Mistérios em Pensilvânia

Fuga

SEM REVISÃO.

***

Quando Lúcifer mordeu a maçã, repudiando todos os seus impulsos incoerentes de desobedecer ao Pai, e engoliu, algo que ele não imaginava aconteceu.

Seus olhos muito claros se tornaram escuros, seus nervos enrijeceram e suas asas se abriram instintivamente.

Ele conseguia ver, toda dor e sofrimento, todo o mal do mundo exterior, onde viviam todos os outros humanos que Deus julgava imperfeitos. Toda a terra que Deus escondia de Adão e Eva, pois eles eram a criação absoluta, aqueles que nunca deveriam morrer.

Mas Lúcifer conseguia ver toda a maldade no corpo de Eva, Lúcifer conseguia ver toda a injúria existente na Terra e conseguia ver o mesmo tipo de sentimento dentro da mulher a sua frente. Lúcifer se revoltou.

Se Deus era tão bom por que não deixava todos viverem no jardim? Onde a comida nunca acaba e crianças não tinham que morrer para tentar vencer a fome? Por que Deus não amava os próprios filhos mas os filhos continuavam orando para ele?

Deus era falso.

Quando o anjo sentiu-se voltar ao normal e a maçã caiu de sua mão, ele sequer olhou para Eva novamente, apenas deu meia volta e seguiu, ouvindo-a chamar seu nome.

Lúcifer procurou Miguel, indignado com tamanha injustiça. Ele pediria ajuda ao irmão para estabelecer a ordem, fazendo tudo e todos seguirem o fluxo de suas vidas, sem dor, sem maldade.

Miguel, o irmão que mais lhe era de confiança, encontrava-se sentado em meio às nuvens, no enorme templo dos anjos.

- Irmão? - Lúcifer chamou, os punhos cerrados. Miguel abriu os grandes olhos castanhos para o outro. - Preciso falar contigo.

O anjo de madeixas escuras franziu o cenho, pelo comportamento do anjo à sua frente, não era algo de tanta graça aquilo que ele tinha a dizer.

- O que te aflige, Lúcifer, Estrela da Manhã?

- Deus.

Miguel franziu mais ainda o cenho, se levantando.

- O que disse? Creio ter ouvido de maneira errônea.

- Não, Miguel. Escutou exatamente aquilo que acredita não ter. Deus é o que me aflige.

- E por que te aflige? - caminhou até ficar cara a cara com o anjo que tanto brilhava ao ser beijado pela luz do sol.

- Deus não é aquilo que acreditamos que seja, irmão. - Lúcifer disse, com pesar, e os olhos de Miguel se atentaram ainda mais. - Ele mata e sacrifica, Ele mente e manipula. Existem pessoas morrendo o tempo inteiro por soberba, por ódio e ganância. E embora Deus não faça nada para ajudá-los, eles continuam orando por Ele.

- Oh, Lúcifer, Estrela da Manhã, não se preocupe tanto. Essa é a natureza dos humanos.

- Não! Miguel, não percebe? Se Deus é tão benevolente, então por que deixa seus filhos em tamanha desordem quando poderia dar à eles toda bênção de seu coração? Isso não é justo. Ele deixou os humanos para morrer lá embaixo e criou Adão e Eva no jardim, espalhando para a humanidade a história de que se orassem, vivessem suas vidas de acordo com os desejos dele e fizessem sacrifícios por ele, quem sabe pudessem viver no jardim que tudo tem como os dois filhos favoritos de dele. Mas Deus não é bom, porque enquanto eles oram e sacrificam, crianças morrem de fome, homens são mortos por dinheiro e mulheres são abusadas e usadas de maneira tão repugnante que chega a ser asqueroso apenas pensar.

- Então, os humanos não são perfeitos para você?

- Deus não é perfeito para mim. Ele pode mudar isso, mas não mudará. É por isso que preciso de você, irmão.