TITANOMAQUIA

O TEMPO - CRONOS

Assim pensava o Tempo:

"E sem me achar merecedor de onde estou, estou aqui, há muito tempo, ciente de tudo o que me aconteceu e o que irá me acontecer. Se nada do que eu fiz me proporcionará a libertação, qual o motivo de ainda fazer? As minhas ações parecem tão inerentes a mim quanto o sangue que corre pelas minhas veias e, se ao menos pudesse me esquivar de ser como sou..., mas não posso, tudo o que faço tem minha identidade e seria impossível que outro o fizesse. O cálice que crio é o cálice que bebo, mesmo que tenha gosto tão amargo.

E merece um pai que afasta seus filhos continuar no poder? E merecem filhos que matam o próprio pai tomar dele esse poder? Será que, sabendo quão vis foram e seriam esses protagonistas, não é meu dever retirá-los de cena?

Agora estou aqui, vilão para minha amada, que não entende que é incapaz de dar amor e caráter na mesma proporção ao único filho que salvou de minhas garras; difamado por quem vive ao meu redor, por quem subjuguei e subjugaria mais uma vez todas as ervas daninhas desse Cosmos. Ingratos, e eu sempre soube que seriam. Se o céu não cai sobre eles hoje em dia é graças a mim. Se os raios ainda não fazem tremer é porque eu tive misericórdia dando a eles mais algum tempo. Entretanto, de nada adiantará elucidar a eles o que eu vejo, nunca, em nenhuma de minhas previsões adiantou, não será agora."

- Chamem Réia - ordenou o grande Cronos em sua voz retumbante que caia bem no corpulento físico de quem devorava tudo que lhe convinha, assim como dava mais profundidade as extensas olheiras de quem se tornara incontornavelmente paranoico com qualquer possibilidade de sono que pudesse ter ou qualquer risada que pudesse dar.

"Vá até ele, meretriz da pior espécie", disse o rei, "que não me dá o desgosto de seu deleite com outro, porém me espera dormir para então cravar minha própria foice em minhas costas. Vá até seu filho querido e tente pedir piedade a mim, agora que sabe que os poupei de qualquer punição durante todo esse tempo que tramam contra meu reinado...

Ou pensava que o Titã Tempo não enxerga mais do que seus olhos podem ver? Ingênua criatura que projeta no filho um ser virtuoso como um dia projetou em mim. Virtuosa seria você, se não projetasse em ninguém seus anseios de justiça. Só que não foi e agora é tarde para procurar virtudes. Me apoiou sem entender o porquê de minha revolta contra nosso pai; agora instiga nosso filho sem entender meus motivos de ter punindo-os previamente.

Zeus não será o rei justo que imagina, não está, nem nunca estará preparado para o comando, eu vi isso e não há chance de mudar. Sendo bondoso ou sendo o que sou, de qualquer maneira nosso filho tramaria contra mim e me julgaria culpado. Mas você tinha que ser a catalizadora disso, para acabar mais uma vez com qualquer esperança que tenho na fidelidade eterna."

Cronos nunca entendeu bem o amor que sentia pela Titã que o acompanha todos os dias de sua existência. Costume não seria explicação, pois já havia punido tantos dos que o acompanharam durante sua jornada. Entretanto com a esposa era diferente. Sabia do que a víbora era capaz, mas não tinha coragem de negar qualquer de suas vaidades, pouco lhe importava se o prejudicasse. Talvez o Destino estivesse acima até mesmo do Deus do Tempo, e mesmo que Cronos soubesse jogar, o Cosmos tinha seu as na manga contra quem quer que fosse. O as contra Cronos certamente era Réia.

Então viu sua esposa lhe dar as costas - como que para simbolizar o que já sempre fazia - e correr para salvar sua prole dos dentes daquele marido, tão odioso em fisionomia quanto em atitudes.

Para ele, agora bastava esperar entrar em cena mais uma vez, já que lutar para fugir de seu algoz era impossível, resolveu abraçar a profecia e ao menos virar o vilão mais imponente de toda aquela tragédia de quem ninguém podia escapar, persuadidos pela tenaz liderança do Caos.