Mochilinha

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Pela manhã, Raissa permanecia irritada comigo, tomei o café da manhã silenciosamente ansioso para sair logo dali, não suportava mais aquele clima pesado de alguém que parece desejar me estrangular. Logo após que terminei fui pegar carona e Noah agia naturalmente, como se nem tivéssemos tido algum momento de intimidade.

- Bom dia gracinha, como estão suas costas? - Ele perguntou com um tom de diversão.

- Está ótima e minha cabeça também, obrigado por perguntar - Respondi irritado.

Pela primeira vez ele pareceu magoado com meu jeito grosseiro, ele deu partida no carro e seguimos o trajeto em um silêncio desconfortável, as vezes ele acompanhava a melodia da música que tocava e só. O carro parou pois chegamos no colégio.

- Tem Física hoje? - Ele perguntou indiferente.

- Sim, é a terceira aula.

- Soube que você tem um professor novo, nanana primeiro dia dele e já causa mau impressão - Ele disse em tom sério, não consigo distinguir se há alguma brincadeira.

- Mas ai o problema já é meu, não acha?

- Sabe, eu até gosto de você, mas tem dias que essa sua grosseria é insuportável. Melhor irmos para não se atrasarmos.

As primeiras aulas foram sufocantes, pareciam nunca ter um fim. Estava nervoso pelo o que Noah disse mais cedo pois foi inesperado, ele nunca havia se irritado comigo, e também porque eu teria que enfrentar o novo professor e nem sabia o que dizer se ele perguntasse sobre ontem.

O sinal tocou avisando o fim da segunda aula e início da terceira, o professor entra na sala e me surpreendo com o que vejo, invés de ser um velho, como todo professor desse colégio, ele é jovem, parece recém formado, ele cumprimenta a turma e observa os alunos até que me vê.

- Vejo uma cara nova hoje - Ele diz passando a mão em seu cabelo castanho.

- É o Kaique, o garoto que matou aula e esqueceu a bolsa na sala - Sofia responde, a nerd da turma, e todos riem.

Correspondo seu olhar com a mesma intensidade até que ele sorri, e então dá início a aula. Além de ser formado em Física ele deve ser graduado em latim, não entendo absolutamente nada do que ele diz, alguns números -acho que são equações- estão sendo escritos na lousa, mas é como se eu vesse uma sopa de algarismos dançando.

- Mochilinha, poderia me dizer o resultado da equação? - Pergunta olhando para mim.

- Mochilinha? - Digo confuso, aposto que é algum apelidinho que ele deu por eu ter ido matar aula sem levar a minha mochila, nossa humor e piadas rá rá, que cara engraçado.

- Creio que a resposta não seja essa, Mochi.

- Nossa professor, isso foi tão engraçado que eu esqueci de dar risada. - Respondo em um tom sarcástico, ele fica sério. Pelo visto minhas "piadinhas" está afetando todos hoje.

- Sua nota está péssima na minha disciplina, mas nem preciso dizer pois você deve saber - Ele diz com um tom firme me encarando.

- Então por que se deu o trabalho de dizer? - Respondo irritado, ele não devia expor minha situação dessa maneira, todos me encaram com uma expressão surpresa, parece que esse povinho do interior nunca viu uma intriguinha antes.

- Se está tão mal ao menos devia vir as aulas, e... Quem sabe puxar meu saco? Poderia render uma boa notinha já que teu cérebro parece que vai render absolutamente nada, Mochi - Diz caçoando da minha cara, ele parece fugir dos padrões de um professor. Pego meu material e minha bolsa e me encaminho para a porta.

- Pode me reprovar, não dou a mínima pra sua aulinha de merda.

Saio em disparada pelo corredor, incrível minha capacidade de ter um péssimo começo com todo cara bonito dessa cidade. O sinal bate e esbarro com um garoto que estava saindo pro recreio.

- Hey, calminha. - Ele diz me segurando. - Ah, você deve ser o Kaique né? Namoradinho do Noah.

- Ahn? - Fico completamente assustado com a possibilidade dele saber sobre isso, será que todos já descobriram minha sexualidade? - Sai mano, eu não sou g...

- Relaxa, eu sou o melhor amigo dele, ele só comentou uma coisinha ou outra sobre você pra mim. Prazer, me chamo Kainã. Vamos pro lanche.

Ele me puxa em direção ao refeitório e logo avisto Noah sentado com mais três pessoas, ele está sentado ao lado de uma garota e seu braço direito está envolto ao redor dela envolvendo seus ombros. Confesso sentir uma pontada de ciúmes e inveja daquela menina.

- Trouxe teu lanchinho Noah - Kainã diz assim que chegamos na mesa.

Noah me encara surpreso como se eu fosse um fantasma.

- Ah, então finalmente vamos conhecer o Kazinho - Diz a garota.

- Se aquieta Mika - O garoto que está sentado de frente pra ela retruca. Noah prossegue me encarando mas não desgruda da garota, retribuo o olhar e ele logo desvia.

- Não enche Tommy, você também estava curioso pra saber quem ele é, nem adianta disfarçar - Ela retruca irritada, o garoto do lado de Tommy permanece em silêncio concentrado na comida à sua frente.

- Eu já tinha visto esse fresquinho da capital, pra que eu ia ficar curioso?

- Fresquinho? - Indago surpreso com o novo apelido, essa cidade está me oferecendo tantos apelidos de qualidade, estou imensamente grato.

Me viro para ir ao meu cantinho pois não tenho interesse algum em fazer amizade com eles, porém assim que viro Kainã envolve seus braços na minha cintura me puxando para si, e me acompanha.

- Vocês brigaram, é? - O perfume dele é muito bom.

- Acho que ele se irritou hoje com o tom que conversei com ele.

- Logo fica tudo bem, depois que a mãe dele morreu ele ficou meio bipolar mesmo. Até mais, volte sempre que quiser, gostei de você cara. - Ele me soltou, deu um beijinho na minha bochecha e foi.

- Esp... - Quis perguntar sobre o assunto mas ele já tinha corrido de volta para a mesa com seus colegas, não sabia que a mãe dele havia morrido.

Sempre percebi que era só ele e o pai, mas preocupado comigo mesmo nem cheguei a pensar aonde poderia estar a sua mãe, e por que ele nunca me contou? Se bem que nunca perguntei,afinal ninguém vai chegar "Oi prazer, minha mãe já ta morta".

O sinal bate e retorno para a aula, mas só de corpo pois minha mente permanece em outro lugar.

Lobo 359Onde histórias criam vida. Descubra agora