Pequeno Infortúnio

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Lábios ferozes rasgavam sua carne como se estivesse sendo sacrificada em uma pedra que se transformara em uma cama que flutuava no labareda podre do inferno.
A cada toque em suas coxas arqueava sua coluna já castigada com arranhões e chupões por ser uma menina má.
"Entregar-se a mim" a voz rouca dizia, seus anéis brilhavam enquanto entravam e saiam de si com certa força.
Os músculos dos braços brancos tinham se tornado em uma saborosa viagem até o próprio prazer; as chamas azuis indicavam que o nível do álcool que tinha se colocado no lugar de suas circulações sanguíneas queimava todo o resto do quarto.
Neste exato momento, seu corpo debruçou-se sobre o dela,
O escuro que cobria seu rosto ia tomando uma forma clara, mais e mais, até revelar o início de seu maxilar.



Yongsun abriu os olhos em um pulo assim que percebeu algo molhado passar por seu pescoço, escorrer até o vão entre seus seios, fazer uma curva e desviar-se do centro até pingar no colchão. Levou sua mão perdia nos lençóis até a testa e então ergueu seu dorso. Retirou o excesso de suor dali arrastando agora suas duas mãos até o pescoço, amassou a pele de sua nuca e seguindo a anatomia de seu busto desceu até os ombros por dentro da blusa do pijama que usava e enfim entre seus seios. Suspirou algumas vezes acalmando seu eu interior e seu corpo também, que mais parecia estar tendo uma crise de convulsão por alguns segundos e com algum tempo esfriou novamente. Não  o suficiente. Levou as mãos até onde conseguiu e pressionou com a  ajuda do ar, fez o mesmo com seu pescoço estralando-o por alguns segundos de cada lado, inclusive rotacionando-o. Tirou os lençóis de suas pernas e ao mover-se para levantar o relógio próximo ao abajur ao lado da cama, percebeu o deslize mais fácil abaixo de sua virilha.

Bufou frustrada.

Bagunçou seus fios platinados coçando todo o couro cabeludo como se fizesse uma massagem desajeitada, ficou algum tempo parada ali tendo toda a cama a sua disposição, pensou no quão engraçado seria uma visão aérea de sua imagem sentada no meio da cama como estava agora, deveria parecer cinco vezes menor do que realmente era; adorava ter espaço para todas as coisas e até além disso, por isso uma cama tão grande para uma solteira que de vez em quando recebia sua melhor amiga e acabavam dividindo a cama e mesmo assim, ainda parecia um mundo inteiro. Levantou-se tomando coragem para lidar com o que acabara de acontecer. Era cedo demais, sete e meia da manhã e o céu havia amanhecido triste, nublado com um vento frio que entrou por uma brecha que se abrira pela pressão do ar; Yongsun não se importou em fechar para que a janela da porta de correr não se escancarasse, caminhou em passos preguiçosos até seu banheiro pessoal enquanto despia seu corpo pelo habitual caminho, quando chegou a ficar cara a cara com o box abriu o chuveiro para que a água ficasse em seu pico de quente.

Não era brincadeira morar em um país cujo o inverno era um dos mais severos e assim, evitava ficar doente. Algo que era bem raro, Kim, nunca ficava doente até porque tinha apoio de todos os suplementos para todo tipo de todos os tipos, para a saúde física e mental. Não deixava de toma-los por nada, ignorando alguns médicos e até amigos. O que de mal tinha em cuidar de sua imagem? Isso a fazia ser irônica ao mesmo ponto, tendo em vista que a bicicleta elétrica estava quebrada e largada na sala por falta de uso. Deu de ombros.

Deixou que a água lavasse e matasse seus pêlos pelo nível da temperatura, não reclamou, deixou com que seus cabelos fossem molhados; esfregou delicadamente seus olhos, bochechas e pescoço inspirou e respirou com profundidade se sentindo um pouco mais calma... Será? O vapor da água ultrapassava o cumprimento do box e embaçava os vidros acima das pias existentes ali, deixou as mãos apoiadas no vidro grosso cinza enquanto sua mente trabalhava em descompasso com a calmaria de seu corpo.

Repassou mentalmente os últimos acontecimentos que a perturbavam. Voltar a frequentar a Fetish depois de ter levado um golpe que se aproximava muito de algo besta e previsível; um ponto importante que não poderia deixar para trás, afinal trabalhou em um ano o que uma pessoa normal da sua idade levaria o dobro de tempo para construir. Talvez, em sua mente ambiciosa e ainda frágil, era sim jeito de dizer ao casal malandro que não iria se abalar com a melação que fizeram em sua conta bancária e na da revista e acabou ganhando algo muito a melhor do que apenas dinheiro, reconhecimento e credibilidade: Amadurecimento.

Sorriu sentindo na pele as horas que passou chorando por cima dos blocos de anotação tentando ter ideias que uma hora outra acabaram vindo.

Voou até seu retorno. Tinha tudo para ser somente mais uma noite em que se esbaldaria em sua cabine preferida, deitada na poltrona com uma boa taça de vinho ou espumante. Deixaria seus problemas para trás assim que passasse pelo umbral da porta automática com números prateados cravados nela, deixaria o estresse sair com seus suspiros e gemidos ocultos e sentia-se satisfeita, se por acaso, algum dos vários e vários casais e até pessoas solteiras com seus brinquedinhos a fizesse chegar até a borda sem afobação e nem dificuldade. Era assim que os bons tempos se passavam e as horas iam encolhendo. Contudo, desta vez, sua cabeça está levemente atormentada e inchada de questionamentos sobre a misteriosa mulher que aparecera duas vezes na mesma semana e na mesma cabine; muito provavelmente compartilhavam do amor pelo menos fetiche e se não fosse isso apenas era uma jovem querendo descobrir-se em aspectos adversos.

E o que tinha essa garota escondida nas sombras que em dois dias a fez suspirar, gemer e quase, apenas quase gritar e esquecer de todo um império que começara a prosperar? E agora, sentia-se estranha o bastante por não entender todo esse efeito borboleta que tinha lhe causado até mesmo em seus sonhos, fazendo-a acordar em um estado deplorável se não fosse tão visível o desejo que apenas uma nutria pela outra. Será mesmo? Se seus ouvidos bem funcionavam a ouviu dizer palavras claras antes de sair da cabine, seu corpo estava virado para o vidro e por algum motivo sua cabeça escondida pelo boné acertou prontamente a face de Yongsun.

Foi a primeira vez que alguém em todos os três anos que conhecia a Fetish que uma pessoa - provavelmente - se dirigiu a ela. Com um tom de luxuria na voz e uma risada sarcástica, como se aquilo fosse um jogo de cassino, aonde todos precisavam ser dissimulados e isso, Solar poderia ser. Sorriu com a língua entre os dentes com uma maliciosa estripulia adolescente na cabeça, desligou o chuveiro puxando com a mão livre a toalha que fora envolvida em seu corpo, deixou os fios daquele mesmo jeito. Calçou as pantufas e saiu do banheiro, costumava andar pelada pela casa, mas um progresso estava por vir por conta do frio que insistia em vencer os aquecedores. Passou pelos quadros pendurados no corredor que conectava os quartos até a sala de jantar e mais a frente a sala de estar; estava convencida de que não precisava ir a sede hoje, poderia fazer a seleção de quase três mil fotógrafos que ainda faltavam em casa já que o acesso ao e-mail era única e exclusivamente seu, coçou suas bochechas as esfregando numa pequena massagem passando direto até a cozinha.

Hora de se auto medicar com algumas dúzias de suplementos. Assim que pôs as duas pernas no piso de madeira que deixava sua apegadas cobertas altas o suficiente para aderem ouvidas por alguém, dirigir-se a bancada e então tirou as mãos dos olhos assustando com o que viu.

— Bom dia. — Wheein estava bem acomodada em um dos móveis do outro lado da cozinha, separadas por um mármore mesclado escuro que ia até metade do cômodo, separando área de armazenamento da área de realmente cozinhar. — E... Você tá parecendo um gato escaldado.

Yongsun tinha que se lembrar de mudar a fechadura de todas as portas da casa, pensou nisso assim que seu coração deixou de palpitar por conta do susto; ao menos era uma amiga e não algum ladrão psicopata. Inclinou sua cabeça para o lado observando-a num ângulo mais confortável já que seu corpo estava mole pela enxurrada de água quente que tinha levado em seu corpo. A mais baixa estava devidamente arrumada, formalmente sabia pelo blazer eu os botões da camisa de seda, em seu dia a dia nunca vestia aquilo e sinceramente ficava melhor sem mesmo. Ela morava abaixo de si e nada disso tinha sido combinado quando tinham se mudado, apenas se trombaram no elevador e acabaram rindo de como não tinham percebido que os endereços batiam no mesmo prédio. Não era de todo ruim tê-la por perto, apreciava seu cuidado e preocupação consigo nunca a deixou desamparada e mesmo que por vezes exagerasse, acabava sempre tendo razão.

O quão irônico isso era tendo em mente o abismo de diferença entre a idade de ambas?

— Primeiramente, eu tive um sonho meio... Esquisito, precisei colocar o chuveiro no pico mais quente que consegui. — Puxou a parte que cobria seus seios com a toalha e a segurou não querendo que com seus movimentos imperativos, o pano grosso caísse em suas coxas. — Segundamente, desde quando você está aqui?

Já era tarde quando Jung tinha mandado algumas mensagens para sua chefe e também amiga íntima Solar já que passava das uma da manhã e mesmo que optasse por fazer home office ficaria zumbizando pelos cantos do apartamento se não tivesse oito boas horas de sono. Sabia ao de tinha ido e não julgava, apenas queria de alguma jeito informá-la do medo que sentia de tudo dar errado novamente e vê-la se matando para a recuperar todo o fundo monetário que tinha ido embora como areia, era o que menos queria. O que menos precisava. Talvez tudo isso fosse um alerta inútil de sua cabeça jovem, mas preferia não ter algumas conversas que se passaram em sua cabeça como um gif, enquanto abria a porta do apartamento da amiga com uma cópia da chave e a encontrou deitada na cama momentos antes.

— Quando cheguei você ainda estava na cama. — Encurtou a distância entre seus corpos sentando a frente da mesma na bancada, aqueceu água e colocou em uma xícara junto com sachê de chá, deslizou na bancada até a mais velha.  Estralou seus dedos logo após apoiar seus antebraços ali. — Tem certeza de que foi um sonho esquisito? Você estava parecendo gostar.  — Prendeu o riso ao lembrar-se de ter ouvido um suspiro um tanto alto quando ia saindo do quarto e novamente fechando a porta. Não quis rir para não acorda-la, mas parece que isso aconteceu em poucos segundos depois que chegou a cozinha. — Devia ter tirado uma foto.

Finalmente soltou uma mínima risada deixa do Yongsun um tanto avermelhada enquanto tomava a xícara de temperatura leve em suas mãos.

— Eu vou trocar as fechaduras dessa casa hoje mesmo. — Deu o primeiro gole saboreando qualquer que fosse o sabor daquilo, apenas queria esquentar seu corpo, de um jeito que não a deixasse mole como a minutos atrás em seu banheiro. — As vezes eu sonho com bastante intensidade, sabe disso. — Girou seu pescoço para o lado dando de frente com mais uma janela naqueles enormes metros quadrados. — Bastante intensidade...

— E com o que pôde ter sonhado pra lhe deixar desse jeito, vermelha enquanto eu toco no assunto? — Disparou curiosa, tinha um olhar carinhoso e o carinho com os dedos no braço de Yongsun confirmava isso. Parecia até mais alegre. — E está ficando novamente.

Riu apoiando seja bochecha e cabeça em seu braço livre.

— Sonhei com ela. Sabe? Com a garota que eu não vi na Fetish. Não sei porque. — Balançou a cabeça deixando com que seu lábio inferior fosse engradado pela pressão de seus dentes nele. — Alguma coisa nela... Eu não sei. Talvez o jeito com que ela se move, o jeito com que toca em partes que me fazem suspirar e mesmo não me tocando diretamente, faz com que minha noite ali valha a pena mil vezes. — Tombou a cabeça para trás sorrindo sem dentes. — Aah, se você tivesse visto o corpo dela... Puppy ela tem umas covinhas nas costas que são tão sexy e...

— Acho que isso é o suficiente pra dizer que você está ficando louca. — Juntou suas mãos em seu rosto rindo minimamente observando as feições da amiga depois que disse cada uma daquelas palavras. — Só vi um sorriso desses na sua boca duas vezes: Quando inauguramos a Solarsido e quando você conheceu aqueles dois.

— Wheein! Não se trata disso, não existe espaço na minha vida pra uma outra decepção amorosa e financeira. — Negou com a cabeça inclinando-se para frente ficando a centímetros do rosto da amiga. Fez um carinho na ponta de seu nariz com um dos dedos e se afastou tentando passar um pouco de segurança e confiança em sua fala. — Ela só é uma porra de uma gostosa.

Sussurrou a última parte levantando-se de supetão. Vestiu um pijama limpo e teve a certeza por alguns minutos de que era domingo ou algum dia que considerava tedioso, já que, apenas nesses ficava de pijama o dia todo e se pudesse trabalharia vestida dentro deles. Pensando nisso, logo quando fechou seu primeiro contrato publicitário de importância significativa, criou um dia na semana a chamada Festa do Pijama InterSolar, aonde todos os funcionários iam de pijama e em determinados momentos poderiam até tirar uma soneca no andar de dispersão, que também ganhava uma nova remodelagem com o tema que todos votavam dias antes. A maioria dos acionistas odiaram a ideia, mas como era ela que possuía a maior quantidade ações, acabava não se importando muito com esse tipo de coisa, brigavam mais por coisas sérias como o tipo de marketing que tinham a séculos e se isso mudaria ou não. Sentada no chão a frente de papéis e mais papéis espalhados desorganizada mente pela mesa de centro, bufou tentando colocar um fim naquela bagunça e em menos de vinte minutos tinha organizando-os por ordem de envio pelo email.

Certas manias nunca iriam mudar.

— Certo, temos Kang Seulgi. Me parece uma fotógrafa ao modo antigo, vê as inclinações de ângulo e a forma chapada com que suas fotos são? — Sun, vestiu sua capa de empresária que na realidade se chamava óculos no mundo real, segurava o portifólio recém impresso em suas mãos e mostrava algumas coisas a Wheein. — Hm... Não sei. Nosso público é jovem, mas ela também faz alguns tratamentos de imagem.

— Um dia isso pode ser útil, pensando a longo prazo ela agilizaria muito o processo de edição de outra pessoa. Além de que parece ser muito boa no que faz. — Deu de ombros. — A falta de experiência assusta um pouco.

— Bote ela na próxima fase. Adoraria abrir as oportunidades para ela e outras coisas também, você viu esses olhos? — Grifou o nome da jovem com um marca texto vermelho, o que fez Wheein rir a dando pequenos tapas.

— Leve a sério.

— Eu estou, mas fatos não podem ser negados. — Deixou com que sua risada morresse gradualmente. — Ok, Moon Byul Yi. Acho que a mais velha até agora. Vinte e nove anos. Céus... — Assim que pegou o portifólio em suas mãos, suas palavras sumiram da boca. As únicas fotos em vieram a sua mente era de vanguardas expressionistas e cubistas, mas sem serem clichês. Era diversificado, tanto na composição técnica quando mas pessoas: desde de bebês até crianças e idosos fazendo coisas do dia a dia como dormindo, namorando, lavando pratos e tudo isso parecia ter sido extraído de uma exposição de um fotógrafo com vinte e oito anos de carreira e tendo em mente que isso era apenas sua idade, tinha sérias chances. — Tem certeza que ela está desempregada? Porque pra mim isso não é um portifólio comum por aqui. Não na Coréia.

— Não é pra tanto. — Comentou a mais nova por alto, olhou de rabo de olho e percebeu a falta de edição nas fotos, que naquele caso, não fazia diferença. — Você sabe que não vai ser a única a julgar.

Solar meneou com a cabeça deixando-se na pilha da primeira etapa das seleções. Parecia que aquilo tudo iria tomar o resto de seu dia e não reclamaria, nunca faria isso de seu trabalho. Com a intensa competição pelos outdoors coreanos, tinha que ser a melhor e a mais inteligente para que nenhuma companhia tomasse seus profissionais como acontecera a dias trás, infelizmente nem todos jogavam limpo como ela. Teria de ter foco até que as contratações estivessem feitas.

— Parece que a Fetish vai sentir minha falta por hoje. E ela também. — Sussurrou para si mesma.




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