Hear me | Kiribaku

Saudades

3 de março

"She's kinda hot" estava estourando nos headphones de Kirishima, ele estava no meio de seu vôo e não conseguia dormir de jeito nenhum. Já havia andado de avião milhares de vezes e não sentia medo nisso, mas dessa vez uma ansiedade o cobriu fortemente.

Talvez porque ele estivesse de mudança, indo para sua nova casa na antiga cidade que costumava ir quando criança. Tantas lembranças quase apagadas de sua memória voltavam para sua mente em flashbacks que o fazia ter dor de cabeça.

A casa nova dele era a antiga casa de seus avós, porém agora que os dois estavam descansando no céu, ou sabe-se lá onde, a casa ficara vazia e era uma ótima oportunidade para a nova família Kirishima ocupá-la.

E para falar a verdade, a casa já estava sendo ocupada desde o início do ano por Rin Kirishima. Ela tinha ido para a cidade três meses mais cedo para organizar a mudança dos móveis e por conta do trabalho, o qual ela havia ganhado uma transferência. Já Chiara Kirishima permaneceu com Eijiro no antigo apartamento.

As duas acharam melhor que Eijiro fosse para a casa apenas quando ela estivesse pronta, para não o atrapalhar em seus estudos escolares e em suas aulas de guitarra. E ele concordou com isso, afinal iria passar 3 meses em casa tocando guitarra e ficando na frente do computador, tinha coisa melhor?

Mas agora que a casa estava pronta para recebê-los, o nervosismo o atingia. Mudar de cidade, escola e casa era em si uma ideia assustadora. E reviver lembranças do passado era pior ainda.. porque tinha ele. 

Katsuki Bakugou talvez ainda morasse lá.

Katsuki era um amigo antigo de Eijiro, eles sempre brincavam juntos nessa época, Eijiro tinha cabelos pretos e era uma criança inocente, sem problemas do mundo real, tudo que importava era acordar, comer e ir brincar com seu vizinho. A família Bakugou morava em na casa ao lado da dos avós dele, e as janelas dos quartos dos dois ficavam de frente uma para a outra.

Eijiro sempre gostou muito de Katsuki, passar as tardes com ele sempre o alegrava e a amizade que suas mães tinham com a mãe de Katsuki o ajudava a manter contato, porém esse contato não durou muito tempo depois que as visitas de Eijiro pararam de acontecer.

E como ele ainda era uma criança de sete anos, não possuía um celular ou alguma rede social na época então pouco a pouco Kirishima se distanciou de Bakugou, até ele conhecer novas pessoas e acabar ignorando a existência de seu amigo.

Sem o contato, ele também esqueceu completamente da promessa que fizeram.

Bakugou sofreu um acidente quando era pequeno, era para ser uma simples viagem de família, mas os pais de Katsuki brigaram feio na estrada e seu pai acabou perdendo o controle do carro. Eles não tiveram ferimentos sérios, porém Katsuki era uma criança de 4 anos e estava sozinho no banco de trás, preso na cadeirinha. Ele sofreu lesões na cabeça que danificaram os canais auditivos, fazendo-o perder grande parte da audição. 

Ele costumava usar um aparelho auditivo sempre que estava perto de Kirishima, as vezes isso o ajudava a ouvir mas o estrago tinha sido forte demais. Por insistência de sua mãe, Katsuki aprendeu língua de sinais e geralmente se comunicava assim, claro que ele podia falar mas nunca fez isso na frente de Eijiro, ele tinha medo de acabar gritando sem querer por não conseguir ouvir direito o tom de voz que estava usando.

No passado, os dois fizeram uma promessa. Bakugou iria ensinar Kirishima a se comunicar com ele, mas depois desse dia eles infelizmente nunca mais se encontraram de novo. E na época o moreno disse a si mesmo que iria aprender para impressioná-lo no próximo verão.

Mas esse verão nunca aconteceu.

Sete anos se passaram e o verão tão esquecido finalmente parecia estar acontecendo, e Kirishima a cada segundo se culpava por não ter aprendido língua de sinais.

— Eiji? Querido, está tudo bem? — Chiara o tirou do transe, a musica tinha acabado e nada soava nos seus ouvidos além da voz de sua mãe.

— O quê?

— Amorzinho, você está chorando.

Eijiro tocou no rosto e sentiu lágrimas na sua bochecha, ele não tinha notado que estava chorando, será que já fazia tempo? Foi por causa de Katsuki?

— A-ah, eu nem notei... — Ele disse limpando as lágrimas. — Não é nada demais, só.. só estava ouvindo uma música triste. —Mentiu.

— aah sim, entendo.. mas vai dar tudo certo, daqui a pouco estaremos pousando. — Ela deu um beijo na testa do ruivo e voltou a olhar para o celular.

Já Eijiro voltou a vagar em seus pensamentos.

[...]

Após pousar, eles tinham que pegar um táxi para chegar na cidade que ficava um pouco afastada da metrópole. Demorava cerca de meia hora e quando já estavam perto Chiara resolveu puxar assunto com Eijiro.

— Está ansioso? — Ela perguntou.

— Acho que até demais — Ele respondeu rindo.

— Você vai adorar, vai ser como nos velhos tempos, lembra? — Chiara diz, sem se importar com o motorista do táxi ouvindo a conversa. — A casa está reformada e sua escola nova dá para ir a pé de tão perto que fica, vamos passar dias incríveis lá.

— Que bom. — Falou, fitando a janela do carro.

— Anda Eiji, se anime um pouco! Sabe o que vai te fazer feliz? — Ela disse recebendo um "huh?" Como resposta. — Rin me contou que a família Bakugou ainda mora na mesma casa! Katsuki e vocês não eram super amigos?

Eijiro estremesseu por completo, o que ele mais temia estava se realizando. Uma parte dele estava feliz pela notícia enquanto a outra o amaldiçoava lembrando da promessa.

— E-eles continuam lá? — Perguntou, mas foi interrompido pelo motorista.

— Chegamos.

O carro estacionou e eles desceram do carro, enquanto Chiara e o motorista tiravam as malas Eijiro estava em um transe olhando para as duas casas na sua frente.

Naquele momento ele percebeu o quanto estava com saudades de Katsuki.