma latina enfezada.
Mas tenho que reconhecer seu valor. Ela não conhecia nada de carros antes do Omar, o antigo dono, morrer num confronto entre gangues. Aparentemente, ele foi meio que executado no escritório de sua própria oficina. Em seu testamento, ele deixou o lugar para Isa. Ele também deixou as dívidas. Em vez de vender tudo, ela decidiu aprender o que podia sobre o negócio para pode administrar o lugar.
Dois carros no elevador. Um é um Mustang 1982 que precisa de freios novos, o outro é uma Caminhonete F-150 muito velha que precisa refazer o motor.
— Toma — diz, me entregando uma prancheta com as ordens de serviço dos carros. — Comece pelo Mustang, porque é mais rápido e eu preciso de dinheiro. — Ela hesita e continua: — Ainda faltam 400 paus para pagar a hipoteca desse mês.
— Talvez você possa deixar de me dar a grana da gasolina dessa vez... — digo a ela enquanto caminho até a banca de ferramentas para pegar o que preciso. Trabalharia de graça, e ela sabe disso. Estar na oficina é o que eu quero, mas não preciso disso, não importa se sou pago ou não. É minha fuga. — Ou vende a oficina e segue em frente.
— Não posso fazer isso. — diz, endireitando-nos ombros como se isso pudesse fazer com que aja e aparente ser mais durona. — Preciso manter o lugar aberto. Por mim.
E por Omar, mas ela não admite isso.
— Não esquenta, vou distribuir uns cartazes pela cidade para dar um gás no negócio.
Sua expressão dura se suaviza um pouco.
— Você é bom demais para mim, Jorge. Não mereço você.
Merecer?
— Puxa, Isa. Eu sou um babaca.
— Sei disso. Mas você é o babaca mais bacana que conheço. Agora volte ao trabalho. — Ela diz isso é finge me dar um soco no estômago.
Trabalho no Mustang enquanto ela começa a levantar o estoque. Seria legal se esse carro fosse pintado e o interior detalhado e recuperado. No passado ele devia chamar muita atenção. Mas agora, bem, agora chama atenção porque parece uma pilha de lixo. Não porque é um carro bacana.
Termino o Mustang e começo a F-150. Retificar o motor não vai ser fácil, mas é o tipo de coisa que gosto de fazer.
Quando trabalho com os carros, fujo da minha vida. Me sinto mais em casa na oficina do que na minha própria casa.
— Olá! Tem alguém aí? — Ouço alguém chamar.
Olho pela entrada e vejo Bernie, um mecânico que ajuda Isa algumas vezes por semana. O cara está apaixonado pela minha prima desde que começou a trabalhar aqui, mas ela não quer nada com ele. Preciso dar crédito ao cara porque tem cojones por sempre voltar para levar mais foras dela.
— Achei que tinha te demitido! — Isa vocifera. — Sai daqui.
Bernie, um cara de mais ou menos 30 anos cujo cabelo é cuidadosamente escovado para o lado e é a definição ambulante de um nerd, vai até Isa.
— Você me despediu porque te convidei para sair.
— Exatamente!
Bernie levanta as mãos.
— Isso é loucura, Isa.
— Não. — Isa vai até o balcão, colocando uma barreira entre os dois. — Loucura é você me convidar para sair. Não vai rolar.
— Porque não?
Ela olha para Bernie.
— Eu não vou a encontros.
— Isso não faz sentido.
— Certo. Então deixa eu por desse jeito: — e ela soca o balcão. — Não saio com nerds. Agora se manda.
Bernie, que você pensaria que seria um molenga, a ignora. Ele vai até o carro no elevador e começa a olhar a ordem de serviço enquanto assobia. Começa a trabalhar no carro.
Devo dizer que o confronto deles é bem divertido.
— Quer que eu chame a polícia?! — Isa grita, furiosa.
— À vontade — ele responde.
— Não me provoca, babaca.
Bernie para de assobiar.
— Eu já te disse como você fica sexy quando está sendo teimosa?
— Vai tomar no cu. — Isa diz, lhe mostrando o dedo médio. Ela sobe para seu apartamento, furiosa.
— Está procurando problemas — digo a Bernie.
Ele da de ombros.
— Estou apaixonado por ela, Jorge. — Ele fica olhando para porta por onde Isa desapareceu. — E quero uma chance, se ela puder me dar. Você nunca quis sair com uma garota a ponto de estar disposto a fazer qualquer coisa para conseguir?
— Não. — respondo, pensando na Danna e no que eu sinto por ela todos esses anos. — Eu desistia, se fosse você.
— Que bom que você não é. — Ele estica a mão e pede —: me dá uma chave de boca?
— Pensei que ela tinha te demitido.
— Ela não pode se dar a esse luxo, Jorge. — Ele sorri com malícia. — Não se preocupe, eu acabo domando ela.
— Você sabe que ela guarda um revólver de baixo do balcão, né? — aviso. — E não acho que ela tenha medo de usá-lo.
— Algumas garotas valem o risco. — diz Bernie. — Você nunca se apaixonou?
— Claro, mas desisti há muito tempo. — Meu melhor amigo a ganhou no instante que a convidou para sair.
— Antes de morrer meu pai me ensinou uma coisa: não desistir. Nunca. — Ele olha demoradamente para a porta do apartamento no topo da escada. — Bem, a não ser que ela me de um tiro. Aí acho não rola.

His girl- jordannaOnde histórias criam vida. Descubra agora