Capitulo 2

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CAPITULO 2

Viver e reviver aquele terror toda vez que eu fechava meus olhos era agonizante, mas a cada vez que eu recobrava levemente minha consciência, alguém vinha e me dava algo para que eu voltasse a dormir, sempre repetindo um estranho mantra.

“Namu amida butsu”

Logo após, eu sempre voltava a um sono mais pesado.

Não faço ideia de quanto tempo eu dormi, mas deve ter sido muito já que quando acordei me vi deitada em uma cama macia e numa casa completamente diferente da minha.

Não consegui me mexer muito, e quando reparei melhor vi meus braços enfaixados com tiras de tecido embebidas em algum emplastro esverdeado com um cheiro suave de ervas.

Olhei melhor ao redor e consegui ver outra figura deitada em uma maca parecida com a minha. Uma parte de seu rosto e deu dorso estavam enfaixados com o mesmo tecido com emplastro que o meu. Devido seu rosto estar coberto não a reconheci, mas bastou olhar para seus cabelos albinos como os meus para reconhece-la e lagrimas surgirem de meus olhos.

-Saori Nee-san...

Minha voz saiu fraca e, obviamente não a alcançou, mas parece ter sido o suficiente para chamar a atenção de uma outra pessoa que parecia dividir a casa conosco.

Meu coração se acelerou com a possibilidade de ser Sanemi Nii-san ou Genya Nii-san e me preparei para sorrir e cumprimenta-los como sempre fazia. Mas a pessoa que irrompeu pela porta do cômodo que estávamos não se parecia em nada com nenhum de meus irmãos.

A pessoa parecia ser um homem. Ele era muito alto e parcialmente musculoso. Meu coração se acelerou pelo medo que senti dele ser como aquela coisa que nos atacou, mas sua voz grossa e gentil falou pela primeira vez.

-Acalme-se, criança. - Ele se aproximou da vela acesa ao meu lado e se ajoelhou, logo dispondo-se a arrumar a colcha de pele que me aquecia. Pude ver melhor seu rosto. Ele era jovem, mas mais velho que Nee-san. Seus cabelos eram negros e desgrenhados e seu rosto era másculo e definido, com uma grande cicatriz atravessando-lhe a testa. Mas o que me chamou a atenção foram seus olhos. Ele era cego. - Você e sua irmã estão a salvo. Acalme-se.

Sua voz me trouxe uma calmaria instantânea e meu coração desacelerou. Ele transmitia uma áurea de calmaria e sua presença me era bem-vinda.

Senti minha visão se embaçar e comecei a chorar ao me recordar dos meus amados irmãos sendo mortos na minha frente por minha mãe. O estranho apenas colocou as mãos em meus cabelos e fez um carinho, me confortando por mais tempo do que pude calcular, até finalmente me acalmar.

-Sente fome? - Ele me perguntou com sua voz gentil e preocupada. Já não sentia medo dele, mas minha voz estava fraca e não pude falar. Levantei minha mão lentamente, por conta da dor que sentia, e segurei sua mão, que jazia descansando ao lado de seu corpo. Apertei-a em sinal de concordância.

-Entendo. Não consegues falar certo? - Apertei mais uma vez. Ele sorriu e, novamente acariciou meus cabelos. - Certo, já trago algo para comer.

Ele se levantou, não antes de arrumar a colcha que aquecia meu corpo, e saiu para outro cômodo. Levei meus olhos para Nee-san e observei seu estado.

Nós duas parecíamos mal, mas ela talvez perdesse a visão de seu olho direito. Quem é esse homem? Como nos achou? Por quê cuidou de nós, sendo que sequer nos conhecemos? Não posso formular mais perguntas e sequer posso falar. O que me basta agora é descansar e me recuperar.

-Espero que goste de sopa, pois fiz muita. - O homem voltou trazendo consigo uma panela grande e fumegante que ele deixou em cima de um apoio de madeira distante da cama. Se aproximou de mim e me olhou com seus olhos vazios. Pelo franzir de suas sobrancelhas e a trinca de seu maxilar, ele devia estar preocupado. - Terei que lhe colocar sentada para que possa se alimentar sem acidentes, tudo bem?

Ele pegou minha mão e eu apertei uma única vez, sinalizando que estava de acordo. Logo o mesmo segurou meu tronco e me sentou na cama, apoiando meu corpo com facilidade, já que sou uma criança bem pequena.

Todo o processo ele o fez com calma e delicadeza, então não senti dor alguma. Meu corpo ficou apoiado em seu braço esquerdo, enquanto com o direito ele retirava uma conchada de sopa e colocava em uma pequena tigela de barro e levava lentamente de encontro a minha boca.

Quando a tigela chegava perto o suficiente, eu me inclinava e tomava o caldo quente. Nisso passou-se alguns longos minutos até que me dei por satisfeita e ergui lentamente a mão e toquei seu braço.

-Está satisfeita? - Apertei minha mão em seu braço com a pouca energia que tinha, já que parecia que fazia muito tempo desde que me alimentei pela última vez.

O estranho me deitou novamente, sempre tomando muito cuidado e me arrumou entre as colchas da cama. Se levantou e levou a panela com o restante de caldo em bora para outro cômodo.

Eu me sentia melhor e mais disposta.  Tentei falar algumas coisas e obtive sucesso, então poderia me comunicar com ele assim que voltasse e perguntar sobre minha irmã.

Ele não tardou a voltar e se sentar ao meu lado, como das outras vezes.

-Está se sentindo bem? - Ele perguntou e aguardou que eu levasse minha mão até a sua para lhe responder. Mas consegui balbuciar algumas baixas palavras sem a necessidade do toque.

-Como está Nee-san? - Obviamente ele deu um leve sobressalto ao ouvir minha voz fraca lhe falando algo, mas sorriu e acariciou meus cabelos.

-Sua irmã está bem. O corte no olho não foi profundo, então ela não está cega de nenhum dos olhos. Nessas 3 semanas que estão dormindo, os seus ferimentos se curaram mais rapidamente que o previsto, então alguns cortes de seus braços foram sarados e cicatrizados. As costelas quebradas de sua irmã também estão no lugar certo e curadas. Mas as duas ainda estão fracas e bateram com a cabeça forte demais, por isso tem que descansar mais um pouco.

Fico aliviada ao ouvir suas palavras e solto um suspiro de alivio, enquanto pego e aperto levemente sua mão. O mesmo me oferece um sorriso gentil e aperta de volta.

-Onde nós estamos? - Minha voz continua fraca, mas já não encontro dificuldades para falar.

-Estamos em minha casa, no topo de uma das grandes montanhas, ao norte de Tokyo. - Não parece ser longe da minha antiga casa. - Encontrei-as pois estava em uma missão seguindo o rastro de uma das luas inferiores quando me deparei com sua vila. Havia dois meninos chorando enquanto segurava o corpo, já se desfazendo, de um oni. Um deles gritava que não pode salvar seus irmãos, e o outro estava em choque. Eles foram socorridos por moradores locais então segui para a casa destruída de vocês. Seus olhos vazios enchem de lagrimas- pobres crianças. Tao cedo traumatizadas. Mas já passou, vocês está bem agora.

-Os dois garotos... eles tentaram voltar para a casa? - Não queria me lembrar desse dia, mas Genya Nii e Sanemi Nii-san podem estar vivos.

-Eles estavam em choque, mas nenhum deles sequer cogitou voltar para enterrar os irmãos. Apenas se foram com moradores antigos do vilarejo. - Ele me disse com pesar e meu coração se afunda. Eles não quiseram saber de nós. Nos abandonaram. De repente surge um gosto amargo na minha boca, ao pensar que eu e Nee San fomos abandonadas por nossos próprios irmãos. Eram eles que diziam que nos protegeriam, mas foram os primeiros a nos dar as costas.  

-Qual seu nome? - Perguntei com a voz levemente embargada. Estava sofrendo e ele, além de salvar a mim e à minha irmã, também me ofereceu um conforto que há muito não sentia.

-Me chamo Himejima Gyomei.

-É um prazer, Himejima-san. Eu sou Shinazugawa Mariko. E minha irmã, Shinazugawa Saori. - Tossi um pouco mas continuei. - É um prazer conhece-lo.

Segurei sua mão um pouco mais forte. E lhe sorri, sabendo que ele não veria mas sentiria o sorriso em minha voz.

-Obrigada por nos salvar.

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As Irmãs ShinazugawaOnde histórias criam vida. Descubra agora