Familia perfeita

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— Cheguei! — anunciei em um tom alto enquanto adentrava a casa grande, mal iluminada e silenciosa para que minha mãe conseguisse me escutar onde quer que ela estivesse.

Caminhei completamente distraída em direção ao sofá, o que fez com que eu esbarrasse meu braço em um dos móveis, escutando o barulho de algo se quebrar no chão

— Porra... — resmunguei baixinho, levando uma das minhas mãos ao local onde me feri.

Era difícil me acostumar com a casa escura daquele jeito.

Busquei o interruptor e acendi a luz da sala, o que fez minha atenção ser tirada do machucado no meu corpo, indo para o objeto qual tinha caído no chão. Era um porta retratos. Me abaixei para ver melhor a merda que eu tinha feito e se dava pra dar um jeito. Os cacos de vidro espalhados me fizeram ficar mais atenta a onde tocava.

Peguei o retângulo plano no chão com cuidado, virando-o de frente para mim, para que eu pudesse ver sua parte frontal.

Senti minhas sobrancelhas se franzindo e uma pontada no peito me atingir enquanto eu olhava a foto presente no porta retrato.

Eu, minha mãe e meu pai sorrindo para a câmera na viagem qual fizemos para Sallineas, uma cidade praiana que ficava no leste do país.

Eu tinha seis anos, então eu não lembrava com tanta clareza do que tinha acontecido lá, mas eu só lembro de trem sido um dos melhores dias da minha vida. Foi a primeira vez qual eu soube o que era me sentir viva. Me sentir infinita.

Será que eu conseguiria sentir isso outra vez?

— Por que as luzes estão acesas? — escutei a voz madura e sonolenta da minha mãe ressoar pela casa, me tirando do mundo das lembranças.

Minha cabeça virou na direção da mulher, para que eu conseguisse vê-la melhor. Ela estava descalçada e trajava uma camisola preta com  um roupão branco qual parecia ser bem macio por cima

— Já é meio dia. — retruquei, seca.

Ela simplesmente me ignorou e continuou a trilhar seu caminho até a cozinha.

Isso já tinha se tornado normal. Eu chegar da escola e minha mãe estar dormindo ou trancada dentro do quarto sem nem me cumprimentar algumas vezes.

Novidade mesmo era ela ter visto que eu cheguei.

Vi ela chegar perto de mim, apoiando-se no móvel qual eu tinha esbarrado com uma taça de vinho entre os dedos.

— O que você quebrou aí? — Ela perguntou mudando completamente de assunto.

Levantei-me do chão, virando o quadro na direção dela para que ela pudesse ver o que tinha acontecido. Eu conseguia ver no seu rosto o rancor. Ela nem fazia questão de esconder.

A mulher suspirou, dando uma bebericada no liquido vermelho como sangue e voltando seu olhar para o chão.

— Eu já ia jogar essa merda fora mesmo. — ela disse, caminhando de volta para o seu quarto e esbarrando de leve em mim sem olhar no meu rosto

A bebida as vezes não fazia bem pra ela.

— Você lembra não é? — arrisquei

Parei de escutar seus passos no chão frio da casa ao que ela aparentava parar de caminhar para prestar atenção no que eu tinha a dizer.

— Desse dia. — continuei. — Foi mágico, eu lembro de como você tava feliz.

Consegui arrancar outro suspiro dela.

— Eu estava feliz. — ela respondeu e em seguida apagou a luz da sala, enquanto ela entrava no seu quarto; me deixando sozinha e no escuro outra vez.

Como ela sempre fez.

Cinza • Catradora Onde histórias criam vida. Descubra agora