Aquele das surpresas

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Taehyung parecia não ter descanso. Desde que começara a faculdade naquele ano, todos os seus familiares pareceram querer colocá-lo numa bolha. Tinham medo que as pessoas falassem mal dele, o julgassem, o excluíssem ou qualquer coisa que pudesse ser danoso para o Kim. Tudo isso por conta de sua surdez. Algo que Taehyung odiava. Odiava se sentir 'coitado' e sua família o tratava como tal desde o acidente.

Enquanto o loiro escrevia em seu diário todas essas coisas, sua mãe entrou no quarto e lhe tocou no ombro. "Podem se passar 10 anos, eu nunca vou me acostumar com esses sustos" Tae pensou pondo a mão no peito, sinalizando que se assustara com a atitude. Sua mãe conhecia o básico de sinais, algumas vezes errava o gesto de mãos, mas era sempre compreensível. Ela sinalizou que estava pronto o jantar posicionando a mão perto da boca e flexionando em direção a ela mesma. Esse era um dos poucos que sua mãe acertava, mesmo sem saber.

Ele suspira, e vai. Se senta à mesa, junta as mãos agradecendo de uma forma que sua mãe entendesse e se põe a comer. Nada diferente de sua rotina, mas a cada três segundos, sentia uma vibração incomum na mesa, indicando que alguém bateu, tentando chamar sua atenção. Sabia disso, e justamente por isso, ignorava. Não queria ser feito de coitado novamente, e tinha plena certeza que ia. Mesmo que a conversa não começasse assim, sempre acabava com um 'pobre de você meu filho'.

Ao terminar, o rapaz se levanta, tira sua louça, lava na pia da cozinha e se retira, voltando ao seu abrigo, esconderijo, como quiser chamar. Lá pintava, desenhava e até se arriscava em moldar argila - mesmo não sendo sua área. Passava todas as horas do dia assim, bom, o máximo que conseguia. Dia ou outro ele saía, para pegar um sol, fazer um exercício. Aquele não era um desses dias.

Taehyung passou 6 horas seguidas depois do jantar desenhando e pintando até que dormiu em cima dos seus trabalhos. No dia seguinte, um sábado, o menino percebeu o que tinha acontecido e sentiu vontade de se bater por nunca prestar atenção em si mesmo quando estava pintando. Não era a primeira vez que isso acontecia, e ele sabia que não seria a última.

De toda forma, acordou todo dolorido, pela posição que dormira, e sabia que a única forma de fazer isso melhorar era saindo para seus exercícios esporádicos. Suspirou novamente, não queria sair naquele dia, sábado era um ótimo dia para se inspirar e fazer seus rascunhos. Mas não o conseguiria fazer com a dor na coluna e o torcicolo que estava. "Fazer o quê? Quanto antes eu for, mais rápido eu volto... Se eu tiver sorte consigo rabiscar o céu do meio-dia e o pôr-do-sol." Pensou enquanto deu de ombros para a bagunça que (sempre) estava o seu quarto e foi se preparar para sair de casa.

Já arrumado, com uma roupa de corrida, Tae passou na cozinha, onde sua mãe estava e bateu no batente da porta para chamar-lhe a atenção. Quando ela olhou para ele, percebeu sua roupa e já sabia o que aconteceria, mesmo assim, o menino sinalizou levantando os dois indicadores para o alto e descendo para dizer 'ir', e depois usou uma mão na vertical cobrindo a outra na horizontal, tirando a mão escondida de trás e a colocando na frente da outra, indicando 'fora'. Não que sua mãe soubesse disso. Mas entendeu. E acenou com a cabeça. Não tinha coragem de negar nada ao filho, mesmo achando que não era seguro e querendo que ele ficasse em casa, onde ela podia ver. Acenou com a cabeça e assistiu o filho sair pela porta da frente, suspirando.

- Eu preciso realmente aprender a dizer não pra esse menino.

Do lado de fora, Tae faz seu aquecimento, sentindo os músculos doloridos se alongando e alguns minutos depois começou a correr. Era cedo, entre 8 e 9 horas da manhã. Naquele horário, pessoas na idade dele não costumavam estar fora de casa, e as ruas costumavam estar vazias, com exceção de um ou outro grupo de idosos. Por isso, foi uma surpresa enorme quando ele esbarrou em Yoongi em uma esquina a 5 quadras de sua casa.

Yoongi fechou as duas mãos em punhos e abaixou até a altura da cintura para dizer "olá", flexionou os dedos, quase fechando, posicionando os braços do lado da cintura, fez um movimento de vai e vem nessa posição - simbolizando o "querer", depois fez quatro com os dedos, posicionando no queixo e descendo a mão - para "falar", e por fim apontando para o outro rapaz - "você". 'Olá, tudo bem? Eu queria falar com você mesmo.'

A surpresa de Taehyung só ficou maior quando viu o menor sinalizar tudo isso usando soohwa, algo que sua mãe não aprendeu em três anos.

'Prossiga.' Com a mão na altura da barriga, fez um círculo vertical.

O fato do menino compreender foi mais uma vez chocante.

Apontou para Taehyung - "você", depois juntou os quatro dedos e quase encostou o dedão nos 4 dedos, colocou do lado dos olhos e fechou, abaixando as mãos e esticando os dedos, abrindo a mão - "professor". Esse ficou um pouco confuso, mas Taehyung conseguiu entender. Por último, fechou uma mão e esticou a outra, colocando uma por cima da outra, deixando um espaço entre as duas - "soohwa". 'Seja meu professor de soohwa.'

Não foi possível para Taehyung esconder o choque que aquela pergunta lhe causou. Mas não tinha motivos para negar.

'Claro.' Fechou a mão esquerda, e dobrou o pulso, como se estivesse batendo numa porta.

Para continuar, Yoongi pegou as folhas dentro de sua bolsa - que ele levava para todo lugar - e escreveu. "Parece que ele sabe um pouco do básico, mas não o suficiente para uma conversa longa." Pensou Kim. Marcaram de se encontrar na sala de Taehyung todos os dias no intervalo entre o fim das aulas e a prática de piano do mais velho. Taehyung ficou feliz em poder ter um novo amigo. E animado por poder ensinar mais um amigo a conversar com ele.

'Tchau.' Ambos fizeram o sinal ao mesmo tempo, o mesmo que diz olá, com as mãos na altura da barriga. Yoongi riu, com vergonha, o que deixou Taehyung com um sorriso bobo na cara.

Taehyung correu mais do que o esperado naquele dia, mas nem se quer se lembrava da dor que sentia quando voltou a correr. Quando voltou para casa, desenhou o resto do dia todo, mas se inspirou no sorriso de um certo alguém que não saia de sua cabeça. Pela primeira vez, as janelas do pintor estavam fechadas durante o pôr-do-sol.

River flows in you - TaeGiOnde histórias criam vida. Descubra agora