Aquelas vozes

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Agora enquanto tomava banho, uma voz falou comigo e eu falei com ela de volta. Num som quase que assustador dentro do banheiro, pedi pra que ela continuasse falando comigo e ela continuou, me direcionou sobre o que eu deveria fazer.

Enquanto ela falava comigo eu imaginei por um instante minha irmã dizendo: "tá repreendido" tá repreendido? - meu pensamento responde. Mal sabe ela que é a junção do "tá repreendido com o glória Deus" que mantém você vivo, a escuridão dentro da sua cabeça foi o que deu à luz a esse livro.

A voz fala sobre culto de libertação sorrindo, ela diz: "você vai se libertar de que? Da escuridão que tanto gosta? Você sabe que sem isso você não escreve, sabe que isso não é uma autobiografia e sim uma psicografia." Você pede ajuda a gente e ao homem lá de cima, a gente te direciona pro mau, e ele pro bom caminho.

A voz sabe que em algum momento um pastor vai vir falar comigo, e eu fico aqui imaginando como será a conversa entre os dois: o pastor chegando perto de mim, me olhando como se pudesse ver a luz e a escuridão que eu carrego. Maravilhado com o coração cheio de luz e assustado por ver todo resto pintado de preto.

- Pastor: O que você quer meu filho? E eu respondo: quero paz, pastor. Me imagino com os olhos cheios d'água pedindo socorro enquanto a voz ri da minha cara. Enquanto converso com o pastor ela tenta assumir o controle pra dizer a ele tudo que ela fala comigo na madrugada.

- voz: eu tento matar ele, falo que ele é um inútil e que ninguém vai ligar se ele simplesmente acabar com tudo, tento fazer com ele o mesmo que fiz com o pai dele, ele luta contra mim, mas não quer se libertar porque sabe que o pecado é o que faz ele escrever, e ainda tem o homem lá de cima que não o deixa morrer, que diz que ele tem um propósito, mesmo que ele mesmo não acredite. Esses dias tentei levá-lo comigo, mas ele falou o nome daquele homem e ai eu tive que sair de cima do pescoço dele, ele diz pras pessoas que não quer acabar como o pai, apesar da dor que sente. Eu me pergunto como ele consegue resistir, mesmo que as vezes diga que quer morrer, ele continua lutando, se eu não sentisse tanto ódio dele, até aplaudiria o esforço. Por mais que eu tente, ele colocou na cabeça que o destino dele é o céu, independente dos pecados. Todo dia eu falo pra ele que o paraíso é um inferno e que o inferno é o paraíso, mas ele se recusa a escutar. Mesmo pecando ele quer ser perdoado pelo lá de cima nos últimos minutos de vida. A única coisa que eu falo e que ele acredita, é que vai ser um homem com uma vida falsa se entrar pra igreja ou se largar o pecado que ele tanto gosta. Ele quer os dois lados mas no final quer subir. Começo a achar que o inútil sou eu, logo eu o demônio que tenta fazer com que ele desça. ele já não tem o pai nem a mãe, qualquer um no lugar dele iria enlouquecer, mas ele? Ele segue como um louco consciente.

Imagino o silêncio do pastor e os pensamentos dele, enquanto tento adivinhar se ele acha que o que eu estou dizendo é verdade ou loucura.

Enquanto isso olho pro teto do meu quarto e falo com Deus, pedindo ajuda a ele para que ele me faça terminar isso de um jeito que não pareça tão absurdo.

Imagino o pastor ainda ali, sentado na cadeira da cozinha encarando a minha luz e as minhas trevas enquanto se pergunta o que pode fazer pra me ajudar. Ele então se levanta, coloca a mão sobre a minha cabeça e expulsa os meus demônios, mas antes de sairem eles dizem: "até logo, sei que precisa de nós mas por enquanto vamos deixar o homem de branco tomar conta de você e te dizer boas palavras."

Enquanto as vozes param eu posso ouvi-las indo embora gritando de raiva, porque sabem que apesar de todo o meu ser estar preto, a luz que está comigo e o bem que ela traz pro meu coração, ofuscam toda a escuridão que existe em mim.

No fim eu só sei que preciso do louvor que ensina e acalma mas também preciso do ódio que inspira a tal poesia, o que alguns conhecem como a demonização da alma.

Escrevendo Em Busca De ÊxtaseOnde histórias criam vida. Descubra agora