Eu sempre me perguntei como as pessoas expontâneas conseguiam exalar toda aquela força por um período tão longo do dia.
Era bonito vê-las interagindo com todos e não tendo receio de conversar com ninguém, mas isso também me deixava um pouco confusa. Talvez pelo fato de desde muito pequena eu já não conversava com quase ninguém da escola, ou essa falta de necessidade em construir um relacionamento com outros que particularmente eu não acho necessidade.
Apenas uma questão de compatibilidade qual eu não tenho grande parte dos meus colegas de classe. Eu me sinto distante deles, como se eles estivessem em uma dimensão completamente destinta da que eu vivia.
No entanto com ela não foi assim.
Desde quando ela chegou pude sentir que nossos espíritos eram parecidos. Ela tinha algo de diferente em sua essência, algo que a fazia se destacar no meio de tantos jovens idênticos. Eu podia sentir isso. Eu podia senti-la. Mesmo que ela não quisesse e relutasse tanto para que os outros conhecessem o mínimo dela, a sinceridade em seu todo era perceptível demais aos meus olhos.
Em passos receosos eu caminhava até o laboratório qual a prática das aulas de química era aplicada, sentindo minhas mãos fracas e trêmulas pelo nervosismo.
Por alguns segundos, parei na porta da tal sala, observando seu interior, procurando aquele rosto qual eu estava completamente perdida.
Só consegui o encontrar após observar nas bancadas localizadas nos fundos da sala. Ela parecia estar sempre por lá. Era perceptível que as pessoas buscavam distância dela, e ela das pessoas. Mas eu precisava tentar.
Uma onde de coragem inundou meu coração e alma, me empurrando para a sua direção. Eu nunca ja ia tomado iniciativa.
— Oi, eu posso me sentar aqui? — indaguei ao me aproximar mais dela.
A garota me olhou de canto de olho. Ela não parecia se importar tanto comigo. Uhg, que sensação esquisita.
— Tanto faz. — ela respondeu, desviando sua visão diretamente para outro ponto aleatório da sala, sem deixar que nossos olhares se chocassem diretamente.
Acho que eu teria que ter um pouco de calma se quisesse me aproximar dela de verdade. Suas atitudes revelavam uma natureza complexa qual eu não sabia muito bem como lidar.
— Então...— tentei iniciar uma conversa. — qual é o seu nome?
Parecia meio irônico o fato de eu fazer justamente a mesma pergunta qual me recusei a responder a ela.
— Catra.
A entonação seca de suas palavras me fazia querer desistir. Como ela aparentava não se interessar nem um pouco me causava um vazio desconfortável. Eu não deveria estar me sentindo daquela forma.
Nós nem nos conhecíamos direito. Por que eu estaria me preocupando tanto sobre como ela agia comigo? Ela não me devia nada.
— Meu nome é Adora. — eu sabia que ela não iria perguntar o mesmo.
Seu olhar denso decaiu sobre mim, um sorriso discreto se formou em seu rosto, e ela emanava uma energia estranha. Era como se algo estivesse me ameaçando.
— Eu não me importo. — ela retrucou, tentando desviar-se de minhas palavras. Aquilo começou a parecer um jogo.
Senti meu coração falhar uma batida ao ouvir tal pronunciamento tão brusco e gélido.
— Nomes não são algo importante pra você? — indaguei, tentando não deixar o assunto morrer.
— Não, é que... eles são idiotas, só isso. — novamente seu tom brusco predominou. — Eles te prendem num esteriótipo...é meio bizarro, sei lá...
Eu não havia entendido aonde ela queria chegar com aquilo. Era aquela sua intenção? Não me fazer entender nada para que eu desistisse de si? Se fosse, ela estava falhando. Coisas por entre panos me deixavam muito curiosa.
— O que você quer dizer com isso?
— Nada. Eu não deveria nem estar falando com você. — ela parecia frustrada.
Ela era tão confusa, e isso me atraía tanto...
Não tive tempo de esticar o diálogo por muito mais tempo, pois o professor quebrou o laço tênue qual criamos por alguns segundos com o primeiro nome da chamada.
Eles iam regredindo, e eu sentia uma energia pesada entre nós.
Direcionei meu olhar para a garota ao meu lado, percebendo seu punho ser apertado com certa força contra a sua palma. Ela parecia extremamente desconfortável.
— Nicholas? — a voz do mais velho ecoou pela sala, sem conseguir uma resposta. —Nicholas?
Ele indagou de novo. Por que ninguém respondia?
Consegui escutar a garota ao lado respirar fundo. Acho que podia escutar até mesmo seu coração batendo de onde estava.
— Presente.
Catra respondeu, fechando os olhos, lentamente, abaixando a cabeça.
Murmúrios maldosos passeavam pela sala de aula com sagacidade. Pulando de ouvido para ouvido numa dança caótica que quebrava corações e marcava almas com seus pés flamejantes e brilhosos.
Foi quando eu pude perceber o real motivo dela não gostar muito do papel que nomes tinham para a sociedade.
Ao chegar no final da lista de chamada, ele direcionou os passos até o quadro negro, começando a rabiscar coisas que não faziam sentido para mim. Sim, eu era terrível em química, mas não era esse o ponto.
Algumas vezes eu me perdia.
Eu me perdia dentro do oceano violento que minha mente me afogava. Mas ao contrário de todas os mergulhos frios qual essa experiência me proporcionava, eu me sentia mal. Eu sabia que ela não estava bem com toda aquela situação, era perceptível. Eu só queria saber como ajudar...
Vi Catra se levantando do banco sem encosto onde nos sentávamos, os olhos inquietos e o corpo retraído. Ela trocava palavras com o professor quais eu não conseguia escutar de onde estava. Logo pude ver o mais velho assentir, e ela se retirando do cômodo sem pressa alguma.
Meu olhar se concentrava única e completamente naquela porta até o momento qual o professor começou a dar as instruções do que fazer no período de aula.
Como eu estava sozinha, foi um pouco complicado seguir com aquilo pela frente. Principalmente quando sua cabeça não estava focando em algo por completo.
Longos minutos se passaram, e nada dela voltar para a sala de aula. Aquilo já estava começando a me preocupar bastante. Aonde ela havia se metido?
O sinal escolar se manifestou, indicando o final da aula qual eu tivera que enfrentar, e ainda nenhum sinal de Catra.
Eu nem deveria estar me preocupando tanto com aquilo, mas aquela sensação de algo faltando não me deixaria em paz, eu sabia disso.
Eu não poderia deixar aquela chama se apagar dentro de mim.
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Cinza • Catradora
FanfictionO ano era 1990, Adora era apenas uma jovem com a cabeça nas nuvens e o coração maior que o próprio corpo que queria conquistar a novata marrenta que não gostava de conversar. No entanto, ela não sabia que só teria trinta dias para conseguir isso. (...